SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Rossieli Soares, secretário de Educação no Pará, afirma que a melhora histórica do estado no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) do ensino médio tem a ver com “uma gama de políticas” implementadas nas escolas.
Ex-ministro da Educação, na gestão Michel Temer, e ex-secretário da Educação de São Paulo, Rossieli afirma que para parte dos estudantes com a idade bem mais avançada foi oferecida a migração para a EJA (Educação de Jovens Adultos). “Tínhamos muitos alunos com 30, 40 anos, 25 anos, dentro da sala de aula, estudando com turmas de 12, 13, 14 anos”, diz. “Então a gente chamou, sim, essas pessoas e perguntou: ‘Vocês querem ter a oportunidade de ter algo mais desenhado para vocês?'”.
Com a mudança, os alunos, que normalmente são aqueles com maior déficit de aprendizagem, saíram do ensino médio e, assim, não fizeram as provas consideradas para o cálculo do Ideb.
Além disso, afirma Rossieli, o estado adotou a progressão continuada, em que os anos da educação básica são divididos em ciclos e reprovação ocorre ao final deles, não mais a cada série.
“Alunos reprovados, inclusive por falta, tiveram a oportunidade de migrar para o programa de correção de fluxo. É importante o aluno não desistir porque acha que não vai conseguir ser aprovado, não queremos perder ninguém”, explica.
O secretário reclama de que a reportagem “está pegando o Pará para Cristo”, mas afirma avaliar que o Ideb “mostra muito pouco e, sim, deveria ser revisto no Brasil”.
Leia a seguir a entrevista concedida por videoconferência pelo secretário.
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PERGUNTA – O Pará instituiu no ano passado a progressão continuada dos alunos (eles não podem ser reprovados em todas as séries, só ao final de ciclos). Essa política acabou interferindo no resultado do Ideb no estado, que teve um salto histórico. O que o sr. acha disso? Também gostaria de saber como os alunos do 1º e 2º ano do médio tiveram 100% de presença. Não há reprovação nem por frequência?
ROSSIELI SOARES – Não. Você pode olhar a prática de quem organiza o ensino por ciclos em vários lugares do Brasil há décadas. Não significa que não haja reprovação, mas ela é organizada em um tempo diferente. Em vez de reprovar o aluno, eventualmente, por falta, em uma série, você aumenta o ciclo para dois, três anos. Na política de ciclo, em um determinado tempo, se mede tanto a taxa de presença quanto a nota.
Sobre o Ideb, sim, óbvio que a taxa de aprovação influencia. O Ideb é composto por taxa de aprovação e de proficiência [em português e matemática, medida pela prova Saeb]. Nós fomos o estado que mais cresceu em proficiência no Brasil e também organizamos a rede em relação à aprovação e ao fluxo dos alunos. E isso foi feito a partir de uma visão pedagógica.
Tivemos uma gama de políticas no ensino médio, um grande programa de busca ativa. O Pará era o estado que mais deixava alunos para trás, o que mais tinha reprovação, retenção e, portanto, perda de alunos. A maior parte da evasão vinha da taxa alta de reprovação. Você retém os alunos, e a maioria nem chega ao ensino médio.
Abrimos turmas de correção de fluxo, para alunos que têm uma distorção idade/série. Alunos reprovados, inclusive por falta, tiveram a oportunidade de migrar para o programa de correção de fluxo. É importante o aluno não desistir porque acha que não vai conseguir ser aprovado, não queremos perder ninguém.
Passamos a fazer recuperação paralela a cada bimestre, inclusive para as faltas. Os alunos puderam fazer trabalhos pedagógicos para compensar as faltas. Também fizemos avaliação diagnóstica bimestralmente. No ensino médio, para aqueles que seriam reprovados, por qualquer motivo, nota ou falta, abrimos turmas no mês de janeiro para fazer mais uma recuperação. Contratamos mais de 2.000 professores, além de pagar horas extras para mais de mil trabalharem em janeiro. Tivemos dezenas de milhares de alunos com aulas até uma semana antes do início do outro ano letivo.
Também tivemos aprovação com dependência. O aluno é aprovado, mas fica com dependência de uma ou mais disciplinas. Ele pode se recuperar da dependência em janeiro ou ao longo da série seguinte.
P – Se a rede paraense tivesse tido o mesmo resultado nas provas do Saeb, mas a taxa de reprovação tivesse se mantido no patamar anterior, o Pará teria crescido 0,4 ponto no Ideb, e não 1,3 como cresceu. Sem discutir a política da progressão continuada, queria que o sr. comentasse o Ideb, o que ele de fato reflete.
RS – Se considerarmos só a taxa de crescimento, foi 0,34. Esse cálculo que vocês fizeram é um pseudocálculo, vocês estão usando a taxa absurda de reprovação anterior. Essa comparação não é justa, porque vocês ignoram as nossas políticas e desmerecem o nosso crescimento de aprendizagem.
A reprovação não é uma política, e é isso que vocês estão defendendo. Nenhum país desenvolvido do mundo tem política de reprovação dos alunos. A lógica da reprovação é de um sistema que era seletivo para poucos. Eu defendo que a escola deve dar todas as oportunidades de recuperação.
Tínhamos taxas de reprovação por nota de 30% a 40% em alguns municípios. Esses alunos nunca terão chance de chegar ao ensino médio se seguirem sendo reprovados. Na verdade, em qualquer lugar do país, a taxa de aprendizado ainda não é adequada em todas as séries, para quase todos os alunos. Você vai reprovar quase todos os estudantes? Temos que permanecer com esses alunos na escola, porque é a única chance de ele conseguir recuperar a aprendizagem.
P – Como o sr., que já foi ministro inclusive, vê o Ideb?
RS – Eu acho que o Ideb deve ser revisto. Essa é outra discussão. Só não acho que deva se usar o Pará para Cristo agora, como vocês estão querendo fazer. O Ceará já teve um grande avanço nas taxas do Ideb, e eu era ministro e defendi o que foi feito lá. Pernambuco e outros estados também avançaram.
Agora, o Ideb e o Saeb devem ser totalmente revistos no Brasil, por vários aspectos. Mas não pode ser um indicador que torne perversa a aprovação dos alunos. A gente não pode induzir que a reprovação seja uma solução. A gente não vai melhorar a educação reprovando, vamos afastar as pessoas, que vão depender ainda mais do estado, porque não terão chances mínimas na vida.
Mas, sim, o Ideb de hoje, para mim, mostra muito pouco. Eu, particularmente, defendo que o Brasil faça uma revisão, inclua indicadores de evasão, de alunos que estão fora da escola. Outra coisa: só a proficiência em matemática e português não serve para medir o que a gente precisa das competências e habilidades.
Então sou crítico dos dois pilares do Ideb. Crítico vírgula, porque o Ideb é um norte. E, para a época que foi criado, foi muito importante para o Brasil, mas acho que já se esgotou, está limitado nas competências que avalia e na forma de fazer a avaliação.
P – Por que o número de matrículas no ensino médio do Pará caiu tanto?
RS – Tivemos uma grande organização dos dados. No Brasil, não só o Pará, mas muitas regiões sofrem com o seguinte problema: escolas inflam o número de alunos para aumentar benefícios, como o dinheiro que recebem, o número de profissionais etc. E em outros lugares o número de matrículas caiu em razão da organização de dados, que é tirar alunos em duplicidade, matriculado em mais de uma escola.
P – E por que houve aumento das matrículas na EJA [Educação de Jovens e Adultos] do Pará, enquanto, na média, o país registra uma redução dos alunos nesse programa?
RS – A Educação de Jovens e Adultos é fundamental, inclusive pela minha vida particular. Eu estou aqui conversando com você porque meu pai fez EJA. Ele não teve oportunidade de estudar na escola, e entendo a importância de ir atrás de todas aquelas dezenas de milhares e milhares de pessoas que, ao longo da história aqui no Pará, não conseguiram frequentar a escola. E tínhamos também muitos alunos com 30, 40 anos, 25 anos, dentro da sala de aula, estudando com turmas de 12, 13, 14 anos.
Então a gente chamou, sim, essas pessoas e perguntou: “Vocês querem ter a oportunidade de ter algo mais desenhado para vocês?” A linguagem, o material da EJA, tudo é mais apropriado para os adultos. E estamos trabalhando para que toda a EJA do Pará seja com ensino técnico, esse é meu sonho para o próximo ano.
P – Então a queda das matrículas no ensino médio no estado tem a ver com a organização de dados e também com a migração para a EJA, correto?
RS – Sim, tem a ver com a organização de dados, que acabou com matrículas inexistentes, e correção fluxo. Sim, houve alunos que foram para a EJA, de forma geral alunos com idade avançada e que desejavam ter um processo de aceleração.
LAURA MATTOS / Folhapress