SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Médico e empresário, o goiano Gustavo Aragão de Menezes, 52, dizia ser um dos melhores clientes da McLaren no Brasil. Contava ter adquirido sete veículos da marca, totalizando R$ 19,9 milhões. “Nenhum cliente na história da McLaren comprou sete carros, como eu comprei”, disse ele em áudio a familiares.
A relação com a marca, no entanto, virou caso de polícia. Ele responde a inquéritos em São Paulo e Goiânia, e em um deles foi indiciado pelo Ministério Público, no final de agosto, pelo crime de estelionato. O juiz Donizete Martins de Oliveira, da 11ª Vara Criminal de Goiânia, recebeu a denúncia e, no dia 30 de agosto, mandou Menezes se apresentar.
Menezes não respondeu a nenhuma mensagem enviada pela reportagem desde o dia 14 de setembro. Os seus advogados, o criminalista Helio Nogués Moyano e o civilista Valdir Teles de Oliveira, não quiseram conceder entrevistas. Moyano disse que as respostas estavam nos autos dos processos.
Nessa ação, Hugo Flávio Xavier Barbosa, dono de uma revenda de carros na capital de Goiás, afirma que, em novembro de 2021, Menezes, antigo cliente da sua loja, ofereceu um Rolls-Royce Cullinan, fabricado em 2019 na Inglaterra, pelo preço de R$ 4 milhões. “Um carro que custava R$ 5 milhões”, conta o lojista.
Para selar o negócio, Barbosa transferiu R$ 1 milhão no ato da compra e, na semana seguinte, receberia o veículo. “O Rolls-Royce nunca chegou”, contou. “Em novembro o Gustavo vendeu o carro que ele já havia vendido em julho [de 2021]”, afirmou.
Moyano, advogado criminalista contratado por Menezes, escreveu para o delegado do caso que o médico tem como “hobby a compra, uso por tempo curto e então revenda de veículos do segmento de alto luxo”. Porém, disse ele, o cliente passava por dificuldades financeiras desde meados de 2021 porque a sua empresa, GAM Diagnósticos, ficou sem receber pelos serviços na área de saúde de Maputo, capital de Moçambique.
Os pagamentos voltaram a ser feitos em fevereiro de 2022, mas a quantia de R$ 131 milhões depositada supostamente pelo Hospital Central Maputo (HCM) foi devolvida pelo Santander. Dois meses depois, uma nova transferência, de R$ 131,5 milhões, também foi devolvida.
A reportagem enviou uma série de perguntas ao banco, que não respondeu.
Sem o dinheiro, a vida de Menezes virou de ponta-cabeça. O médico e a sua esposa registraram boletim de ocorrência dizendo viver sob ameaças de fornecedores de carros de luxo.
O médico, que ostentava relógios e carros de luxo e dizia ser sócio de avião, lida com uma dívida estimada em R$ 50 milhões. Somente para a McLaren, está sendo executado por quase R$ 10 milhões e responde a inquérito no Ministério Público.
“A empresa foi vítima de um golpe perpetrado pelo Gustavo. Agiu para conquistar a confiança e sustou os cheques ou deixou voltar sem fundos”, afirma Aires Vigo, da empresa BBGA, importadora da McLaren no Brasil.
Menezes é alvo de cobrança na Justiça do grupo Escuderia, que revende no Brasil veículos da Ferrari, Maserati, Lamborghini e Rolls-Royce. O processo tramita em sigilo.
A assessoria da Escuderia disse que o seu diretor estava viajando e não atendeu a reportagem.
O médico também é alvo denúncias à polícia pela compra de outros carros de luxo e uma moto Harley-Davidson em Campinas (SP) e Rio de Janeiro. Nos inquéritos, o advogado Moyano apresenta o histórico do médico com a BBAG (McLaren) e a Escuderia (Ferrari) e diz que o cliente não se nega a pagar.
Flávio Lucas de Menezes, primo de segundo grau do médico, advogou para Menezes e para a GAM até junho de 2023 e, hoje, cobra R$ 40 milhões. Ele se diz vítima do próprio primo/cliente e o notificou por quebrar o sigilo profissional, previsto no Código de Ética da OAB, após ser ameaçado pelos credores e ser cobrado na Justiça
“Eu sou avalista dele em quase R$ 20 milhões, é o meu primo e estava sendo ameaçado de morte. Acreditei que estava passando por dificuldades por questões burocráticas”, conta Flávio à Folha. “Vi o extrato com o dinheiro no Santander, vi as notas de prestação de serviços ao hospital de Maputo.”
Menezes apresentou à Justiça uma suposta declaração assinada pelo diretor-geral do Hospital Central de Moçambique, Mouzinho Saíde, na qual afirmava que a GAM prestava serviços desde maio de 2015 nas áreas de telemedicina e consultoria.
Os advogados do médico também mostraram notas fiscais emitidas pela GAM ao hospital, totalizando R$ 262,7 milhões entre 2017 e 2019.
À Folha de S.Paulo, o hospital não reconheceu a declaração apresentada à Justiça e informou que não conhece ou possui relação com a GAM Diagnósticos ou Gustavo Aragão de Menezes. “Este hospital condena veementemente tal atitude que considera ser de má-fé”, diz o documento da instituição de Moçambique.
Após receber a nota do hospital, a reportagem voltou a procurar Menezes e os seus dois advogados, mas ninguém quis falar.
CARLOS PETROCILO / Folhapress