SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Meta anunciou nesta terça-feira (7) um conjunto de mudanças em suas práticas de moderação de conteúdo que devem pôr fim ao seu programa de checagem de fatos estabelecido em 2016 para conter a disseminação de desinformação em seus aplicativos.
Em vídeo publicado em sua conta no Instagram, o CEO da empresa, Mark Zuckerberg, também atacou “decisões secretas” de tribunais latino-americanos. Sem citar o STF explicitamente, Zuckeberg diz que governo americano precisa ajudar a combater o que está sendo feito pelo Judiciário na região.
“Países da América Latina têm tribunais secretos que podem ordenar que empresas removam conteúdos de forma silenciosa”, disse ele (leia a íntegra abaixo).
“Os fact checkers [moderadores] foram muito enviesados e destruíram mais confiança do que criaram, especialmente nos EUA. Vamos nos livrar deles”, disse, definindo a eleição de Donald Trump como um ponto de virada para a liberdade de expressão.
A reversão da política de moderação é um sinal de como a empresa está se reposicionando para o novo governo Donald Trump, que toma posse em 20 de janeiro. Zuckerberg tem se aproximado do presidente eleito e indicou apoiadores como Joel Kaplan e Dana White para posições relevantes na empresa.
Em vez de usar organizações de notícias e outros grupos de terceiros, a dona do Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp agora dependerá dos usuários para incluir correções ou observações a postagens que possam conter informações falsas ou enganosas.
Mark Zuckerberg, CEO da Meta, disse no vídeo que o novo protocolo é semelhante às Notas da Comunidade adotadas no X (ex-Twitter) após a aquisição da plataforma por Elon Musk.
“É hora de voltar às nossas raízes em torno da livre expressão”, disse Zuckerberg, que afirmou que o sistema atual de moderação da empresa “chegou a um ponto em que há muitos erros e muita censura.”
Zuckerberg também disse que “as eleições recentes também parecem um ponto de inflexão cultural para novamente priorizar esse discurso.”
A mudança da Meta agradou Trump e seus aliados à direita, muitos dos quais não concordam com a prática de moderação por considerá-la censura a usuários conservadores, mas foi criticada por entidades jornalísticas, ativistas, especialistas e organizações de direitos digitais.
Nesta terça, questionado por jornalistas em Mar-a-Lago, na Flórida, Trump disse que a Meta “evoluiu bastante” com a decisão. Afirmou ainda que assistiu à entrevista de um executivo da empresa e a considerou impressionante.
Joel Kaplan, republicano que a Meta anunciou na semana passada que assumiria o cargo de presidente de assuntos globais no lugar de Nick Clegg, disse à Fox News nesta terça que os moderadores independentes são “muito tendenciosos”.
“Temos uma verdadeira oportunidade agora com um novo governo e um novo presidente chegando que são grandes defensores da liberdade de expressão”, disse.
O Oversight Board, organização independente financiada pela Meta para julgar casos de moderação de conteúdo, também defendeu o anúncio, afirmando que os métodos de checagem da empresa têm sido vistos como tendenciosos.
“O conselho espera ajudar a construir o novo impulso da Meta em direção à liberdade de expressão em 2025 com nossas decisões, pareceres e estudos”, afirmou, em nota.
Em comunicado, a Accountable Tech, que defende a responsabilização das big techs pela desinformação, disse que a decisão é “um presente para Donald Trump e extremistas ao redor do mundo”. Já a Free Press disse que Zuckerberg está “dizendo sim a mais mentiras, a mais assédio, a mais ódio”.
No Brasil, o Secretário de Políticas Digitais da Secom (Secretaria de Comunicação) do governo, João Brant, criticou a decisão em publicação no X.
Brant disse que a decisão vai deixar de proteger direitos individuais e coletivos, além de sinalizar que a empresa não respeita a soberania dos países sobre seus ambientes digitais. Para ele, as mudanças mostram um claro alinhamento à política do presidente eleito nos Estados Unidos, Donald Trump, e um “convite ao ativismo da extrema-direita”.
“O anúncio feito hoje por Mark Zuckerberg antecipa o início do governo Trump e explicita aliança da Meta com o governo dos EUA para enfrentar União Europeia, Brasil e outros países que buscam proteger direitos no ambiente online (na visão dele, os que promovem censura)”, disse no post.
Para o professor da Faculdade de Direito da USP e especialista em direito digital Juliano Maranhão, a mudança deve reduzir investimento e apoio para detecção e reações a conteúdo tido por desinformativo ou que possa ser considerado ofensivo a honra de pessoas ou mesmo autoridades.
“O mais importante nesse aspecto seria ter transparência em relação aos resultados da atividade de moderação como justificativa para redirecionar esforços, e não sugerir que outros governos fazem exigências ambíguas e ideológicas, que seriam voltadas para censura e para atender apenas a interesses políticos ou geopolíticos”, disse.
A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) disse em nota que vê com preocupação o anúncio.
“O trabalho de agências e checadores é feito de forma criteriosa e segue regras de transparência e equilíbrio quando feito de acordo com princípios estabelecidos pela organização International Fact-Checking Network.”
A associação também afirma que a ação voluntária de usuários não é capaz de substituir a checagem profissional, especialmente no que considera “um cenário em que a poluição do ambiente informativo provoca danos evidentes à democracia”.
Desde que Trump foi eleito em novembro, a Meta se moveu rapidamente para tentar melhorar a relação com o político e seus aliados conservadores.
No final de novembro, Zuckerberg jantou com Trump em seu clube Mar-a-Lago, onde também se encontrou com sua escolha para secretário de Estado, Marco Rubio.
A Meta doou US$ 1 milhão (cerca de R$ 6 milhões) em dezembro para a posse de Trump.
A mudança na moderação põe fim a uma prática que a empresa iniciou havia oito anos, nas semanas que se seguiram à eleição de Trump em 2016. Na época, o Facebook estava sob pressão por causa da disseminação desenfreada de desinformação em sua rede, incluindo postagens de governos estrangeiros tentando semear discórdia entre o público dos EUA.
Como resultado de uma enorme pressão pública, Zuckerberg recorreu a organizações externas como agências de notícias e sites de verificação de fatos, além de organizações globais avaliadas pela International Fact-Checking Network, para examinar postagens potencialmente falsas ou enganosas no Facebook e Instagram e decidir se precisavam de uma observação ou ser removidas.
Zuckerberg também disse que removerá restrições sobre tópicos como imigração e gênero que estão “fora de sintonia com o discurso dominante” e que usuários voltarão a ver com mais frequência conteúdo sobre política.
O CEO também disse que as equipes de confiança e segurança e moderação de conteúdo serão transferidas da Califórnia para o Texas. Isso “ajudaria a remover a preocupação de que funcionários tendenciosos estejam censurando excessivamente o conteúdo”, disse Zuckerberg.
VEJA A ÍNTEGRA DA FALA DE ZUCKERBERG
“Oi, pessoal.
Eu quero falar sobre algo importante hoje, porque é hora de voltarmos às nossas raízes sobre livre expressão no Facebook e no Instagram.
Comecei a construir mídias sociais para dar voz às pessoas. Dei uma palestra em Georgetown há cinco anos atrás sobre a importância de proteger a expressão livre, e ainda acredito nisso hoje. Mas muita coisa aconteceu nos últimos anos. Há uma discussão ampla sobre os potenciais danos do conteúdo online. Governos e mídia pressionam para censurar mais e mais. Muito disso é claramente político. Mas também há muita coisa legitimamente ruim lá fora. Drogas, terrorismo, exploração de crianças. Essas são coisas que levamos muito a sério e eu quero ter certeza de que nós lidamos responsavelmente com elas.
Então construímos um monte de sistemas complexos para moderar o conteúdo. Mas o problema com sistemas complexos é que eles erram.
Mesmo se eles acidentalmente censurarem apenas 1% dos posts, isso é milhões de pessoas. E chegamos a um ponto em que são apenas muitos erros e muita censura.
As eleições recentes também são um ponto de virada cultural para que voltemos a priorizar a livre expressão. Então vamos voltar às nossas raízes e focar reduzir erros, simplificar nossas políticas e restaurar a expressão livre em nossas plataformas.
Mais especificamente, isto é o que vamos fazer:
Primeiro, vamos eliminar os fact-checkers e os trocar por notas de comunidade, semelhantes a X.
Começando nos EUA, depois de Trump ser eleito em 2016, a mídia escreveu sem parar sobre como a desinformação era uma ameaça à democracia.
Nós tentamos, de boa fé, lidar com essas preocupações sem nos tornarmos os árbitros da verdade. Mas os verificadores de fatos têm sido politicamente tendenciosos demais e destruíram mais confiança do que criaram, especialmente nos EUA. Então, nos próximos meses, vamos implementar gradualmente um sistema mais abrangente de notas da comunidade.
Em segundo lugar, vamos simplificar nossas políticas de conteúdo e eliminar várias restrições sobre temas como imigração e gênero que estão fora de sintonia com o discurso predominante. O que começou como um movimento para ser mais inclusivo tem sido cada vez mais usado para silenciar opiniões e excluir pessoas com ideias diferentes, e isso foi longe demais. Quero garantir que as pessoas possam compartilhar suas crenças e experiências em nossas plataformas.
Em terceiro lugar, estamos mudando a forma como aplicamos nossas políticas para reduzir os erros que representam a maior parte da censura em nossas plataformas. Antes, tínhamos filtros que escaneavam qualquer violação de política. Agora, vamos focar esses filtros em lidar com violações ilegais e de alta gravidade. Para violações de baixa gravidade, vamos depender de alguém relatando o problema antes de tomarmos uma ação. O problema é que os filtros comete m erros e removem muito conteúdo que não deveriam. Ao reduzir sua abrangência, vamos diminuir dramaticamente a quantidade de censura em nossas plataformas. Também ajustaremos nossos filtros para exigir maior confiança antes de remover qualquer conteúdo.
A realidade é que isso é uma troca. Significa que vamos detectar menos conteúdos problemáticos, mas também reduziremos o número de postagens e contas de pessoas inocentes que removemos acidentalmente.
Em quarto lugar, vamos trazer de volta o conteúdo cívico por um tempo. A comunidade pediu para ver menos política porque isso estava causando estresse. Então, paramos de recomendar essas postagens. Mas parece que estamos em uma nova era agora, e estamos começando a receber feedback de que as pessoas querem ver esse conteúdo novamente. Então, vamos começar a reintroduzi-lo no Facebook, Instagram e Threads, enquanto trabalhamos para manter as comunidades amigáveis e positivas.
Em quinto lugar, vamos mudar nossas equipes de confiança e segurança e moderação de conteúdo para fora da Califórnia, e a revisão de conteúdo nos EUA será baseada no Texas. Enquanto trabalhamos para promover a liberdade de expressão, acredito que isso ajudará a construir confiança ao realizar esse trabalho em locais onde há menos preocupação com o viés de nossas equipes.
Por fim, vamos trabalhar com o presidente Trump para resistir a governos ao redor do mundo que estão perseguindo empresas americanas e pressionando por mais censura. Os EUA têm as proteções constitucionais mais fortes do mundo para a liberdade de expressão.
A Europa tem um número cada vez maior de leis institucionalizando a censura e dificultando a inovação.
Países da América Latina têm tribunais secretos que podem ordenar que empresas removam conteúdos de forma silenciosa.
A China censurou nossos aplicativos, impedindo que eles funcionem no país.
A única maneira de resistir a essa tendência global é com o apoio do governo dos EUA. E é por isso que tem sido tão difícil nos últimos quatro anos, quando até o governo dos EUA pressionou por censura.
Ao atacar empresas americanas e de outros países, isso encorajou outros governos a irem ainda mais longe. Mas agora temos a oportunidade de restaurar a liberdade de expressão, e estou animado para fazer isso. Vai levar tempo para acertar. Estes são sistemas complexos e nunca serão perfeitos.
Também há muitas coisas ilegais, que ainda precisamos trabalhar muito para remover. Mas o ponto principal é que, depois de anos de trabalho de moderação de conteúdo focado principalmente em remoção, é hora de focar em reduzir erros, simplificar nossos sistemas e voltar às nossas raízes de dar voz às pessoas. Estou ansioso por este próximo capítulo. Fiquem bem, e mais novidades virão em breve.”
FERNANDO NARAZAKI, GUSTAVO SOARES E PEDRO S.TEIXEIRA / Folhapress