BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Crimes contra a concorrência no mercado livre de energia serão um desafio para o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) a partir da abertura do setor para empresas de pequeno e médio porte.
A autoridade antitruste não tem precedentes para balizar a sua atuação no mercado.
A falta de uma jurisprudência consolidada dificulta a investigação de casos como o revelado pela Folha no qual comercializadoras de energia ligadas a concessionárias de distribuição abusariam de sua posição dominante nos estados onde têm concessão.
Um estudo da empresa do setor GreenAnt sugere que as distribuidoras de energia se beneficiam do seu conhecimento dos mercados onde têm concessões para prejudicar a concorrência.
Porém o Cade não age de forma proativa. Ele precisa receber denúncias para determinar como o mercado deve ser analisado. Não há, até o momento, casos públicos sendo investigados na venda de energia.
Para a autoridade antitruste abrir uma investigação a partir de uma denúncia, três elementos são necessários, aponta o consultor legislativo do Senado Rutelly Marques.
O primeiro é demonstrar que as companhias suspeitas têm a capacidade de praticar a conduta. Segundo, que têm incentivos para isso. O terceiro é demonstrar que a atuação das empresas prejudica a concorrência.
“Quem reclama tem que provar que a distribuidora vai oferecer produto que é mais caro do que o que seria oferecido se não estivesse fazendo isso. O problema não é prejudicar concorrentes, é prejudicar a concorrência”, resumiu.
Cleveland Prates, ex-conselheiro do Cade e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas), disse que, nesses casos, a autoridade antitruste analisa se há o risco de fechamento do mercado.
“Caso seja comprovado um problema, o Cade pode fazer acordo com a empresa para não discriminar concorrentes, limitar contratos de exclusividade e prazos, além de forçar o compartilhamento de dados, minimizando a assimetria de informação “, afirmou.
A lei que criou o mercado livre de energia previu problemas do tipo e exige que a comercializadora de energia tenha um CNPJ diferente do da distribuidora. A ideia é separar a estrutura das duas companhias.
Já a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) proíbe que as duas empresas compartilhem informações dos clientes mesmo fazendo parte do mesmo grupo econômico.
Newsletter Energia limpa Uma newsletter com o que você precisa saber sobre transição energética *** O risco de abuso de poder no mercado livre de energia já foi identificado e tratado em outros países onde ele avançou. Em Portugal, a empresa que tem distribuição de energia só pode entrar na comercialização se criar outra marca.
No Texas, no Estados Unidos, foram impostas tantas condicionantes para quem atua na distribuição entrar na comercialização, com monitoramento e penalidades tão rigorosos, que as empresas com distribuição simplesmente optaram por não participar do outro negócio.
“O acesso aos dados dos clientes é uma vantagem, isso é inegável. A distribuidora que conhece a carga do cliente pode oferecer um produto com vantagem em relação à comercializadora que não tem essa informação”, afirma Prates.
O ex-conselheiro adverte que o fato de a comercializadora atuar com mais força no estado onde distribui energia não necessariamente se reverte em um problema concorrencial. “Há uma lógica para as distribuidoras atuarem nos mercados onde já estão. É onde conhecem e onde há vantagem competitiva.”
Até o fim de 2023, só empresas que usam alta e média tensão podiam contratar energia diretamente. Elas têm conta de luz acima de R$ 140 mil e consumo superior a 500 kilowatts.
Desde o início deste ano, companhias com conta de luz a partir de R$ 9.000 e demanda inferior a 500 kilowatts passaram a contratar diretamente a energia.
Com isso, o mercado livre de energia se expandiu. Sete em dez novos entrantes são empresas de pequeno e médio porte. Nesse segmento, os preços são negociados livremente entre compradores e vendedores.
LUCAS MARCHESINI / Folhapress