CAMPINAS, SP (FOLHAPRESS) – Um ano após a entrega de casas de 15 m² para população de baixa renda em Campinas (a 93 km de São Paulo), moradores beneficiados pelos imóveis relataram à Folha de S.Paulo um desafio diário para viver nas residências diminutas. Muitos deles fizeram puxadinhos de madeirite, levando o bairro a um processo de favelização.
Os imóveis foram anunciados em maio do ano passado para reassentar 116 famílias que viviam em área de risco em um terreno ocupado de maneira irregular. Os primeiros imóveis foram entregues em junho último.
O tamanho das casas chamou a atenção de especialistas, que criticaram a iniciativa do governo municipal, uma vez que as moradias contrariam diretrizes da ONU (Organização das Nações Unidas) que estabelecem critérios para considerar uma moradia digna. A Prefeitura de Campinas justifica, no entanto, que os “embriões” –como foram batizados os imóveis– foram aceitos pela população da ocupação Nelson Mandela. “Ninguém obrigou os moradores a aceitarem os embriões, a oferta inicial era apenas do terreno”, disse o vice-prefeito Vanderley de Almeida (PSB) à Folha.
Há casos de famílias que vivem nas pequenas casas com até oito pessoas.
A reportagem voltou no último dia 24 ao residencial Nelson Mandela, que fica no distrito do Ouro Verde, próximo ao Aeroporto Internacional de Viracopos. Diversas famílias afirmaram que aguardam a ampliação dos imóveis, anunciada à época pelo prefeito Dário Saadi (Republicanos) em resposta às críticas que recebeu. O presidente Lula (PT) chamou de “poleiros” as casinhas de 15 m².
Atualmente desempregada, a auxiliar de limpeza Simone Cerqueira Silva, 46, se emociona enquanto conta as dificuldades que enfrenta para viver no cubículo com cinco filhos, com idades entre 5 e 18 anos.
“Dividimos em três camas de solteiro. Em uma delas, dormem os dois meninos, um de 18 e um de 9 anos. Na segunda, dormem minha menina de 15 e um menino de 5. E, em um colchão, dormimos eu minha filha de 13 anos”, conta.
No mesmo espaço, a mulher, que é mãe solo, colocou um fogão, uma geladeira e algumas prateleiras que servem de armário. Não há espaço adequado para fazer as refeições, tampouco para privacidade.
“As minhas meninas sempre choram e me perguntam: ‘mãe, por que minhas amigas vivem em casas melhores e a gente tem que morar nessa casa tão pequena?’. Eu fico sem saber o que dizer, não tenho condições, às vezes, nem de sustentar a casa, quem dirá ampliar”, diz Cerqueira enxugando as lágrimas.
Além do pouco espaço, moradores relatam ainda que as casas têm defeitos estruturais, como fissuras no telhado -e surgem goteiras em dias de chuva. Cada família terá que pagar os embriões e os terrenos, que possuem 90 m², em 300 parcelas que custam a partir de R$ 132.
“Quando chove molha tudo no quarto. As camas, as roupas e nós mesmos. Parece que as telhas não estão bem encaixadas, e a água entra com facilidade”, conta Vanessa Ribeiro, 39, que mora com mais sete pessoas na pequena casa.
A família fez um cômodo à frente do imóvel para dar conta de comportar os oito moradores, das quais duas são pessoas com deficiência. “Tivemos que fazer esse barraquinho aqui assim que entramos, porque só o embrião era insustentável. Desmontamos o barraco que tinha lá [na área irregular] e usamos os madeirites para montar esse aqui, porque não tínhamos condição de fazer de alvenaria”, complementa Vanessa.
Sem ampliação
Frente às críticas feitas ao modelo empregado pela administração, o prefeito anunciou, à época, a ampliação das residências. O pacote incluía uma sugestão de planta, assessoria técnica e kit de materiais de construção. Quase um ano após o anúncio, no entanto, nada saiu do papel.
“Nós ficamos empolgados com essa ampliação, mas fora o anúncio em si, nada foi feito. Ninguém da prefeitura nos procurou, nós fomos atrás e também não conseguimos nada. Todo mundo já desistiu disso. Quem aumentou fez por contra própria”, diz Vanessa.
“Nós esperamos ansiosamente por essa ampliação, mas até agora, nem eu nem ninguém conseguiu. De certa forma, é um ganho que a gente teve, o pedaço de terra, que nem isso tínhamos, porém não é fácil viver na casa. Ouvi boatos de que nem vai ter mais a ampliação”, afirmou Maria José da Silva, 53. Ela tem uma filha gestante, que vive na casa com mais dois filhos e o marido.
Além dos puxadinhos de madeirite, há casos de moradores que aumentaram as casas diminutas calvenaria, porém com recursos próprios. Caso do pedreiro José Gonçalves Dias, 53, que conseguiu alguns materiais em troca de mão de obra para seus clientes.
‘Aceitou quem quis’
Em entrevista à Folha de S.Paulo, o vice-prefeito de Campinas, Vanderley de Almeida, justifica que o atraso na ampliação se deve a uma discordância acerca da planta apresentada, que previa modelos a partir de 33 m².
“Primeiro cabe ressaltar que a ampliação já era prevista antes da polêmica, mas o projeto travou porque os moradores exigiam um modelo vertical, o que é impossível. Estamos negociando com eles para manter a planta horizontal”, disse.
Ele afirmou acreditar que as críticas sobre a metragem das casas são infundadas se considerado o contexto em que as famílias viviam. Ele reconhece, no entanto, que as condições de habitação são precárias.
“Isso é o que a gente pode fazer em tempo hábil para que eles não ficassem desabrigados, visto que havia uma reintegração de posse para a área em quatro meses. Nós oferecemos asfalto, saneamento, energia elétrica e um embrião para cada morador, mas eles também não foram obrigados a aceitar. Aceitou quem quis, quem não quis fez por conta própria”, diz Almeida.
“É claro que as condições são precárias, que não é fácil viver em área de 15 m² com dois ou três filhos, mas foi o que conseguimos fazer. Vamos trabalhar pela ampliação agora.”
Para o arquiteto e titular da faculdade de arquitetura e urbanismo da PUC-Campinas Fábio Muzetti, os problemas relatados hoje pela população do residencial Mandela foram pronunciados.
“Evidencia uma falta de continuidade política. Entregou e deu tchau ao pessoal, e aí cada um se vira como dá. Ainda que seja um ‘embrião’, é necessário o apoio para que as famílias desenvolvam suas casas. A tendência é que o bairro siga esse processo de favelização”, disse Muzetti.
O especialista diz que, agora, a administração terá mais trabalho para corrigir as irregularidades.
“O ganho da terra é positivo, visto que essas famílias não tinham nenhuma propriedade, no entanto, se houvesse uma preocupação em ouvir cada uma das famílias e adaptar o projeto às suas necessidades, com certeza o resultado seria melhor que esse, que apenas confere prejuízo à estrutura de habitação do município”, avalia Eleusina Holanda de Freitas, arquiteta e urbanista e responsável pela elaboração do último plano de habitação de Campinas, em 2010.
LUIS EDUARDO DE SOUSA / Folhapress