JERUSALÉM, ISRAEK (FOLHAPRESS) – O mega-ataque realizado na noite de sexta-feira (27) por Israel contra o QG do Hezbollah em Beirute matou Hassan Nasrallah, 64, líder do grupo extremista libanês, Ali Karaki, comandante da frente sul da facção, e vários outros líderes, afirmou o Exército de Israel neste sábado (28).
O Hezbollah confirmou a morte do líder horas depois, em um comunicado no qual afirma que Nasrallah “juntou-se aos seus grandes e imortais mártires, cuja jornada liderou durante quase 30 anos”. Na nota, que não informa como o chefe foi morto, o grupo diz que continuará sua batalha contra Israel “em apoio a Gaza e à Palestina e em defesa do Líbano e de seu povo firme e honrado”.
O Hamas, apoiado pelo Hezbollah, lamentou a morte do líder. Segundo o grupo, os assassinatos “só tornarão a resistência na Palestina e no Líbano mais determinada e persistente”, afirmou a facção em um comunicado.
Durante uma entrevista coletiva, um porta-voz do exército israelense, Nadav Shoshani, recusou-se a dar uma estimativa do número de civis mortos no ataque a Nasrallah, segundo o jornal americano The New York Times.
Um funcionário da área de segurança no Líbano, no entanto, disse à agência de notícias Reuters que o ataque uma sucessão rápida de grandes explosões em um prédio residencial em Dahiyeh, subúrbio da capital controlado pelo Hezbollah deixou um buraco de pelo menos 20 metros de profundidade.
A ofensiva foi seguida neste sábado por novos ataques aéreos na região e em outras partes do Líbano. Grandes explosões iluminaram o céu durante a noite, e nuvens de fumaça cobriram parte da cidade.
Moradores de Dahiyeh fugiram da região e buscaram abrigo no centro de Beirute e em outras partes da cidade. “Os ataques de ontem foram inacreditáveis. Tínhamos fugido antes e depois voltamos para nossas casas, mas então os bombardeios ficaram mais intensos. Então viemos para cá”, disse à Reuters Dalal Daher, perto da Praça dos Mártires, na capital.
Um porta-voz do Exército israelense, Daniel Hagari, disse que aviões de guerra seguem atacando alvos do Hezbollah em todo o Líbano. “Continuamos, agora mesmo, atacando, eliminando e matando comandantes do Hezbollah”, afirmou a jornalistas.
O Hezbollah respondeu os ataques com o lançamento de foguetes contra o país vizinho, mas a defesa de Israel bloqueou alguns deles; não houve relato imediato de feridos. Como precaução, o Exército ordenou a proibição de aglomerações de mais de mil pessoas na região central do país, incluindo Tel Aviv..
A morte do líder abalou o país. De acordo com o New York Times, deslocados que estavam em uma mesquita no centro de Beirute receberam a notícia com choque. “Continuaremos seguindo o caminho dele”, disse Jamila Ghaith, 53. “Mesmo que ele morra, ele vencerá.”
O assassinato, em uma ação que botou abaixo seis edifícios com bombas desenhadas para destruir bunkers, é o momento mais dramático em 18 anos de atrito desde que israelenses e o Hezbollah se enfrentaram na mais recente guerra entre os dois.
A operação foi a culminação de dez dias de escalada por parte de Israel, que declarou ter perdido a paciência após quase um ano de ataques fronteiriços. O Hezbollah lançou estimados 9.300 foguetes e mísseis até aqui, como forma de apoiar o Hamas.
O grupo terrorista palestino havia atacado o Estado judeu de forma inédita e bárbara em 7 de outubro de 2023, matando cerca de 1.200 pessoas e sequestrando outras 251. Essa crise segue inconclusa, com o Hamas bastante enfraquecido, mas ainda vivo, e com ao menos 64 reféns que Tel Aviv diz estarem vivos.
Assim, a violenta ação de Israel, que começou com pagers de membros do Hezbollah explodindo em uma gigante ação coordenada e teria acabado com a morte de Nasrallah, é objeto de dúvidas acerca da motivação do premiê Binyamin Netanyahu interessado em manter o poder com o apoio que tem da direita ultrarreligiosa.
Seja como for, dezenas de comandantes e seus substitutos foram mortos nas fileiras do Hezbollah, e o grupo perdeu alegados 50% de seu arsenal de mais de 150 mil mísseis e foguetes. Desde a guerra de 2006, que terminou num empate favorável ao grupo, ele nunca foi tão afetado.
Isso leva a dúvidas sobre sua capacidade de reação. Na noite de sexta, quatro horas depois do bombardeio em Beirute, que deixou ao menos outros dois mortos e 76 feridos, os extremistas dispararam 65 projeteis contra o norte de Israel.
Há ponderações de outra natureza. O Irã, que banca o Hezbollah e o Hamas, além de outros grupos da região, pode com essa degradação do Hezbollah perder um grande anteparo entre o poderio de Israel e suas forças.
Isso pode tanto levar a teocracia iraniana a ainda mais comedimento, para evitar se expor e talvez tentar salvar o arsenal restante dos aliados, ou a emular o comportamento de abril quando lançou sem sucesso militar 330 mísseis e drones pela primeira vez na história contra Israel.
Naquela ocasião, contudo, havia uma vingança pontual em curso, devido ao ataque israelense à embaixada iraniana em Damasco, na Síria. Quando o morto era um convidado ilustre a Teerã, o então líder do Hamas Ismail Haniyeh, as promessas de dura retaliação ficaram no ar.
Nasrallah é um peixe ainda mais graúdo do que foi Haniyeh. O clérigo ascendeu ao poder em 1992, depois que Israel matou seu antecessor, Abbas al-Musawi, com o disparo de um míssil de um helicóptero.
De um movimento lateral no caldeirão de disputas sectárias da guerra civil libanesa (1975-1990), onde mal teve papel ativo, o Hezbollah passou ao status de mais importante força armada não estatal do mundo. Nasrallah e sua proximidade com o Irã, que então começava a expansão de sua estratégia de uso de prepostos contra EUA e Israel, foram instrumentais para isso.
Ele havia escapado a diversas tentativas de assassinato antes, mas o emprego de bombas antibunker por Israel, arriscando grande condenação pela morte de inocentes, mostra que o Estado judeu não queria perder a oportunidade que lhe foi apontada pelos serviços de inteligência.
Sem Nasrallah e com toda sua cadeia de comando machucada pela ação de Tel Aviv, é incerto como será o poder de recuperação do Hezbollah.
Os próximos dias serão vitais para descobrir para onde a crise vai: se haverá uma escalada pelo que sobrou do Hezbollah e pelo Irã, ou se por outros atores como os houthis do Iêmen.
Nos últimos dias, Netanyahu manobrou entre um anúncio de proposta de paz para a região envolvendo múltiplos atores e a reafirmação de sua intenção belicista no discurso proferido na ONU poucos minutos antes do ataque a Beirute.
Resta agora saber quem piscará primeiro, e se Israel irá manter o pé no acelerador, visando talvez a invasão terrestre que anda a ameaçar contra as posições do Hezbollah no sul do Líbano. Até isso tudo se definir, a tensão ficará em nível máximo.
IGOR GIELOW / Folhapress