SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com 12 anos de atraso, sai em português um dos livros mais influentes do chamado renascimento das drogas alteradoras de consciência, “Guia do Explorador Psicodélico Viagens Seguras, Terapêuticas e Sagradas”, do psicólogo James Fadiman. Para quem nunca ouviu falar, é o papa da microdosagem.
Microdosagem? Sim, provavelmente hoje o uso mais disseminado de LSD e psilocibina, psicoativo dos cogumelos ditos “mágicos”. Ambos os compostos são ilegais no Brasil e em muitos outros países, diga-se, mas proibição nunca foi impedimento para as pessoas viajarem.
Ao tomar uma microdose, ou dose subperceptiva, a pessoa não embarca numa viagem psicodélica. Ingerindo um décimo ou um vigésimo de uma dose cheia, nada de distorções visuais ou espaço-temporais, mas supostamente melhoram a cognição e a disposição física.
Não por acaso essa modalidade de consumo se tornou popular entre profissionais de tecnologia e mercado financeiro, isso apesar da escassa comprovação científica dos alegados benefícios. O livro de Fadiman tem muito a ver com o fenômeno, pois surgiu no momento em que o vento começava a virar.
O “Guia” contém vários capítulos e passagens que fazem jus ao título, com orientações sobre como se preparar para uma experiência, conduzi-la como psiconauta ou guia de viagem (“trip-sitter”, como se diz) e depois fazer sentido dela. Até um checklist de sete páginas há na obra.
Apesar disso, Fadiman alerta que nada contido no livro “pretende encorajar ou apoiar comportamentos ilícitos”. Certo. O propósito é “encorajar meios seguros e sagrados para usar essas substâncias se, de alguma maneira, elas forem usadas”, dado que psicodélicos continuam amplamente disponíveis.
O “Guia” é mais que um manual, entretanto. Suas recomendações, em verdade, compõem o senso comum na área: ter clareza sobre o propósito, escolher um lugar seguro e aconchegante, de preferência na natureza, fazer-se acompanhar de amigos ou guias de confiança, ouvir música tranquila e inspiradora…
Tudo isso já era praticado por hippies e psicoterapeutas nos anos 1960, antes da guerra às drogas declarada pelos EUA, que estancou toda a pesquisa. O volume é também um documento sobre essa pré-história, hoje esquecida, em que o LSD figurava como medicamento mais estudado em psiquiatria, sob o rótulo Delysid.
Outra riqueza do livro são os depoimentos sobre experiências psicodélicas de pessoas famosas e anônimas. Viagens e vantagens contadas por celebridades como Aldous Huxley, Albert Hofmann, Timothy Leary e Peter Coyote, mas também por arquitetos e engenheiros que participaram dos experimentos sobre criatividade e solução de problemas realizados por Fadiman, na Califórnia, até receber uma carta do governo, em 1966, mandando parar tudo.
O livro traz para o leitor de hoje uma penca de dados sobre os resultados colhidos há seis décadas nessas pesquisas, ora em plena reedição. Outro serviço do “Guia” é desfazer mitos sobre drogas psicodélicas, como a suposta adulteração de LSD com estricnina, alterações cromossômicas, destruição de neurônios ou distribuição de decalques infantis com ácido.
O problema maior, em parte decorrente do atraso com que a obra chega ao leitor brasileiro, é sua desatualização. O grosso das pesquisas que estão a reabilitar psicodélicos para a prática clínica ocorreu depois de 2011 e não aparece no “Guia”. Alguns links recomendados para mais informação na rede pararam de funcionar.
Infelizmente, Fadiman informa que não pretende revisar o “Guia”, por considerar que suas recomendações e o aspecto histórico seguem válidos e úteis. Além disso, ele está hoje dedicado integralmente a um novo livro sobre microdosagem.
GUIA DO EXPLORADOR PSICODÉLICO – VIAGENS SEGURAS, TERAPÊUTICAS E SAGRADAS
Preço R$ 79 (330 págs.)
Autoria James Fadiman
Editora Degustar
Tradução J.M. Bertolote
MARCELO LEITE / Folhapress