Meteorologia pública no Brasil enfrenta carência de profissionais para crise climática

SÃO PAULO, SP, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Em meio a ondas drásticas de calor, tempestades, seca extrema e ciclones extratropicais espalhados ao mesmo tempo pelo país, o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) conta com apenas 27 meteorologistas para prever e alertar estados e municípios sobre os reflexos das mudanças climáticas em curso. O dado é do Painel Estatístico de Pessoal do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.

A defasagem de profissionais no Brasil é explicada, em parte, pela falta de concursos públicos nessa área. A última seleção para o Inmet aconteceu em 2006. A próxima deve ocorrer em março do ano que vem, segundo a pasta, com 80 vagas divididas entre tecnologista e analista em ciência e tecnologia.

O número meteorologistas no país fica muito abaixo do ideal, segundo especialistas. Para acompanhar temperaturas em um território de proporções continentais, como é o Brasil, a quantidade de servidores deveria ser similar à dos Estados Unidos, de aproximadamente 2.000, como é no Serviço Meteorológico Nacional americano, o NWS, a maior organização dessa área do mundo.

Na instituição americana os cargos e tarefas são específicos, enquanto o meteorologista brasileiro acumula funções como previsão do tempo, manutenção de equipamentos e até atendimento à imprensa.

O Brasil tinha dez distritos meteorológicos. No ano passado, quatro deles foram “rebaixados” a polos (Manaus, Mato Grosso, Bahia e Goiás), onde não se faz previsão do tempo e os funcionários não precisam obrigatoriamente ser meteorologistas. O NWS possui 122 estações similares aos distritos.

Para agravar a situação, desde 2019 cerca de 200 meteorologistas se aposentaram, segundo a categoria. O quadro foi parcialmente reposto por funcionários terceirizados, muitos demitidos nos últimos anos.

Há 17 anos, Franco Nadal Villela trocou a iniciativa privada, na qual trabalhava com instrumentos meteorológicos e recebia um salário mais alto, para se tornar servidor público do Inmet.

Para ele, a falta de seleção de funcionários no setor levou a uma defasagem de profissionais. Os servidores ficam sobrecarregados e enfrentam alta demanda por informações meteorológicas, especialmente durante eventos extremos.

O meteorologista afirma que esses fatores tornam a estrutura insuficiente. Ele expressou a necessidade de mais recursos humanos para melhorar a capacidade do Inmet de fornecer serviços de com mais qualidade.

“Não há equipes trabalhando 24 horas por dia. Pode acontecer de os modelos meteorológicos atuais não preverem uma tempestade inesperada. Isso pode trazer consequências de risco como prejuízos e fatalidades.”

Prever o tempo com antecedência ajuda a pensar políticas públicas para lidar com as mudanças no clima, cujo impacto vai de saúde à produção de energia.

A meteorologia é estratégica em diversos setores, como segurança alimentar, aviação e defesa civil. É um serviço de utilidade pública e, por lei federal, apenas meteorologistas podem fazer a previsão do tempo.

Mesmo assim o salário previsto para categoria não é seguido, em especial pelo poder público, de acordo com o meteorologista e professor da Universidade Federal da Paraíba Romulo da Silveira Paz, que presidiu a Sociedade Brasileira de Meteorologia e hoje faz parte do conselho deliberativo.

“Os meteorologistas do Inmet integram uma tabela geral que representa a menor remuneração da União. Servidores de outros órgãos têm plano de cargos e salários próprios, então recebem salário melhor. O profissional do Inmet ganha bem menos que o do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais].”

Embora trabalhe com meteorologia, o Inpe não é dedicado a previsão do tempo como o Inmet. A estutura inclui ainda o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), responsável pelo monitoramento de risco de desastres e que tem uma equipe multidisciplinar.

O Inmet, embora vinculado ao Ministério da Agricultura e Pecuária, perdeu autonomia ao ser transferido para uma secretaria, segundo Paz. Mas ele disse que esses profissionais estão há longos períodos sem reajustes significativos.

A pasta afirmou que a média salarial dos meteorologistas é de R$ 7.218. Dos auxiliares em meteorologia, é de R$ 4.387.

Em nota, o Ministério da Gestão disse que foram criadas mesas de negociação para fazer acordos entre servidores e governo federal, incluindo uma específica para carreiras de ciência. Temas como reajuste salarial e reestruturação de carreira são discutidos nessas reuniões.

Segundo o Inmet, há meteorologistas atuando em quase todos os estados. Sul e Sudeste concentram a maior parte dos profissionais, sobretudo São Paulo e Rio de Janeiro.

Também existem centros meteorológicos privados no país e estações públicas regionais, que atuam em cidades e estados. É o caso do CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas) no município de São Paulo e da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos.

Parte dos governos estaduais e municipais, sobretudo em locais mais vulneráveis ao clima, contratam meteorologistas terceirizados para lidar com a carência de profissionais.

Segundo Rachel Albrecht, professora de meteorologia na USP, é o que ocorre em secretarias de Defesa Civil. “Essas secretarias acabaram se aparelhando pela falta de um serviço oferecido nacionalmente.”

Mesmo com tantas adversidades, Villela ressaltou a importância de manter a meteorologia como um serviço público devido à sua responsabilidade na produção de informações críticas para a segurança da sociedade.

“Empresas privadas podem priorizar lucros, já que vão vender dados que ajudam o coletivo. Também pode acontecer de divulgarem informações precipitadas, enquanto órgãos públicos têm o compromisso de seguir padrões e garantir a qualidade das informações”, disse Villela.

O Ministério da Agricultura confirmou em nota que o Inmet tem 27 meteorologistas, “bem como 77 auxiliares de meteorologia, totalizando 104 servidores ativos no país que atuam na área (sede/distritos)”.

A pasta disse que o próximo concurso público vai reforçar a estrutura de recursos humanos disponível para prever e monitorar eventos climáticos, a exemplo das ondas de calor registradas em 2023.

TATIANA CAVALCANTE E LUANY GALDEANO / Folhapress

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