BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Alvo de fogo amigo, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), tem dito a aliados que buscará repor o dinheiro que, por negociações de bastidores, deveria ser usado como emenda de deputados, mas foi destinado pelo ministro para cidades de Mato Grosso, seu reduto eleitoral.
A verba é muito disputada porque se trata de parte dos recursos que foram herdados pelo governo Lula (PT) após o STF (Supremo Tribunal Federal) acabar com as emendas de relator bilhões de reais que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deixou sob controle do Congresso para conseguir sustentação política.
A Folha de S.Paulo revelou em junho que o ministro enviou cerca de R$ 130 milhões para sete municípios de Mato Grosso. A insatisfação levou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a procurar o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), responsável pela articulação com o Legislativo.
Alertado sobre o risco de uma nova crise com a Câmara, o Palácio do Planalto cobrou explicações e determinou que o ministro cancelasse o envio dos recursos ou que a origem do dinheiro fosse outra, ou seja, que a pasta não usasse para isso o dinheiro que Lula tem colocado como moeda de troca em negociação política com o Congresso.
Mas o ministro até agora não ajustou as contas com o centrão. Isso tem colocado Fávaro na mira da cúpula da Câmara. A estratégia de Lira e aliados dele tem sido elevar a pressão para desgastar o titular da pasta e para que ele devolva o dinheiro que usou.
Procurado, o Ministério da Agricultura disse apenas que “segue critérios técnicos e regionais em cada unidade da federação, de modo a propiciar uma maior aderência a projetos para fomentar o setor agropecuário”.
A ideia, segundo aliados, é que Fávaro tire recursos de outra parte do orçamento e transfira para a cota que a Câmara tem no ministério. Isso pode ser feito diretamente pelo governo ou por projeto de remanejamento que o Congresso aprovaria.
Um caso semelhante aconteceu no Ministério das Cidades. O titular da pasta, Jader Filho (MDB), também usou, em junho, uma parte da cota da Câmara. O ministro autorizou R$ 50 milhões para construção de um parque urbano em Belém, anunciado durante visita de Lula à capital paraense.
Além do petista, participaram do evento Jader Filho e seu irmão, Helder Barbalho (MDB), governador do Pará. O contrato, segundo o governo, é para preparar Belém para sediar a reunião global do clima (COP30) em novembro de 2025. Mas isso não foi combinado com a cúpula da Câmara.
Cerca de 15 dias depois da ligação de Lira para Padilha, o governo fez uma movimentação financeira no Ministério das Cidades, que recolocou exatamente R$ 50 milhões na conta da Câmara no orçamento da pasta. Esse dinheiro saiu de um fundo que serve para financiar obras do Minha Casa, Minha Vida, segundo a portaria de 7 de julho.
Isso é mais uma amostra de que o Congresso mantém poder sobre os R$ 9,9 bilhões que Lula herdou no acordo político de divisão da verba das extintas emendas de relator.
Nas últimas semanas, deputados passaram a repassar os detalhes das cidades que Fávaro irrigou com verba que seria usada como emenda parlamentar.
A cota do Congresso no orçamento da Agricultura corresponde a R$ 416 milhões. Portanto o ministro usou quase um terço para atender a aliados em Mato Grosso. Essa verba será utilizada para recuperação de estradas em área rural e na compra de equipamentos.
“Não acho justo que você ache justo que é melhor que um ministro que não teve um voto, não fez concurso público para ser ministro, mande R$ 150 milhões para sete municípios da cidade [estado] dele usando o mesmo orçamento que vocês chamavam de secreto ontem”, disse Lira, sem citar nominalmente o ministro, durante o programa Roda Viva, na TV Cultura, no dia 31 de julho.
As cidades mais beneficiadas com os recursos de Fávaro são Canarana, Matupá, Campo Verde, Querência e Alta Floresta.
A região é de atuação de aliados do ministro, como o padrinho político dele, o produtor de soja Blairo Maggi, ex-governador de Mato Grosso, ex-ministro de Michel Temer (MDB) e que faz parte do grupo do agronegócio que apoiou Lula desde a campanha.
O uso dos recursos que seriam “emendas extra” tem feito integrantes do centrão a citarem que o ministro poderá perder o cargo. No entanto, articuladores políticos de Lula veem Fávaro como um importante interlocutor do governo com o agro, setor que tem forte resistência ao petista.
No entanto até mesmo dentro do PSD há críticas ao ministro. As reclamações são de que ele não abre espaço na agenda para conversar com deputados e prefeitos. Além disso, a bancada do PSD da Câmara se sente desprestigiada.
O PSD tem três ministros, sendo que dois são senadores licenciados. Fávaro e Alexandre Silveira (Minas e Energia) deixaram o Senado para ocupar postos no primeiro escalão de Lula. Os dois integraram o time da campanha presidencial de Lula no ano passado. A cota do PSD da Câmara é André de Paula, que comanda o Ministério da Pesca, considerado de pequeno porte.
Apesar das reclamações dos parlamentares, articuladores políticos do governo não veem chance de o ministro ser substituído por ora.
Integrantes do Palácio do Planalto dizem que Lula tem boa avaliação sobre a gestão de Fávaro e que ainda o veem como uma ponte com o setor do agronegócio, boa parte refratária ao presidente, e com alas que apoiam Jair Bolsonaro (PL). Há reclamações mesmo entre empresários do agro, no entanto, de que Fávaro atuaria para beneficiar mais aliados em Mato Grosso do que o setor como um todo.
Além disso, o ministro é do PSD, cuja entrada no governo foi acertada antes mesmo da transição. Mexer nessa peça significaria um ruído com o partido e outro problema para Lula solucionar.
THIAGO RESENDE E JULIA CHAIB / Folhapress