SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na investigação sobre a possível infiltração do PCC no transporte público da capital, promotores do Gaeco (grupo de combate ao crime organizado) afirmam que o presidente da Câmara de São Paulo, Milton Leite (União Brasil), teve “papel juridicamente relevante na execução dos crimes sob apuração” envolvendo a Transwolff.
Os sigilos fiscal e bancário do parlamentar foram quebrados com autorização da Justiça. É justamente no documento em que pede essa quebra de sigilos que o Ministério Público apontou, em fevereiro do ano passado, a possível ligação do político com os dirigentes da empresa de ônibus da zona sul.
Futuro de Milton Leite, soberano da Câmara Municipal de SP, intriga política paulista O juiz Guilherme Eduardo Martins Kellner, da 2ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores, concordou com os argumentos da Promotoria:
“[…] O afastamento dos sigilos bancário e fiscal se justifica pela necessidade em se combater a prática de ilícitos penais, tratando-se de medida judicial em processo preparatório imprescindível à colheita de provas necessárias à instrução da investigação criminal”, cita a decisão.
Procurado, o vereador disse que desconhece a quebra de sigilo pela Justiça, mas coloca todos os dados à disposição da Promotoria. Diz, ainda, que é apenas testemunha nesse caso e critica o que chama de “ilações de terceiros” (leia a nota abaixo).
A investigação em que o sigilo do vereador foi quebrado é a mesma que resultou na operação desencadeada pelo Gaeco no início do mês passado, batizada de “Fim da Linha”, e que levou à prisão de um grupo de pessoas, entre elas o presidente da Transwolff, Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora.
Apesar das afirmações, Leite não estava entre os alvos da operação “Fim da Linha”.
Na denúncia oferecida pela Promotoria à Justiça, em abril passado, Milton Leite é arrolado apenas como testemunha. Além dele, também foi chamado para testemunhar o deputado federal Jimar Tatto (PT). Nos documentos aos quais a Folha teve acesso, não há suspeitas semelhantes contra o petista.
Nos documentos da Promotoria não é apontado qual crime foi eventualmente cometido pelo político. A reportagem apurou que a investigação contra o vereador ainda continua.
A principal suspeita dos promotores é de que empresas de ônibus estejam sendo usadas para lavar dinheiro para o PCC. A defesa de Pandora nega qualquer ligação dos empresários com o crime.
O advogado Roberto Vasco, um dos defensores de Pacheco, disse desconhecer qualquer “participação societária de fato ou de direito” de Leite “na referida empresa”. Os advogados não falam em nome da Transwolff porque, segundo eles, a empresa encontra-se sob intervenção, determinada pela Justiça.
Entre os documentos apresentados pelo grupo de combate ao crime organizado, há um relatório da polícia paulista de junho de 2006 em que um informante cita o nome de Leite.
“A equipe policial relatou que um cooperado Cooperpam informou que os cooperados são extorquidos pela diretoria e que os valores indevidamente exigidos ou retidos estavam sendo utilizados na construção da garagem, […] atual sede da Transwolff Transportes. Afirmou também que o comando de fato da cooperativa era de Milton Leite, atual presidente da Câmara”, diz trecho.
Conforme documentos aos quais a Folha teve acesso, a investigação que deu base à operação “Fim da Linha” teve início com suspeitas de irregularidades em um contrato firmado em 2017 entre pessoas ligadas aos dirigentes da Transwolff e a Prefeitura Municipal de Cananéia, distante a 256 km da capital.
Após quebra de sigilo telefônico dos suspeitos, o Ministério Público chegou ao nome de Pacheco e de alguns diretores da empresa. Foi em meio a essas comunicações que surgiram as suspeitas de ligação do vereador paulistano com a cúpula da Transwolff.
Uma das mensagens anexadas, de outubro de 2012, Pacheco aparece pedindo voto para Leite. “Olá, peço a licença de vocês para pedir que nos apoiem a eleger nosso candidato a vereador por São Paulo, Milton Leite 25.250. Estamos juntos nessa lute para colocar um candidato que é o nosso representante no Poder Legislativo, e luta por nossa categoria e principalmente pelos interesses de nossa região.”
Também há um email que seria de uma assessora do gabinete de Leite pedindo que integrantes da Transwolff participem da 22ª Reunião do Conselho de Transportes, em 2017. “Obrigado. Os representantes estarão lá”, diz trecho da resposta, supostamente enviada por Pacheco.
Também há uma troca de emails entre uma assessora de Leite com um dirigente da empresa de ônibus no qual ela solicita o envio de documentos de funcionários da Transwolff que, supostamente, trabalhavam no gabinete do vereador na Câmara Municipal.
“Solange, da equipe de Milton Leite e ‘do DEM’ [atual União Brasil], solicita a Cícero a assinatura nos recibos para fins de Imposto de Renda, provavelmente se referindo a funcionários da Transwolff que tenham prestado algum serviço para o gabinete de Milton Leite”, diz outro trecho.
No final do ano passado, o Ministério Público ainda trabalhava nos dados recebidos e prorrogavam por mais três meses o prazo para a conclusão da análise. Nos documentos aos quais a Folha teve acesso, não há informação se o relatório financeiro sobre esses dados do vereador foi concluído.
“Inicialmente, anoto a chegada dos dados complementares do caso […], solicitados através da medida cautelar […], relacionados ao alvo Milton Leite. O referido material está em minuciosa análise pelo setor técnico deste Gaeco e requer um tempo próprio deste tipo de atividade”, diz trecho.
A Transwolff possui mais de 1.200 veículos e transporta cerca de 700 mil pessoas por dia, em 90 linhas no extremo sul da capital. Após a operação, a empresa passou por uma intervenção e é gerenciada pela Prefeitura de São Paulo.
Leia na íntegra a nota de Milton Leite
“Eu fui arrolado pelo Ministério Público como testemunha no caso em questão, conforme informação confirmada publicamente pela Promotoria. Não recebi nenhuma comunicação do Ministério Público, muito menos da Justiça, sobre qualquer tipo de quebra de sigilo. Reforço que, como homem público e transparente que sou, coloco à disposição do MP todos os meus dados fiscais e bancários. Sobre os emails citados, não tenho nenhum tipo de conhecimento. Lamento, mais uma vez, que divulguem ilações de terceiros e envolvam irresponsavelmente meu nome ao tratar de apurações que, segundo o próprio Ministério Público, são sigilosas.”
ROGÉRIO PAGNAN / Folhapress