ORIXIMINÁ, PA (FOLHAPRESS) – Há cerca de 40 anos, a MRN (Mineração Rio do Norte) explora bauxita no rio Trombetas, em Oriximiná (PA). O beneficiamento e o carregamento do mineral são feitos ao lado do quilombo Boa Vista, comunidade que foi a primeira do Brasil a receber a titulação de território, em 1995.
“Não existe mineração sustentável”, diz a doutoranda em antropologia Juliene Pereira dos Santos, 33, ao ser questionada se a extração de bauxita causa impactos ao meio ambiente ou às comunidades tradicionais da região.
“Vale ressaltar que essa mineradora está situada dentro de uma floresta nacional, tida como unidade de conservação de uso sustentável”, completa ela, que, além de pesquisar o tema, é quilombola.
A área citada por Juliene é a Floresta Nacional de Saracá-Taquera, que fica na mesma região da Reserva Biológica do Rio Trombetas. O rio vai do norte do Pará, quase na fronteira com a Guiana, até desaguar no Amazonas.
Além de Cachoeira Porteira, onde nasceu Juliene, existem ao menos mais 36 quilombos às margens desse curso d’água apenas no trecho de Oriximiná.
A pesquisadora cita como exemplo de impacto ambiental o lago do Batata. O local foi utilizado por muitos anos pela MRN como depósito de rejeitos de bauxita. Antes, quilombolas pescavam e usavam a água para beber ou tomar banho.
“Esse lago está morto. Não há mais reprodução de vida. Não foi recuperado. As pessoas que viviam ali em torno tiveram o seu modo de vida totalmente desestruturado”, diz ela.
Procurada pela reportagem, a empresa afirma que há mais de 30 anos monitora e recupera o local com a participação de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro e que, desde 2011, os estudos apontam para a restauração ecológica do local.
Outra questão que preocupa a comunidade são os tanques de rejeitos de bauxita, iguais aos empregados em Mariana (MG). Na cidade mineira, em 2015, o rompimento da barragem de rejeitos causou pelo menos 19 mortes e prejuízos ambientais em áreas que vão até o estado do Espírito Santo.
“Inclusive, há uns dois anos houve uma chuva forte e parte desse rejeito veio para o rio. Os quilombolas em [quilombo] Boa Vista, Água Fria e Ajudante não tomam mais água do rio. No lago Sapucuá, há crianças com coceiras após banho no rio”, afirma Juliene, que atribui o problema de saúde aos rejeitos da bauxita.
O terreno no qual a mineradora construiu um bairro que abriga sua infraestrutura e seus funcionários era originalmente do quilombo Boa Vista, segundo moradores. Antes da chegada da empresa, contam os quilombolas, o território era utilizado para plantações de alimentos.
A MRN discorda. Para a empresa, os limites da comunidade foram delimitados e reconhecidos anos após o início de suas operações. Apesar disso, afirma que discutirá com a comunidade possíveis medidas.
Maria Zuleide dos Santos, 68, queixa-se que a água do rio está poluída. A moradora do Boa Vista ressalta ainda que a poeira levantada pela mineração é grande e chega a sujar as roupas no varal.
“Hoje em dia, tem navio aí o tempo todo. Jogam imundice, tudo que não presta no rio. A água ficou diferente, o rio sem peixe. A gente agora tem até medo de tomar essa água ou de tomar banho. A gente era acostumado e isso para mim era uma cultura, tomar banho na beira do rio.”
Luciane Printes, 27, vice-coordenadora da associação quilombola do Boa Vista cita ainda o barulho dos navios e das máquinas e a iluminação forte como outros problemas. Ela diz que a parte da comunidade que tem encanamento recebe água suja por conta dos resíduos.
“Infelizmente só o lado deles ganha, basicamente. Estão há mais de 40 anos aqui, e a gente continua na mesma, não avançou muito: não tem saneamento, não temos o básico. O terreno em que eles estão era nosso. Os mais velhos não tinham entendimento [de legislação] e cederam.”
A população do Boa Vista tem dificuldade de acesso a água tratada, esgoto, energia elétrica e saúde. Uma das contrapartidas oferecidas pela MRN como acordo compensatório para a comunidade era que os quilombolas pudessem utilizar o hospital construído pela empresa para seus funcionários.
Entretanto, segundo pessoas da comunidade, a mineradora deixou de autorizar os atendimentos. O prefeito, Delegado Fonseca (PRTB), diz que o hospital da empresa passou a encaminhar pacientes para a área urbana do município, o que tem sobrecarregado o SUS.
A empresa, por sua vez, diz que nunca interrompeu atendimentos a quilombolas e que nunca contribuiu para sobrecarga dos serviços públicos.
Sobre a qualidade da água do rio, a companhia afirma que amostras apresentam resultados em conformidade com as características naturais e com a legislação. Em relação à poeira gerada pela atividade, a MRN diz manter três estações de monitoramento. Nos últimos cinco anos, segundo a empresa, os resultados também indicam conformidade com os padrões.
Rosa Elizabeth Acevedo Marin, professora de desenvolvimento sustentável na UFPA (Universidade Federal do Pará), realizou diversas pesquisas na região. Segundo ela, na época da instalação, a mineradora não teve cuidados ambientais -e isso gera impactos até os dias de hoje.
“A Mineração Rio do Norte se armou de artifícios de poder para conseguir as licenças. E, quando a empresa se instalou, a legislação ambiental era muito pouco cuidadosa sobre isso. A flora, a vegetação, os castanhais ficaram reduzidos e, para os quilombolas, a castanha é fundamental [como atividade econômica]”, diz. “Foi muito violenta essa destruição. Eles não têm nenhuma consideração pelos quilombolas.”
A Prefeitura de Oriximiná afirma que o valor repassado pela mineradora como contrapartida pela exploração não é suficiente para custear melhorias para as centenas de comunidades tradicionais que existem na cidade. Além disso, acusa a mineradora de atrasar os repasses com frequência.
A MRN disse que o atraso dos repasses se deu por questões operacionais da Agência Nacional de Mineração e que cumpre a legislação.
Somente em 2022, a MRN teve uma receita bruta de R$ 2,2 bilhões. No mesmo ano, o valor pago como compensação financeira pela exploração mineral aos estados e municípios foi de R$ 63 milhões.
Daniel de Souza, 65, da comunidade Javari, um dos dirigentes da associação quilombola de Oriximiná, diz que a comunidade do Boa Vista era tratada como se fosse uma favela da mineração.
“Depois que o pessoal começou a sentir que o rejeito [da mineração] estava indo para o lado das famílias, aí que a gente começou a se mexer e a protestar.”
As comunidades preocupam-se agora com novos pedidos de mineração na região. A empresa já solicitou autorização para a exploração de bauxita em outros cinco pontos do rio Trombetas.
A Prefeitura de Oriximiná diz que não constatou impactos ambientais nem alteração nas águas do rio Trombetas. Entretanto, ressalta que possui infraestrutura pequena e que esse tipo de análise seria melhor realizada pelo governo estadual, com maiores recursos.
Questionado sobre os impactos ambientais da mineração e a pobreza dos quilombolas em Oriximiná, o governo do Pará respondeu que entregou uma nova rodovia, quatro novas pontes e segue investindo em obras que irão beneficiar toda a população, como uma creche e um hospital em fase de construção.
A mineradora disse também que já promove diversas ações para a comunidade, como programas de educação e iniciativas na área da saúde.
TAYGUARA RIBEIRO / Folhapress