SÃO PAULO, SP E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Luís Roberto Barroso, negou na tarde desta sexta-feira (19) pedido de medida cautelar do PT (Partido dos Trabalhadores) para suspender a privatização da Sabesp, que chegou a sua fase final nesta semana.
A medida foi tomada durante o plantão de recesso do Judiciário. Barroso considerou que não foram preenchidos os requisitos que justificam uma decisão liminar (provisória e urgente) durante o regime de plantão.
Por meio de uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), de relatoria do ministro Cristiano Zanin, o PT solicitava uma medida para barrar a continuidade do processo de desestatização da Sabesp até o julgamento da ação.
O partido afirmava que o processo viola a competitividade ao favorecer um único competidor na concorrência para ser o acionista de referência da Sabesp.
A Equatorial Energia foi a única empresa a apresentar proposta para ser acionista de referência da Sabesp. A Aegea, maior companhia privada de saneamento básico no Brasil, também apontada como potencial participante do leilão, acabou não entrando na disputa.
Um dos argumentos é que o governo paulista e a Sabesp incluíram regras para dificultar a concorrência e para que houvesse um único competidor na disputa pela fatia de 15% da companhia, conforme previsto no plano de privatização.
“Em juízo de cognição sumária, as alegadas irregularidades relacionadas a deliberações societárias, condições de oferta pública de ações, restrições à competitividade e conflito de interesse no processo de desestatização da Sabesp dependeriam de dilação probatória profunda, o que não é possível na via do controle abstrato de constitucionalidade”, argumenta Barroso na decisão.
“Para o cabimento da ADPF, a suposta ameaça ou lesão ao preceito constitucional fundamental deve ser direta. A solução de controvérsias fáticas é própria dos processos subjetivos, sendo circunscrita às instâncias ordinárias de jurisdição”, completa.
Barroso também disse ainda que há risco de dano reverso em suspender o processo de privatização da Sabesp, que se encontra em etapa final, e que “a desestatização foi publicizada de maneira adequada e vem seguindo o cronograma previsto”.
“Interrompê-la no âmbito de medida cautelar criaria o risco de prejuízos orçamentários relevantes, que, segundo informações prestadas, poderiam atingir a cifra de cerca de R$ 20 bilhões”, apontou.
Ele acrescentou que casos dessa natureza podem ser resolvidos por meio de ações próprias nas instâncias ordinárias da Justiça.
A AÇÃO DO PT
Para sustentar alegação de que o processo favoreceu um único competido na disputa pela fatia de 15% da Sabesp, a ação cita a cláusula sobre o “poison pill” (“pílula de veneno”) incluída nas regras. O governo determinou que, depois de a Sabesp ser privatizada, nenhum acionista majoritário poderá ter mais de 30% dos votos no conselho da empresa.
Para estabelecer esse teto, o Executivo definiu que, caso algum acionista ultrapasse 30% de participação, ele terá que estender a oferta para os demais acionistas com prêmio de 200% em relação ao valor originalmente ofertado, o que naturalmente reduz a chance de algum grupo se interessar.
“Poison pills” são instrumentos comuns do mercado, previstos no estatuto social das companhias, e servem para defender os demais investidores de um único acionista.
No caso da privatização da Sabesp, porém, o PT diz que foi essa cláusula que levou à desistência da Aegea (uma das principais concorrentes) de apresentar uma proposta pela fatia da companhia. Isso abriu caminho para que a Equatorial fosse a única interessada na privatização, segundo a ação.
Outra regra adicionada no momento final da oferta de propostas para a escolha do acionista de referência também foi citada na ação. Trata-se do “right to match (“direito de igualar a proposta”, em tradução livre).
A regra permitia que o grupo com menor preço ponderado cobrisse a oferta do concorrente e saísse vencedor na disputa por acionista de referência -desde que tivesse o maior valor absoluto do book, ou seja, maior demanda dos investidores.
A ação do PT cita reportagem de imprensa para argumentar que, com o “right to match”, a Equatorial ganhou vantagem, já que é uma empresa mais conhecida do mercado em relação aos concorrentes e que, por isso, teria capacidade de atrair um book robusto.
A ADPF do PT também argumenta que haveria um conflito de interesse na escolha da Equatorial como acionista de referência. Conforme a Folha de S.Paulo mostrou, a presidente do conselho de administração da Sabesp, Karla Bertocco Trindade, ocupava, até dezembro de 2023, um cargo no conselho da Equatorial.
“O processo conduzido pela Governo do Estado de São Paulo, por meio das reuniões do CDPED [Conselho Diretor do Programa de Desestatização], está maculado pela configuração do conflito de interesse da Sra. Karla Bertocco Trindade nas reuniões do CDPED em que foram tomadas decisões sobre a desestatização da Sabesp, em clara violação ao princípio da moralidade”, diz o partido.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Governo de SP, pasta que coordena a privatização da Sabesp, disse que todo o processo foi conduzido de forma transparente, com amplo debate com a sociedade.
“Também de forma transparente, a oferta pública foi modelada para atrair um investidor de referência que, junto com o Estado e demais acionistas, pudesse garantir uma gestão independente e alinhada da empresa, com a finalidade de cumprir os objetivos do Estado”, que incluem a universalização dos serviços de saneamento e a redução das tarifas de água e esgoto, segundo a secretaria.
STÉFANIE RIGAMONTI E CONSTANÇA REZENDE / Folhapress