Militares anunciam golpe no Gabão e colocam líder do país em prisão domiciliar

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um grupo de oficiais das Forças Armadas do Gabão foi à TV nesta quarta-feira (30) anunciar um golpe de Estado após a divulgação dos resultados das eleições gerais. Os militares alegam fraude, e o líder Ali Bongo, que deveria assumir um terceiro mandato consecutivo, foi colocado em prisão domiciliar.

Se concretizado, o golpe será o oitavo na região da África Ocidental e Central em apenas três anos. O mais recente até então havia ocorrido no final de julho, quando as Forças Armadas tomaram o poder no Níger à força, aumentando a instabilidade no continente —em resposta, países vizinhos impuseram sanções econômicas e ameaçaram realizar uma intervenção militar para restabelecer o presidente deposto.

Os oficiais do Gabão disseram em rede nacional que depuseram Ali Bongo devido à falta de credibilidade da eleição. Além do cancelamento do pleito, cuja votação ocorreu no sábado (26), eles anunciaram o fechamento das fronteiras e a dissolução de instituições estatais, incluindo o Senado e a Assembleia Nacional. O grupo diz representar todas as forças de segurança e de Defesa do país africano.

Horas antes, o Centro Gabonense de Eleições (CGE), o órgão eleitoral do país, havia anunciado no canal de TV estatal a reeleição de Bongo, com 64,2% dos votos. O opositor Albert Ossa ficou em segundo, com 30,7% da preferência dos eleitores. A equipe do líder do país rejeita as alegações de irregularidades.

O relatório mais recente do instituto sueco V-Dem, referência na análise de regimes políticos, descreve o país como autocracia eleitoral, com eleições multipartidárias, mas sem outros pilares democráticos.

Em outro comunicado, os militares anunciaram a prisão de Bongo, cuja família lidera o Gabão desde 1967. Os opositores dizem que o clã pouco fez para compartilhar a riqueza petrolífera aos cerca de 2,3 milhões de habitantes e o acusam de corrupção. Os oficiais disseram ainda que estavam colocando “fim ao regime” responsável por afundar o país em uma “grave crise institucional, política, econômica e social”.

Outras autoridades do governo gabonês, entre as quais Noureddin Bongo, filho e colaborador do líder deposto, e Ian Ghislain Ngoulou, chefe de gabinete, também foram detidas. “Eles foram presos por alta traição contra instituições do Estado, desvio maciço de fundos públicos, desvio financeiro internacional em uma gangue organizada, corrupção ativa e tráfico de drogas”, de acordo com os militares.

Não está claro quem lidera o golpe, mas imagens exibidas na TV estatal mostram soldados gritando “presidente Oligui”, em possível referência ao general Brice Oligui Nguema, chefe da Guarda Presidencial. Ao jornal francês Le Monde, ele disse que um líder ainda não havia sido escolhido.

Após o anúncio do golpe, tiros foram ouvidos na capital, Libreville, e, mais tarde, policiais se espalharam para vigiar pontos estratégicos da cidade. Centenas de pessoas saíram às ruas para celebrar a tomada de poder e saudaram os soldados que desfilavam armados. Algumas das gravações publicadas nas redes sociais parecem ter sido filmadas do palácio presidencial, segundo a agência de notícias Reuters.

Bongo, 64, foi visto em público pela última vez no sábado (26), dia da votação. Ele aparentava estar mais saudável que nas raras aparições anteriores —o líder gabonês sofreu um derrame em 2019. Horas após o golpe, ele apareceu em um vídeo instando a população a “fazer barulho” contra os militares.

A família do político governa o país africano há 56 anos: Omar Bongo se manteve na liderança por 42 anos, até sua morte, em 2009. Ele foi substituído pelo filho, que era ministro da Defesa desde 1999.

Omar foi um dos líderes da independência do Gabão, em 1960. Em 2004, recebeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à época em seu primeiro mandato. Dias após o encontro, o petista disse, em tom de brincadeira, que foi ao país para “aprender como ficar 37 anos no poder e ainda se candidatar à reeleição”.

A votação presidencial, parlamentar e legislativa do último sábado ocorreu sob tensão, e autoridades já haviam manifestado o receio de tumultos após o pleito. As eleições de 2016 que confirmaram o segundo mandato de Ali Bongo já haviam sido marcadas por tumultos e episódios de violência após a divulgação dos resultados. Três anos depois, em 2019, o país sofreu uma tentativa frustrada de golpe.

No pleito atual, a ausência de observadores internacionais levantou preocupações sobre a transparência do processo. O temor aumentou após a votação, quando Ali Bongo ordenou a suspensão de canais internacionais, o corte da internet e a imposição de um toque de recolher noturno em todo o país.

O Gabão é uma ex-colônia da França, e o golpe desta quarta aumenta a incerteza quanto à presença de forças militares do país europeu na região —o governo francês mantém uma base com cerca de 350 soldados na nação africana. Nos últimos anos, as forças francesas foram expulsas do Mali e de Burkina Faso após golpes de Estado e o crescimento de uma espécie de sentimento anti-francês. Mais recentemente, os líderes golpistas do Níger também revogaram acordos militares com Paris.

A primeira-ministra francesa, Elisabeth Borne, disse acompanhar a crise de perto. “Condenamos o golpe e recordamos o compromisso com eleições livres”, acrescentou o porta-voz do governo, Olivier Veran.

O Gabão produz cerca de 200 mil barris de petróleo por dia, principalmente de campos que estão se esgotando. Entre as empresas internacionais que atuam no país estão a francesa TotalEnergies e a produtora anglo-francesa Perenco. A mineradora francesa Eramet, que tem grandes operações de manganês no Gabão, anunciou a interrupção das atividades após a tomada de poder pelos militares.

Outros países também reagiram ao golpe. A chancelaria da China pediu que a situação seja resolvida de forma pacífica e disse que a segurança pessoal de Bongo deve ser garantida. Já o Ministério das Relações Exteriores da Rússia manifestou preocupação e disse esperar um rápido regresso à estabilidade.

Em tom duro, o presidente nigeriano, Bola Tinubu, afirmou que um “contágio de autocracia” está se espalhando pelo continente africano. Ele é o atual presidente da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao) e disse que avalia como responder à crise junto com outros países da região.

Para Rukmini Sanyal, analista da Economist Intelligence Unit, o “descontentamento público generalizado” fortalece o golpe. “Com os líderes golpistas alegando representar todas as facções do aparato de segurança do Gabão, não se espera que Bongo reprima a revolta”, disse ele, mencionado pela Reuters.

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RELEMBRE OUTROS GOLPES DE ESTADO NA ÁFRICA DESDE 2020

NÍGER

Em 26 de julho de 2023, os militares anunciaram a derrubada do presidente Mohamed Bazoum. Os golpistas prometeram um período de transição de três anos até devolver o poder aos civis. Em resposta, a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao) determinou em 10 de agosto a mobilização de uma “força de prontidão” para uma possível intervenção armada.

BURKINA FASO: DOIS GOLPES EM 8 MESES

Em janeiro de 2022, o presidente Roch Kabore foi retirado do governo pelos militares, e o tenente-coronel Paul-Henri Sandaogo Damiba assumiu o poder. Meses depois, o militar também foi destituído, e o capitão Ibrahim Traoré, nomeado novo líder em tese até as eleições presidenciais, previstas para julho de 2024.

SUDÃO

Em 25 de outubro de 2021, os militares liderados pelo general Abdel Fatah al Burhan interromperam um processo de transição para a democracia após 30 anos de ditadura de Omar al Bashir, destituído em 2019. Desde abril passado o país está mergulhado em um conflito entre as forças do militar e de seu ex-número dois Mohamed Hamdan Daglo. Pelo menos 5.000 pessoas já morreram.

GUINÉ

Em setembro de 2021, o presidente Alpha Condé foi deposto por um golpe militar, e o coronel Mamady Doumbouya assumiu o poder. Os militares prometeram devolver o poder aos civis até o final de 2024.

MALI: DOIS GOLPES EM 9 MESES

Em 18 de agosto de 2020, o presidente Ibrahim Boubacar Keita foi deposto por militares, que formaram um governo de transição. Em 24 de maio de 2021, entretanto, os líderes golpistas foram presos em um novo golpe. Em junho, o coronel Assimi Goita tomou posse como líder de transição. A junta se comprometeu a devolver o poder aos civis depois das eleições, previstas para fevereiro de 2024.

Redação / Folhapress

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