BRASÍLIA, DF, BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O presidente da Argentina, o ultraliberal Javier Milei, enviou uma nova carta ao presidente Lula (PT) na qual defende a manutenção de uma boa relação bilateral entre os dois países.
A mensagem foi entregue pela chanceler argentina, Diana Mondino, ao seu homólogo brasileiro, Mauro Vieira, que a remeterá a Lula. Mondino fez uma visita oficial a Brasília nesta segunda-feira (15), a primeira desde que assumiu a chefia da diplomacia de Buenos Aires.
Mondino disse à Folha, também nesta segunda, que o objetivo da mensagem de Milei a Lula é destacar que “estamos muito interessados em manter a relação bilateral que temos”.
“Não posso vir sem uma saudação [de Milei]”, completou a chanceler.
O gesto de Milei em defesa de um relacionamento pragmático com Lula ocorre num momento de distanciamento político quase absoluto entre o brasileiro e o argentino. Além de ser aliado de Jair Bolsonaro (PL), Milei viajou na semana passada aos Estados Unidos para se encontrar com o bilionário Elon Musk -atualmente protagonista de uma crise com o Supremo Tribunal Federal (STF).
A agenda de Mondino em Brasília foi planejada para transmitir a mensagem de que as relações entre os dois países são parte de uma política de Estado a ser preservada apesar dos conflitos ideológicos.
Mas a perspectiva concreta de uma reunião bilateral entre os atuais líderes das duas maiores economias da América do Sul -e principais sócios do Mercosul- permanece distante.
No Palácio do Itamaraty, Mondino disse esperar que em algum momento um encontro do tipo possa ocorrer. “Tenhamos em conta que a agenda internacional de ambos é bastante complexa. Mas, sim, em algum momento creio que possa ocorrer”, afirmou.
Mais tarde, questionada pela reportagem sobre o conteúdo da carta de Milei -especificamente sobre um possível de convite para Lula visitar a Argentina-, Mondino respondeu que “não há nada específico”.
Membros do governo brasileiro também disseram, sob condição de anonimato, que não há perspectiva de encontro bilateral no curto prazo.
Há pelo menos dois eventos internacionais neste ano em que Milei e Lula podem se encontrar, ao menos no contexto de cúpula com outros chefes de Estado. A reunião dos líderes do Mercosul, prevista para julho no Paraguai, e o G20, em novembro no Rio de Janeiro.
Antes de ser recebida no Itamaraty, Mondino teve um encontro com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que acumula as funções de ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
Trata-se da primeira visita oficial de Mondino ao Brasil como chanceler. No final de 2023, ela fez uma rápida passagem por Brasília e foi recebida por Vieira em um fim de semana, ainda na condição de ministra indicada.
Ao lado do chanceler brasileiro, ela afirmou nesta segunda que sua principal mensagem era transmitir a certeza da “centralidade e relevância que o Brasil tem para a Argentina. “Nossa relação se constituiu uma verdadeira política de Estado”, seguiu.
Os dois lados discutiram temas econômicos, como a agenda comercial do Mercosul e possíveis investimentos para o direcionamento do gás das reservas de Vaca Muerta para o mercado brasileiro.
Em sua passagem anterior por Brasília, em novembro, ela já havia sido portadora de outra carta do argentino ao presidente do Brasil, convidando-o para comparecer à posse em Buenos Aires.
Lula não foi à cerimônia de posse, realizada em 10 de dezembro. Como seu representante, enviou Vieira.
Por outro lado, Bolsonaro esteve em Buenos Aires na ocasião e, de acordo com assessores da campanha de Milei, recebeu tratamento de chefe de Estado, mesmo já estando fora da Presidência.
Não é incomum que Lula receba chanceleres de países importantes no Palácio do Planalto. Mas, no caso de Mondino, não houve reunião com o petista. O lado brasileiro planejou a visita desta segunda também para deixar claro que, no momento, não há clima para um relacionamento político de nível mais alto.
Não foi bem-visto pelo governo Lula o encontro entre Milei e Musk na semana passada. Pouco antes, o empresário havia protagonizado uma briga pública com o ministro Alexandre de Moraes, do STF. Acabou criticado pelo próprio presidente, para quem o empresário “nunca produziu um pé de capim” no Brasil.
Numa situação que gerou incômodo para Mondino, ela foi questionada nesta segunda sobre o fato de o governo Milei ter oferecido ao bilionário apoio no conflito com as autoridades brasileiras.
“Os temas internos e posições de cada país são próprios de cada país. O governo argentino jamais vai interferir nos processos democráticos ou judiciais de cada país. Confiamos na Justiça de cada país, nós defendemos a liberdade de expressão de todos”, declarou.
Os atritos entre Lula e Milei são antigos. Durante a corrida eleitoral argentina, Milei chegou a dizer em entrevistas que não se reuniria com Lula como chefe de Estado argumentando que o presidente seria comunista e corrupto e mencionando o tempo em que o brasileiro esteve na prisão.
O PT declarou apoio público ao adversário de Milei, o então “superministro da Economia” Sergio Massa, candidato do peronismo. Lula, em março passado, mencionou nominalmente Milei ao falar sobre o risco da democracia no Brasil e em outros países.
O presidente brasileiro já realizou viagem à Argentina neste seu terceiro mandato, em janeiro de 2023. O país era então governado pelo antecessor de Milei, o peronista Alberto Fernández, um aliado de Lula no contexto regional.
Antes desta visita oficial, também Jair Bolsonaro havia ido à Argentina durante a gestão de Mauricio Macri, poucos meses antes de o então presidente perder nas urnas para Fernández. Macri foi figura central na eleição de Milei, e seu partido, o PRO, ou Proposta Republicana, é o maior aliado do A Liberdade Avança, a sigla governista, no Congresso argentino.
RICARDO DELLA COLETTA E MAYARA PAIXÃO / Folhapress