SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Arqueólogos do Amapá atuam há duas décadas para desvendar os mistérios por trás de monumentos megalíticos encontrados no município de Calçoene, a cerca de 360 km da capital Macapá. A principal tese dos pesquisadores é que o espaço tenha sido usado como observatório astronômico por indígenas para acompanhar o percurso do Sol e prever os períodos de chuva na amazônia.
Datados por volta dos anos 1000 pelo Iepa (Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá), os círculos formados por pedras de granitos, algumas com peso de duas toneladas, também seriam usados para enterros e rituais sagrados. O monumento ancestral inédito foi encontrado no topo de uma colina por moradores locais em 2000 e se tornou patrimônio histórico do Brasil.
O sítio arqueológico foi selecionado, neste ano, para receber recursos que serão usados na criação de um parque de preservação e de visitação pública, por meio do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), ofertado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Atualmente em fase de produção de projeto, a obra ainda não tem data prevista de entrega.
Apesar das semelhanças com o famoso e milenar Stonehenge, do Reino Unido, pesquisadores do Amapá evitam tal comparação.
Lúcio Costa Leite, gerente do Núcleo de Pesquisa Arqueológica do Iepa, fala que é preciso descolonizar a ciência brasileira. Para ele, relacionar os dois monumentos subtrai o destaque e o brilho do, agora, “Parque do Solstício”.
“Esse monumento é um local único no Brasil e na amazônia. Eu acho que a nossa ideia, como pesquisadores, é singularizar, para que isso tenha a ver com a identidade pertencente das populações indígenas que viveram e ainda vivem no Amapá.”
O pesquisador destaca que ainda há informações que precisam ser desvendadas, a exemplo de qual mecanismo viabilizou o deslocamento das grandes pedras até o topo da colina. Os círculos de granitos foram colados em lugares estratégicos, afirma Leite, e um deles chamou mais a atenção dos arqueólogos pelo maior tamanho e pela localização, que possibiliza melhor observação o Sol.
O Amapá é cortado pela linha do Equador, que divide o planeta em hemisférios Norte e Sul. Segundo Leite, o observatório indígena analisava os fenômenos do equinócio (momento em que nenhum dos polos está inclinado em relação ao Sol) e do solstício (quando o Sol alcança sua maior altura no céu. Nesse período, o dia é mais longo e a noite, mais curta), ambos definem as estações do ano.
“O equinócio é o momento da transição entre o inverno e o verão, ideal para o plantio de determinadas culturas agrícolas. E o solstício já é um período de baixa, quando a gente está saindo do período seco para o período chuvoso”, explicou.
Leite afirma também que não é possível definir se a comunidade vivia distante ou mais perto do monumento, pois as aldeias de palhas se deterioraram com tempo e não deixaram vestígios.
Outra questão é confirmar quais povos viveram no local durante esse período. Urnas funerárias com iconografias são relacionados com os grafismos ainda utilizados pela etnia palikur, que hoje vive em aldeias no extremo norte do Amapá, na região de fronteira com a Guiana Francesa.
“O que sinaliza para nós, profissionais da arqueologia, que o local era como um centro cerimonial para enterramentos de pessoas especiais, e esse espaço sagrado também demonstra a relação entre os fenômenos do céu e a dinâmica de vida das populações indígenas do passado”, disse Leite.
Enquanto a arqueologia atua de um lado, em outro viés, Jadson Porto, geógrafo e professor na Unifap (Universidade Federal do Amapá), realiza pesquisas sobre os fenômenos astronômicos. Ele afirma que viaja há três anos até o sítio para registrar o ciclo do Sol e os posicionamentos do astro em relação à Terra durante o solstício (junho e dezembro) e o equinócio (setembro).
“Registrei fotos onde o Sol nasce no equinócio e onde ele nasce no solstício. Nesse espaço de visibilidade é quando acontece o período seco. E quando tem um período chuvoso é o que vai para o outro lado. Então é interessante esse momento de observação em que os nativos da época provavelmente faziam o seu plantio, a sua agricultura”, relatou Porto.
Para Leandro Grass, presidente do Iphan, o sítio tem um alto potencial de turismo científico nacional e internacional, o que pode colaborar fortemente no desenvolvimento econômico de Calçoene, que tem 10,6 mil habitantes, segundo o Censo de 2022, e no fomento da educação patrimonial e cultural da amazônia.
“O Parque do Solstício, em Calçoene, é um dos sítios arqueológicos indígenas mais importantes do Brasil. O local revela não só sobre a presença das comunidades naquela região, como também sobre os conhecimentos que desenvolveram a respeito da astronomia, principalmente”, afirmou Grass.
Desde sua descoberta, o local já foi visitado por grupos escolares da Guiana Francesa e por entusiastas australianos, americanos, franceses, alemães, guianenses, britânicos e escoceses.
O presidente do Iphan diz acreditar que”O retorno que o parque vai trazer para a comunidade local é muito grande. Isso potencializa Calçoene como uma das principais cidades do Brasil em termos de turismo de patrimônio e de desenvolvimento econômico”, afirmou ele.
“Junto com o investimento no sítio, há a tendência que venham outros tipos de investimentos para a própria comunidade local, como para desenvolvimento de pousadas, do comércio, do setor de bares e restaurantes”, disse Grass.
JORGE ABREU / Folhapress