RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Todas as vezes que viaja para o exterior é a mesma coisa. Gero Fasano, 61, passa pelo freeshop e, por pouco, não leva para o caixa dois vidros do perfume masculino Yves Saint Laurent que seu pai, Fabrizio, encomendava a cada vez que ele saía do Brasil. Era um hábito que ele demorou a desapegar. Era automático. “É o cheiro dele até hoje, uma coisa impressionante”, diz.
Milanês radicado no Brasil, Fabrizio começou a investir na gastronomia quando Gero voltou de Londres para ajudá-lo a se reerguer: o pai havia ficado milionário ao lançar por aqui o uísque nacional Old Eight, mas quebrou quando decidiu vender a marca e investir em um novo uísque, um retumbante fracasso de vendas que o levou a pedir concordata. Juntos, ergueram um império que hoje inclui 25 restaurantes e dez hotéis de alto luxo no Brasil, Estados Unidos e Uruguai. Bon vivant, Fabrizio morreu em 2018, de hidrocefalia, doença que, segundo Gero, “minou todas as forças” do pai. Ele chegou a pesar 47 quilos e dizia ter desistido de viver. “O que me conforta é que nos útimos 25 anos, ele foi muito feliz e teve uma vida cheia de emoções e grandes momentos”, diz. Gero deu à Folha o seguinte depoimento sobre seu pai:
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“Fabrizio, meu pai, foi a grande paixão da minha vida. Sabe um cara carismático? Era ele. Acho que é a pessoa mais carismática que eu já vi. Tive namoradas que diziam assim: Só namoro com você por causa do seu pai, ele é tão fofo (risos). Porque ele era realmente uma pessoa muito agradável. Tão carinhoso E ele tinha esse carinho com todos, distribuía seu afeto de forma equalitária. Vivia elogiando, fazendo graça, deixando todo mundo por perto feliz.
Era um cara que não reclamava da vida, sabe? Quebrou financeiramente três vezes e nunca botou a culpa em ninguém, nunca disse que foi falta de sorte, que tinha sido enganado. Nunca se achou azarado ou injustiçado. Ele simplesmente botava o terno, se arrumava todo, ficava bem cheiroso e ia trabalhar. Animado, feliz, sem ficar se lamentando. ‘No final, tudo se ajeita’, ele dizia.
Ele era o homem mais cheiroso do universo. A cena que eu sempre via: meu pai botando o perfume nas duas mãos, esfregando no rosto, no pescoço, no cabelo, na roupa. Era sempre o mesmo perfume, Yves Saint Laurent. Era o cheiro dele. Ele não viajava muito e sempre que eu saía do Brasil me pedia para trazer dois vidros. Uma vez eu contei: estava com 28 frascos deste perfume guardados. Vinte e oito! Acho que tinha uma certa insegurança de acabar de repente, ficar sem nenhum, não sei.
A gente se falava todos só dias, o dia inteiro. Éramos melhores amigos, vivíamos grudados. Ele não dava lição de moral, não me julgava. A única coisa que me falava é que eu era muito porra louca com dinheiro, que deveria me apegar, pelo menos um pouquinho, a essa questão financeira. E ele tinha razão, eu não sei ver um balancete, mas sempre tive a humildade de perceber isso.
Por isso me cerquei, ao longo da vida, de pessoas boas para cuidarem dessa parte nos negócios. Nunca fui a um banco pedir um empréstimo, por exemplo. Meu pai, não. Ele ia sempre que era preciso. Acordava cedo, se arrumava e ia daquele jeito: todo cheiroso, arrumado, entusiasmado. Pedia empréstimos de quantias volumosas, e sempre davam crédito para ele.
A grande emoção da vida dele foi quando inauguramos o hotel Fasano, em São Paulo [em 2003]. Quando ele viu o nome da família no letreiro, choramos juntos por umas três horas seguidas. O Isay [Weinfeld, arquiteto dos empreendimentos e amigo da família] também estava. Choramos os três. Foi a mesma coisa no Rio, a mesma emoção ao ver nosso nome na fachada, naquele prédio da Vieira Souto, na Praia de Ipanema. Meu pai adorava ficar lá, principalmente no final da vida.
Almoçávamos juntos praticamente todos os dias, pelo menos uma cinco vezes por semana. Era sempre uma delícia, o tempo não passava, a gente ficava na mesa conversando por horas, ele tirava sarro de todo mundo, tinha um senso de humor incrível.
Meu pai era muito boêmio, adorava a noite, adorava viver. Deu um certo trabalho na questão amorosa, era mulherengo, e isso não fez bem para ele depois que ficou velho. Ficava interessado, se apaixonava, sofria pelas mulheres, muitas vezes mais jovens, de uns quarenta anos. Eu o vi chorando algumas vezes, de coração partido. Isso era meio que inédito para mim.
Ele gostava muito da vida e, depois que teve o diagnóstico de hidrocefalia, foi perdendo a força. Vai minando o cérebro, né? Então, ele começou a perder os controles motores, passou a se locomover muito lentamente. Perdeu o interesse em tudo, ficou com vergonha de aparecer no restaurante assim.
A questão amorosa foi para o vinagre, ele perdeu o interesse por tudo. Meu pai me pedia: ‘Eu quero morrer, meu filho’. Eu falava, pai, não é assim… Foi muito duro. Ele ficou internado por um bom tempo e foi definhando. Foi ficando muito fraquinho, pegava uma infecção atrás da outra.
Não queria fazer tratamento nenhum, e ainda sofreu por uns três anos, infelizmente. Um dia foi dormir e não acordou mais. Ele morreu com 47 quilos. Imagina o que é isso para um cara grande, forte como ele.
Eu penso no meu pai absolutamente todos os dias. Sento numa cadeira embaixo de uma foto dele, no bar do hotel [Fasano, em São Paulo], e fico conversando, lembrando de nós dois. Quando fiz meu transplante de fígado e tive minha segunda chance nesta vida [em 2020], ele já tinha morrido, mas apareceu para mim quando eu ainda estava voltando da anestesia.
Eu estava meio zonzo, e meu pai veio, nitidamente, do meu lado. Me encheu de beijos, me abraçou, fez um carinho na minha cabeça, e em seguida me deu uma bronca. ‘Por que você não se cuidou? O que é que você está fazendo aí, deitado assim? Vai lá cuidar das suas coisas!’. Eu me emociono muito ao lembrar disso porque ele realmente estava ali. Meu pai nunca deixou de estar ao meu lado.”
CLEO GUIMARÃES / Folhapress