SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após cinco meses de debate, o Congresso da Argentina ratificou, na madrugada desta sexta-feira (28), a primeira grande vitória legislativa do presidente Javier Milei ao aprovar a Lei de Bases o pacote de reformas econômicas do ultraliberal antes comumente chamado de Lei Ônibus.
O texto aprovado em uma sessão de mais de 12 horas foi desidratado em relação à sua versão original, apresentada aos legisladores sem articulações ou debates prévios dias após a posse de Milei. Apesar da redução do escopo da proposta, o governo comemorou a aprovação como o fim de uma primeira etapa do mandato e o início da segunda, na qual o presidente buscará novas reformas.
“A Argentina começa a se parecer com países como Alemanha e França”, afirmou Milei em entrevista à emissora LN+, do jornal La Nacion. “Vamos dar ao governo do presidente Milei as ferramentas para que ele possa reformar o Estado de uma vez por todas”, disse o chefe do bloco governista, Gabriel Bornoroni, em seu discurso de encerramento.
O caminho para a aprovação do pacote foi tortuoso. A versão inicial, que tinha mais de 600 artigos e permitia a privatização de mais de 40 empresas estatais, foi rechaçada no início de fevereiro em meio a enormes protestos de organizações sociais e sindicais nas ruas do país.
Após a derrota, o texto voltou a tramitar em abril bem mais enxuto, com 238 artigos.
Uma das medidas do governo para alcançar a aprovação foi remover da lista privatizações diversas companhias, como a Aerolíneas Argentinas e o Correio Argentino de lá para cá, sobraram oito, incluindo a Água e Saneamento Argentinos, ou AySA.
A Casa Rosada também sacrificou uma reforma no sistema previdenciário que extinguiria uma moratória para aqueles que, ao chegar à idade da aposentadoria, não conseguem comprovar 30 anos de contribuição. O ponto é sensível na Argentina, onde quase metade dos trabalhadores está na informalidade.
Milei tampouco poderá desmantelar organizações públicas que sejam ligadas à ciência e à cultura, poder que pretendia conquistar com a primeira versão do texto.
Mesmo concordando em conversar com a “casta política”, como o anarcocapitalista se refere a políticos tradicionais, o governo passou por percalços para aprovar a proposta.
No começo de junho, a votação do texto no Senado empatou, e coube à vice-presidente, Victoria Villarruel, que também preside a Casa, desempatar. Nesta sexta, após uma longa sessão, a Câmara dos Deputados aprovou as modificações introduzidas pelos senadores e chancelou definitivamente a reforma, com um placar mais folgado, de 148 votos a favor, 107 contrários e duas abstenções.
Agora, o texto vai para a sanção do presidente, que passará a ter capacidade de governar sem o Congresso por um ano nas matérias de administração, economia, finanças e energia na primeira versão do texto, eram 11 áreas. O projeto também prevê a desregulamentação de setores da economia e do mercado de trabalho e reformas fiscais.
Entre as vitórias para o governismo, a principal delas foi ter mantido a aprovação do chamado Rigi, o Regime de Incentivos a Grandes Investimentos, uma proposta da Casa Rosada adendada à Lei de Bases para distribuir incentivos fiscais. O objetivo é o ingresso de dólares no país, que sofre com baixas reservas internacionais.
Em termos políticos, a aprovação significa “um sucesso total para o governo”, afirmou o cientista político e economista Pablo Tigani à agência de notícias AFP. Na seara econômica, por outro lado, ele considera que “será um retorno à política dos anos 1990, com desregulamentações, privatizações e abertura incondicional da economia, que irão provocar um duro golpe na indústria e nas pequenas e médias empresas nacionais”.
“Este é um terno feito sob medida para os setores de poder concentrado na Argentina”, disse em seu discurso o deputado peronista Hugo Yasky, para quem a lei permite que capitais estrangeiros “fiquem com o petróleo e o lítio sem darem nada” e transforma o país em “um paraíso fiscal”.
Com uma economia em recessão e uma inflação de 280% ao ano em maio, a Argentina sofreu uma queda de 5,1% do PIB (Produto Interno Bruto) no primeiro trimestre deste ano e tem mais da metade de sua população na pobreza.
Milei, que herdou um país com inflação de três dígitos e reservas cambiais líquidas negativas, teve sucesso em conter os aumentos de preços, reconstruir reservas e registrar um superávit fiscal, mas a economia foi duramente atingida.
Também politicamente, o pacote representa novos desafios, segundo o analista Carlos Germano, da consultora Germano e Associados. “Conseguir a primeira lei é de suma importância política, mas o governo agora tem um novo desafio porque a oposição dialoguista vai começar a gerar outra política totalmente diferente da destes seis meses”, disse ele à AFP.
Isso obrigará Milei “a priorizar a gestão, ser muito mais presidente e parar de potencializar o personagem que o permitiu chegar até aqui”, afirmou.
O deputado Oscar Agost Carreño, membro de um bloco de oposição que acompanhou a iniciativa, afirmou no debate que, agora, “as desculpas acabaram”. “Vamos dar as ferramentas ao governo porque acreditamos que ele deva resolver o que não conseguiram até hoje”, disse o legislador.
As imediações do Congresso foram cercadas como prevenção de protestos e incidentes, como os que ocorreram durante o debate no Senado há duas semanas. Desta vez, porém, não houve manifestações tão grandes em frente ao prédio.
Redação / Folhapress