BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Para muitos, a notícia da demissão veio em meio a um feriado prolongado de seis dias que uniu Semana Santa e aniversário da Guerra das Malvinas e diminuiu o ritmo na Argentina de 28 de março ao dia 2 de abril. Foi quando o governo Javier Milei acelerou as notificações de desligamentos de servidores públicos.
A administração do ultraliberal havia anunciado ao menos 15 mil cortes como objetivo inicial. Até aqui, segundo contas da ATE (Associação de Trabalhadores do Estado), já foram 11 mil. Contra essa agenda, o grupo decidiu por mais uma greve nesta sexta-feira (5).
Rodolfo Aguiar, o secretário-geral da ATE, diz que os trabalhadores estão apenas “colocando em prática as ferramentas de greve, manifestação e direito à reunião”. À reportagem ele critica a visão que Milei compartilha sobre servidores.
“O governo tem tido um êxito relativo na campanha de desprestígio e estigmatização dos empregados públicos e com isso consegue aplicar seu ajuste [da máquina pública]”, diz. “Se há pessoas que recebem um salário e não trabalham, isso deve ser denunciado, e o Estado tem ferramentas para exonerá-las.”
“Ocorre que até eu conheço um funcionário ‘nhoque’. O ‘nhoque’ mais caro para o Estado argentino, que começou no seu cargo em 10 de dezembro e passa ao menos seis de oito horas de sua jornada laboral diária falando nas redes sociais, é o presidente Javier Milei.”
“Nhoque” é historicamente uma forma depreciativa de se referir a funcionários estatais “fantasmas” na Argentina, que só aparecem no trabalho no dia do pagamento, o 29, mesma data em que se come esse prato no país, segundo uma tradição.
Para muitos analistas, o Estado argentino é considerado inchado para suas capacidades orçamentárias. O setor público contava com ao menos 3,4 milhões de empregados assalariados há um ano, ainda no governo do peronista Alberto Fernández, segundo dados oficiais.
Milei desde a campanha, e como um de seus motes principais, promete reduzir a cifra. Sua gestão fala no corte inicial de 15 mil trabalhadores mas também já ventilou a cifra de 70 mil como número de cargos sob análise para possível corte no futuro.
Ao longo desta quarta-feira (3), na volta do feriadão, centenas de servidores puxados pela ATE ocuparam prédios públicos, mesmo sob forte presença de segurança. Eles falam em medidas similares durante a greve aprovada para esta sexta-feira.
“Por trás de cada posto de trabalho que se perde no Estado, há uma política pública que se desmantela”, diz Aguiar. “É uma tragédia individual e de uma família que perderá o salário mas que, se analisada no todo, é também uma tragédia coletiva.”
Coincidiu com as mobilizações desta quarta-feira a renúncia da número 2 da Secretaria do Trabalho da gestão Milei, Mariana Hortal Sueldo.
Ao menos formalmente o órgão ao qual ela está vinculada, a superpasta do Capital Humano, diz que sua saída não está relacionada com os protestos recentes.
Duro nos termos que emprega, o líder sindical diz que as medidas de Milei se assemelham às da política econômica da última ditadura militar argentina (1976-1983).
“É preciso voltar a 1976 para encontrar registros de uma tentativa de mudança tão profunda no ordenamento jurídico vigente em nosso país como a de agora”, diz ele.
“São três pontos que resumem a política de Milei: destruir postos de emprego, erradicar todos os direitos dos trabalhadores e do povo e acabar com a aposentadoria.”
Sindicalistas voltam a se preocupar com a reforma trabalhista que Milei quer colocar em prática. Seu governo já havia imposto o pacote de mudanças na forma de decreto, que, no entanto, foi barrado pela Justiça a pedido CGT (Confederação Geral do Trabalho).
Agora, Milei iniciou uma grande articulação com governadores considerados abertos ao diálogo para incluir a reforma em um pacote de leis reformado que deve ser enviado ao Congresso para votação em breve.
A CGT prometeu anunciar na próxima semana novas medidas de mobilização. A ideia é que atos precedam o 1º de Maio, Dia do Trabalhador. Ainda nesta quinta cruzaram os braços os docentes da educação pública.
A despeito da insatisfação dos sindicatos, o governo Milei recebeu louros do FMI (Fundo Monetário Internacional), nesta quinta. Falando em Washington, a porta-voz Julie Kozack descreveu como impressionante o progresso do governo.
A inflação desacelerou no país, e o primeiro superávit fiscal em mais de uma década foi registrado. Por outro lado, cresceu a pobreza e caiu o poder de compra do trabalhador.
A Argentina tem uma dívida vultosa de mais de US$ 40 bilhões contraída com o FMI durante o governo Maurício Macri, hoje um aliado de Milei.
MAYARA PAIXÃO / Folhapress