Megaestiagens podem isolar comunidades da amazônia, mostra novo estudo

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – As secas devastadoras que têm se repetido na amazônia ao longo das últimas décadas correm o risco de isolar comunidades ribeirinhas e indígenas, cujo acesso ao transporte normalmente é muito mais fácil pelos rios da região do que por estradas.

A conclusão vem de um estudo assinado por pesquisadores brasileiros, que avaliou ainda o impacto sobre o nível das águas durante as secas amazônicas extremas. A má notícia é que a altura mínima dos rios, típica do auge da estiagem, pode durar um mês a mais do que o normal nessas circunstâncias.

Publicado na revista especializada Communications Earth & Environment, o trabalho foi coordenado por Letícia Santos de Lima, do Instituto de Tecnologia e Ciências Ambientais da Universidade Autônoma de Barcelona.

Para chegar a essas conclusões, ela e seus colegas combinaram dados sobre a distribuição das comunidades locais, dos rios e das estradas da região amazônica, registros do nível dos cursos d’água ao longo do tempo e notícias sobre o impacto da seca por lá entre os anos de 2000 e 2020.

Na lista de localidades incluídas no estudo estão 2.521 aldeias indígenas e 3.259 assentamentos rurais. Em ambos os casos, cerca de 80% desses assentamentos estão a menos de 1 km de distância de algum rio na época das cheias, enquanto a maioria, também nos dois casos, fica a mais de 5 km de distância de alguma estrada.

A diminuição do acesso aos cursos d’água, portanto, pode atrapalhar muito o acesso dessas comunidades a serviços essenciais como escolas, postos de saúde e comércio de alimentos.

A maioria das localidades sob risco de isolamento quando o nível da água baixa muito (80,8% do total) fica no estado do Amazonas, seguido pelo Acre (8,6%).

“No caso amazonense, há os seguintes fatores: é o maior estado da bacia amazônica em área, abriga a maior extensão de área de cobertura natural, tem o maior número de localidades. E, em termos de superfície d’água -rios, lagos, igarapés- é também o que possui a maior extensão em área”, disse a coordenadora do estudo à reportagem.

Tanto o levantamento feito sobre notícias publicadas sobre a região quanto a análise das medições históricas do nível dos rios indicam que as secas de 2005, 2010 e 2016 estão entre as mais severas já registradas em território amazônico (a seca de 2023, também muito grave, não chegou a ser incluída nos dados da equipe). Também foram anos em que o nível muito baixo dos rios foi registrado em quase todas as áreas da bacia dentro da amazônia brasileira.

Tudo indica que a crise climática global está contribuindo para essa severidade, além da ocorrência periódica de fenômenos como o El Niño. As dificuldades de acesso para a população local também são potencializadas pela falta de planejamento para enfrentar essas situações extremas e de medidas coordenadas de mitigação do problema, dizem os pesquisadores.

Mesmo levando esse cenário em conta, e as chances de que megassecas voltem a se repetir com a emergência climática, propor uma ampliação da rede de estradas como forma de enfrentar o problema pode virar um tiro pela culatra.

“É fundamental enfatizar que há evidências e estudos claríssimos mostrando o vínculo entre o desmatamento e alterações no regime de chuvas sobre a amazônia e também entre o desmatamento e a aceleração da erosão do solo e maior acúmulo de sedimentos sobre o leito dos rios”, afirma Letícia de Lima.

“Esses dois fatores, no contexto amazônico, pioram tremendamente a navegação fluvial. E qual é um dos principais desencadeadores de desmatamento descontrolado na amazônia? As estradas.”

Ela conta que um estudo de modelagem hidrológica liderado por ela em 2014, bem como outros que saíram em seguida, mostraram que o desmatamento pode aumentar o período seco em quase um mês nas bacias dos rios Juruá e Purus. “É por isso que a construção de estradas não pode ser a solução.”

Para a pesquisadora, embora não haja medidas simples diante da complexidade do problema, é essencial envolver as comunidades locais num planejamento de longo prazo para enfrentar emergências, levando em conta o amplo conhecimento que elas têm sobre seu ambiente.

REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress

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