SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Médicos da Santa Casa de São Paulo relatam terem sido demitidos, com a justificativa de corte de gastos, depois que o hospital passou a aplicar a nova Tabela SUS Paulista, que determina novos valores pagos para procedimentos cirúrgicos. Segundo eles, o hospital decidiu priorizar a permanência dos profissionais que realizam cirurgias em detrimento dos outros.
A mudança, aprovada pela Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), em agosto de 2023, prevê um complemento aos pagamentos de procedimentos hospitalares realizados em unidades privadas, com ou sem fins lucrativos, que prestam serviços pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Entre os que sofreram reajustes, estão as cirurgias de apêndice, cujo valor passou de R$ 414,62 para R$ 1.865,79, e de vesícula (colecistectomia), de R$ 996,34 para R$ 4.483,53.
A Santa Casa de São Paulo tem uma dívida estimada em cerca de R$ 400 milhões. A unidade realiza mais de 500 mil atendimentos ambulatoriais, 230 mil atendimentos de urgência e emergência e cerca de 27 mil cirurgias por ano.
Com a diminuição do quadro médico, a instituição suspendeu o reagendamento de consultas para algumas modalidades. O hospital é uma organização filantrópica privada que destina parte dos atendimentos ao SUS. São encaminhados para lá casos raros ou graves que não tiveram diagnóstico fechado ou resolução em outras instâncias da saúde pública.
Uma residente que pediu para não ter o nome divulgado, que atua no setor de dermatologia do hospital há dois anos, conta que três médicos da área já foram dispensados. O clima é de tensão, já que, em uma reunião realizada entre chefes das especialidades e outros funcionários na manhã desta quarta-feira (22), a conclusão foi de que as vagas nos ambulatórios –onde ocorrem as consultas com especialistas– diminuirão.
“Tenho a impressão de que isso é uma desarticulação do SUS, feita de cima para baixo. A intenção de falar sobre isso é alertar a população, que é a maior prejudicada”, afirma.
O economista Murilo Viana, especialista em contas públicas, explica que, quando há aumento na tabela do SUS, a pressão financeira sobre os hospitais deveria diminuir, uma vez que estes recebem mais para cobrir os procedimentos. Apesar disso, a defasagem histórica de recursos na área pode fazer com que as instituições tenham prejuízos acumulados ao longo dos anos devido ao alto custo de operação e à baixa transferência de recursos por parte do poder público.
“O que pode estar acontecendo é, em vista da atualização dos muitos procedimentos do SUS, os hospitais estarem priorizando a contratação de médicos especialistas dos procedimentos e cirurgias contemplados pela atualização do valor”, diz o Viana.
Em relato à reportagem, uma médica que foi demitida e não quis se identificar contou que as demissões começaram na primeira quinzena de maio. Os primeiros a serem cortados foram os profissionais com mais tempo de casa, com 40, 30 e 20 anos de serviço.
“Um deles, inclusive, estava no centro cirúrgico no momento em que o procuraram para avisar sobre a demissão. Quando a pessoa do RH foi avisada sobre isso, ela disse que esperaria o procedimento terminar para que a conversa acontecesse”, afirmou.
Ela diz que recebeu a notícia quando estava no corredor, a caminho de uma aula que ministraria. No instituto também funciona a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, onde a médica era professora. Antes de receber o ultimato, avisou que subiria para a classe e daria sua última aula, e foi o que fez.
“Eu acho que o grande problema vai ser um prejuízo gigantesco para a população. A Santa Casa, ainda mais na dermatologia, é um serviço de excelência no Brasil. Muitos profissionais que trabalham aqui são doutores, mestres, pessoas que dão aula em congressos. A gente trata pacientes graves, crianças que são constantemente internadas por doenças de pele”, diz a médica.
Na manhã de quarta-feira, a fila para marcar consultas e exames no local era extensa, com espera de mais de 4 horas na maioria dos casos. Shirlene Galdina Silva, de 37 anos, chegou à Santa Casa às 8h. Com um problema crônico de intestino, ela frequenta a Santa Casa há 20 anos.
Segundo ela, o atendimento do hospital sempre foi excelente, mas nos últimos meses tem encontrado dificuldade para marcar consultas com os especialistas. “Fiquei esperando desde a hora que cheguei até as 14h30, para me dizerem que não havia vaga para imunologia e nem previsão. É um descaso, não sei o que vou fazer”, afirmou.
Procurada, a Santa Casa afirmou que estão sendo feitas readequações internas nas agendas de consultas médicas ambulatoriais, sem prejuízo aos pacientes já agendados.
“Os agendamentos dos retornos foram temporariamente bloqueados devido à necessidade desta reorganização, desta forma, estamos trabalhando intensamente para reabrir as vagas o mais breve possível. Ressaltamos que os demais procedimentos ambulatoriais, tais como, dialise, central de infusão de quimioterapia e exames de diagnóstico se mantém inalterados”, diz.
Os agendamentos ambulatoriais serão programados em acordo com os serviços contratados pela Secretaria Estadual de Saúde e o novo dimensionamento das equipes faz parte da reorganização interna do Hospital, informou a instituição
VICTÓRIA CÓCOLO / Folhapress