SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um empresário que controla os maiores aeroportos do país, um ex-presidente que o conhecia desde a infância e um economista que ficaria famoso pelas participações histriônicas na TV.
A mistura improvável uniu os destinos do presidente eleito da Argentina, Javier Milei, que toma posse neste domingo (10), do bilionário do setor de infraestrutura Eduardo Eurnekian e do ex-mandatário Mauricio Macri.
Eurnekian, 91, é fundador do conglomerado Corporación America e está entre as pessoas mais ricas da Argentina, com uma fortuna estimada em US$ 1,9 bilhão (R$ 9,4 bilhões), segundo a Forbes.
O empresário de origem armênia veio do setor têxtil e construiu sua fortuna a partir de canais de TV por assinatura e da administração de terminais aeroportuários em diferentes países.
Apenas o braço do grupo ligado à administração de aeroportos, a Corporación América Airports, teve receita de mais de US$ 1,2 bilhão (R$ 5,9 bilhões) no ano passado, e está ligado a dois terminais no Brasil.
Em 2011, o consórcio Inframérica que também contava com a Engevix e que participou do primeiro leilão de concessões do país, venceu a disputa pela construção, manutenção e exploração do aeroporto de São Gonçalo do Amarante (na Grande Natal).
No início de 2012, ainda ficou com 51% de participação na concessão para operar, reformar e ampliar o aeroporto de Brasília por 25 anos.
Investigada pela operação Lava Jato, a construtora Engevix vendeu à Corporación América sua participação nos aeroportos em 2015. Mais tarde, a Inframérica solicitou a devolução do aeroporto de Natal, que foi relicitado em 2023 para a Zurich Airport Internacional e agora deve ficar apenas com o terminal da capital federal.
Desde 2018, a divisão de aeroportos da Corporación América é listada na Bolsa de Nova York e inclui 53 terminais em seis países, que receberam 65,6 milhões de passageiros em 2022.
O conglomerado atua nas áreas de energia, infraestrutura, agronegócio, mineração, tecnologia e nos setores imobiliário, bancário e de vinhos. Também tem investimentos no Uruguai, no Equador, na Itália e na Armênia.
Javier Milei trabalhou em distintas empresas do grupo de 2009 a 2021. Era um dos responsáveis pela análise de novos investimentos e deixou a companhia para se candidatar a deputado nacional.
Segundo a biografia não autorizada “El Loco”, do jornalista Juan Luis González, há muito do mundo de Eurnekian no círculo político do futuro presidente.
De acordo com autor, o Milei dos anos de Corporación América era alguém que jamais falou de política ou reivindicou a última ditadura militar do país –ao contrário do que fez em um debate que precedeu o primeiro turno da eleição.
Na ocasião, o ultraliberal evocou sua vice, Victoria Villaruel, ao dizer que houve excessos de ambos os lados na resistência ao regime militar e negou que o saldo de desaparecidos no país seja de 30 mil pessoas (como afirmam entidades ligadas aos direitos humanos).
O livro narra um encontro tenso entre Eurnekian e Macri, meses antes das eleições de 2015. Ainda na infância, o futuro presidente conheceu o empresário, que era amigo de seu pai, Franco.
Às vésperas de assumir a Casa Rosada, ele teria dito ao executivo que desistisse de investimentos na China e na Rússia e se concentrasse em países mais próximos da influência dos Estados Unidos –o foco ideológico do novo governo.
“Havia um elefante na sala, que era o temor de que o futuro governo tomasse a concessão do aeroporto de Ezeiza (na Grande Buenos Aires) e do Aeroparque (na capital). Até hoje, Eurnekian está convencido de que, se o governo não conseguiu tirar dele o controle desses terminais, foi apenas por não encontrar uma brecha legal”, escreve o jornalista.
A diretora de Comunicações da Corporación América, Carolina Barros, rebate o que está registrado no capítulo do livro que trata da relação de Eurnekian com Macri e Milei.
“É especulação e imaginação do autor, que nunca consultou o departamento de comunicação da empresa, o senhor Eurnekian ou a mim, sua porta-voz.”
“Curiosamente, o autor é jornalista do Perfil, meio de comunicação com o qual temos excelente relacionamento e portas abertas”, segue a porta-voz.
“Eurnekian empurra Milei para os meios de comunicação, em sua guerra aberta contra o governo Macri. É impossível não relacionar as duas coisas. Tanto Macri quanto ele são homens hábeis de poder”, diz González à Folha.
Em programas de debate na TV, o libertário ficou famoso pelas frases de efeito e discussões com outros convidados. E também por criticar Mauricio Macri e seu chefe de gabinete à época, Marcos Peña.
“Macri é um criminoso e um vigarista, quer roubar as bandeiras da liberdade”, esbravejou Milei no canal argentino A24. “Quando ele fala da reforma do Estado, do sistema de trabalho e da abertura econômica, [não diz que] colocou um chefe de gabinete socialista.”
“Uma coisa é o que ele fala e outra é o que faz quando está no poder, ainda não consegui entender quem é o verdadeiro Macri […] para ser parte de uma aliança que está condenada a fracassar, prefiro manter distância”, disse o então deputado em 2022 ao canal Todo Notícias.
Durante a campanha de 2023, Eurnekian concedeu uma entrevista ao jornal Financial Times, em que afirmou confiar em Milei, mas fez uma ressalva importante: “Acho que ele seria um ótimo presidente, mas eu não quero o dólar”, disse.
O empresário classificou a dolarização, uma das principais bandeiras do candidato durante a campanha, como uma “simplificação” dos problemas do país. “Parece ridículo adotar o dólar apenas por não termos sido capazes de administrar a nossa moeda.”
O xadrez político faria com que Milei encontrasse em Macri um aliado importante para chegar à Presidência ao vencer o ministro da Economia, Sergio Massa, no segundo turno.
Após ser eleito, ele confirmou dois ex-ministros de Macri em postos-chave de seu futuro governo: a candidata derrotada Patricia Bullrich será novamente ministra de Segurança e Luis Caputo vai comandar a Economia.
O novo governo deve contar com outros personagens que têm a Corporación América no currículo, como Nicolás Posse (Chefia de Gabinete), Mariano Cúneo Libarona (Justiça) e Guillermo Francos (Interior).
Para González, isso se deve mais pela falta de opções de Milei do que por uma influência da companhia.
“Um grande traço da vida de Milei é a solidão, e ele não conta com gente para ocupar todas as funções de Estado. Não convém a Eurnekian um governo que acabe com as obras públicas, quando a empresa tem tantos contratos com o Estado nem ficar relacionado a um presidente que pode terminar mal.”
Com a vitória de Milei, a dolarização sumiu de seus discursos, e entre empresários argentinos já há a convicção de que a ida de Caputo para o ministério o fará desistir da ideia. Os analistas políticos agora tentam dimensionar o peso que Macri terá nos próximos quatro anos e se a aliança entre eles irá durar.
RAIO-X | CORPORACIÓN AMÉRICA AIRPORTS
Receita líquida (2022): US$ 1,2 bilhão
Ebitda (ajustado): US$ 457 milhões
Tráfego de passageiros: 65,6 milhões (em 53 terminais)
Número de empregados: 6.114
Principais concorrentes: Aena, Fraport, Vinci e Zurich
DOUGLAS GAVRAS / Folhapress