BRASÍLIA, DF E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, defende que o país discuta o começo da exploração do gás de “fracking” -ou fraturamento hidráulico, técnica que usa água com areia e químicos para quebrar rochas profundas, em terra, e extrair o insumo.
A técnica é criticada por ambientalistas, que veem diferentes problemas no processo: contaminação do lençol freático por substâncias químicas, uso intensivo de água, degradação do meio ambiente e riscos para a saúde.
Além disso, o gás natural é um combustível altamente poluente e abrir uma nova frente de seu uso vai na contramão do acordado na COP28, a conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas) do ano passado. Na resolução final da cúpula, os países aprovaram a orientação para abrir mão gradualmente da exploração dos combustíveis fósseis.
O ministro reconhece que há impactos ambientais, mas defende que o país ao menos analise a possibilidade de autorizar a atividade adicionando a obrigação de compensações ambientais.
“Acho que é possível se estudar”, diz Silveira à reportagem. “No mínimo, é necessário que a gente conheça os nossos potenciais para buscar soberanamente, em cada momento da história, saber o que a gente precisa para matar o frio, produzir alimento, matar fome. Todas as riquezas e potenciais naturais devem ser passíveis de estudo”, afirma.
O Brasil hoje não explora o “fracking” (também conhecido popularmente como gás de xisto), em contraste com o que acontece em países como os Estados Unidos -onde a atividade passa, inclusive, por um ressurgimento- ou na Argentina, na conhecida região de Vaca Muerta -por lá, indígenas denunciam seus impactos negativos.
“É um debate. Defendo que esse tema tem que voltar a ser discutido no Brasil. Tem impactos ambientais, mas, em algumas regiões do país, são passíveis de serem compensados ambientalmente. É simples: 82% do gás americano é gás de fracking, 70% do gás argentino. Por que o Brasil é diferente?”, questiona.
Ambientalistas criticam as falas de Silveira, apontando que o tema já foi bastante debatido no país.
“O ministro não pode ignorar que esta discussão já está sendo feita no Brasil há mais de uma década. Das 753 cidades que têm reservas de xisto para exploração não convencional, 478 já aprovaram leis municipais impedindo que a exploração de ‘fracking’ aconteça em seus territórios”, afirma Nicole de Oliveira, diretora-executiva do Instituto Arayara, focado no tema dos combustíveis fósseis.
Ela afirma que já aconteceram dezenas de audiências públicas sobre esse tema no Congresso e centenas de outras audiências em estados e municípios brasileiros. “Milhões de pessoas já disseram que são contra o ‘fracking'”, acrescenta. “A aventura exploratória que o ministro está propondo é um contrassenso.”
O método é banido em alguns países europeus, como Espanha, França e Reino Unido. Além disso, os estados de Paraná e Santa Catarina, onde fica uma das maiores bacias potenciais de gás de xisto do Brasil, têm leis proibindo a prática.
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética, também há reservas potenciais no Maranhão, Piauí, Amazonas e Pará.
Ilan Zugman, diretor da ONG 350.org na América Latina e gestor ambiental, ressalta que falar em compensar os efeitos ambientais do “fracking” é utópico.
“Os principais impactos do ‘fracking’ estão nos vazamentos de metano, que é um gás muito mais potente que o dióxido de carbono [para as mudanças climáticas]”, diz ele. Segundo estimativas da AIE (Agência Internacional de Energia), o metano é responsável por cerca de 30% do aumento da temperatura do planeta.
“Os químicos utilizados na exploração por ‘fracking’ têm um grande potencial de contaminar aquíferos. A gente tem casos documentados nos Estados Unidos de pessoas que se contaminaram, tiveram doenças como câncer, [e viviam] próximas da área de postos de ‘fracking’. Na Argentin,a também tem casos terríveis de pessoas que ficaram doentes”, conta Zugman.
A discussão lançada por Silveira é estimulada por empresas e associações nacionais como a Abegás (Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado) e a Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química), além de governos estaduais (como o do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, estado do ministro).
Segundo Silveira, o governo está desenvolvendo uma série de políticas voltadas para a expansão da disponibilidade de gás natural no país como parte de um esforço mais amplo para tornar a indústria brasileira mais competitiva.
“Temos pouca oferta de gás e, consequentemente, altos preços de gás no Brasil, nos tornando pouco competitivos para fazer aquilo que nós temos de mais importante, e é o grande propósito do nosso governo, gerar emprego, gerar oportunidade e gerar renda”, afirma.
Uma das iniciativas que o ministro já coloca em prática é tentar convencer companhias petrolíferas a cortar a reinjeção de gás nos poços de petróleo. Esse método, usado para empurrar o petróleo para cima no momento da extração, é defendido pela diretoria da Petrobras como uma forma prender no subsolo parte do carbono associado ao óleo e, com isso, reduzir emissões de gases estufa -mas tem sido questionado por Silveira.
A ampliação do uso de gás no Brasil vai na contramão da transição energética, já que pode sujar a matriz energética nacional, que é muito mais limpa do que a média mundial.
“Começar a utilizar o ‘fracking’, que é uma das técnicas mais devastadoras para se extrair combustíveis fósseis, neste momento de crise climática e em que o Brasil quer ser uma vitrine de soluções climáticas para o mundo, com G20, com COP30, seria um enorme tiro no pé na questão reputacional”, avalia Zugman.
De acordo com a AIE, para zerar as emissões líquidas de carbono até 2050, é essencial que não sejam feitos investimentos em novos projetos de combustíveis fósseis. A meta é um dos passos para cumprir o Acordo de Paris e limitar o aquecimento global em 1,5°C.
ENTENDA COMO FUNCIONA O ‘FRACKING’
Todo petróleo e gás existente fica distribuído em pequenas gotas ou pequenos bolsões de gás debaixo da superfície.
No caso dos poços chamados de convencionais, as reservas ficam em solo de mais fácil acesso, como areia ou argila. Mas algumas reservas, chamadas de não convencionais, estão em rochas muito duras, onde nem o petróleo nem o gás conseguem se movimentar.
Essas rochas de baixa permeabilidade ocorrem em diferentes formações, como folhelho (ou xisto, como é mais conhecido), além de reservatórios de arenitos ou carbonatos “fechados” que contêm petróleo e gás. A extração dos combustíveis dessas reservas é feita por meio do “fracking”, ou fraturamento hidráulico.
A técnica fratura a rocha usando água em altíssima pressão, misturada com reagentes químicos e areia. Com as fissuras, o óleo e o gás escoam para um tubo e são levados para a superfície.
Como rejeito, há milhões de litros do fluido usado no fraturamento, que são reinseridos no subsolo ou descartados em outros lugares –em reservatórios ou, quando feito de maneira irregular, na beira de estradas, em rios e em plantações.
FÁBIO PUPO, JOÃO GABRIEL E JÉSSICA MAES / Folhapress