Milei corta 5.000 funcionários públicos e quer acabar com trabalhadores ‘nhoques’

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Seguindo com seu “plano motosserra” contra os gastos públicos na Argentina, o presidente Javier Milei anunciou nesta terça-feira (26) que não vai renovar os contratos temporários de mais de 5.000 funcionários federais que acabam neste mês e foram assinados pelo seu antecessor, Alberto Fernández, no último ano.

“O restante dos contratos entra em um processo de revisão que vai durar 90 dias”, disse o porta-voz do governo, Manuel Adorni, sem precisar a quantos postos de emprego a avaliação se refere.

Segundo o jornal Clarín, seriam mais de 45 mil contratados há mais de 12 meses na administração pública nacional. Enquanto isso, sindicatos marcaram uma nova manifestação para esta quarta (27) e já falam em grandes paralisações.

A não renovação de contratos foi formalizada por um novo decreto de Milei, que traz algumas exceções. Entre elas estão os trabalhadores que entram na cota de pessoas trans e com deficiência, conforme a lei argentina, e também os que foram integrados aos quadros permanentes ao longo deste ano.

O ultraliberal já havia anunciado em sua primeira semana de governo um corte de 18 para 9 ministérios e de 106 para 54 secretarias, o que significaria uma redução de 50% dos cargos hierárquicos e 34% dos cargos federais no total. Não está claro se os contratos não renovados entram nessa conta.

Naquela ocasião, o presidente também determinou o fim do home office para o funcionalismo.

A intenção é acabar com o que popularmente é chamado de funcionários “nhoque” na Argentina, servidores que teoricamente não trabalham e só aparecem no fim do mês para cobrar o salário. Seria o equivalente ao “funcionário fantasma” no Brasil.

A expressão é usada de forma pejorativa por parte da população e vem da tradição de comer o prato italiano para trazer prosperidade no dia 29 de cada mês, data de pagamento da administração pública.

Outra mudança promovida por Milei nesta terça foi a eliminação de barreiras para importações, medida que o ministro da Economia, Luis Caputo, havia anunciado dois dias depois de sua posse como parte de um pacote de ações para equilibrar as contas públicas.

O governo acabou com o Sira (Sistema de Importações da República Argentina), que foi criado pelo ex-ministro Sergio Massa, candidato derrotado à Presidência, para ampliar a transparência e evitar a fuga de dólares, mas na prática acabou travando e gerando desabastecimento de produtos importados.

Agora, por pelo menos um ano, esse sistema foi substituído pelo Sedi (Sistema Estatístico de Importações). O que muda é que o importador não precisará mais pedir autorização à Secretaria de Comércio para comprar de um fornecedor estrangeiro, mas apenas declarar previamente a compra.

“Com isso, um burocrata ou um funcionário de plantão não vai mais poder decidir o que queremos importar ou não”, argumentou o porta-voz Adorni. “Quem decidir importar vai poder importar.”

Por outro lado, há certo receio de que a abertura abrupta do comércio exterior ameace algumas indústrias nacionais, sob forte protecionismo dos últimos governos peronistas.

AS REFORMAS ‘DE CHOQUE’ DE MILEI

Milei foi eleito prometendo mudanças radicais para resolver a crise econômica e a inflação que ultrapassa os 160% anuais na Argentina. Desde que assumiu, em 10 de dezembro, iniciou um acelerado plano de reformas através de três grandes pacotes de medidas.

Primeiro, anunciou uma forte desvalorização do peso oficial, que era controlado pelos governos anteriores, e um duro corte nos gastos públicos, que incluíram também a suspensão de obras públicas, a redução de subsídios a energia e transporte e o enxugamento de repasses às províncias.

Em segundo lugar, assinou um megadecreto que declara estado de emergência e acaba com regulações do Estado em diversas áreas: muda direitos trabalhistas, permite o aumento dos planos de saúde, abre caminho para privatizações de estatais, entre várias outras medidas.

Uma das mais de 300 leis alteradas possibilita, por exemplo, que qualquer contrato seja realizado em moedas que não sejam o peso. Ou seja, na prática salários poderiam ser pagos com dólares, criptomoedas e até “quilos de carne ou litros de leite”, como escreveu a chanceler Diana Mondino.

O “decretaço” gerou duas noites de protestos com panelaços pelo país, acirrou a polarização e abriu um extenso debate sobre sua legalidade. O chamado Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) já foi usado por vários presidentes, mas não de maneira tão radical.

Sindicatos e sociedade civil entraram com pedidos à Justiça e têm feito diferentes manifestações na última semana. Para seguir valendo, o texto ainda tem que evitar ser barrado no próximo mês nos plenários da Câmera e do Senado, onde Milei deve enfrentar resistência.

O porta-voz Adorni reforçou o tom contra a oposição nesta terça: “Quando anunciam protestos, se entende quem está do lado da mudança e de uma Argentina diferente e quem está em defesa de seus próprios interesses”, disse, adicionando que os legisladores “devem escolher entre apoiar o que o povo votou ou continuar obstruindo”.

O terceiro pacote de medidas do ultraliberal será um grande projeto de lei apelidado de “lei ônibus” que ele pretende enviar ao Congresso em breve. Milei convocou sessões extraordinárias a partir desta terça até 31 de janeiro no Legislativo, que teoricamente só voltaria de férias em março.

A expectativa, porém, é que as discussões só comecem depois do Ano Novo. Estão previstas 11 pautas, incluindo uma lei de reforma da estrutura do Estado, o voto em um único papel em vez de várias listas e uma expansão do imposto de renda —à qual Milei foi contrário enquanto era deputado e candidato.

JÚLIA BARBON / Folhapress

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