SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Aliados estratégicos na disputa com o Ocidente na Guerra Fria 2.0 ora em curso, Rússia e China reagiram nesta quinta (11) a anúncios feitos durante a cúpula da Otan em Washington.
O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, classificou de “séria ameaça” a instalação de sistemas de mísseis de longo alcance dos Estados Unidos na Alemanha a partir de 2026. A medida, segundo o Pentágono, visa aumentar a proteção do flanco leste da aliança militar ocidental.
Ela foi anunciada na quarta (10), ao lado da divulgação de que a segunda base do sistema de defesa antimísseis Aegis Ashore no Leste Europeu, na Polônia, entrou em operação. A Rússia vê tal instalação como ofensiva, dado que na teoria mísseis de ataque podem ser lançados por ela também.
Mas foi a novidade alemã que incomodou mais os russos. “Sem nervos, sem emoções, nós vamos desenvolver uma resposta militar, antes de tudo, a esse novo jogo”, afirmou à agência Interfax o vice-chanceler Serguei Riabkov, principal negociador nuclear de Vladimir Putin.
Já o ex-presidente russo Dmitri Medvedev, com a sutileza usual no seu papel de porta-voz de radicalismos no círculo de Putin, defendeu que Moscou busque o “desaparecimento da Ucrânia e da Otan”.
Os EUA não detalharam a natureza de sua nova missão na Alemanha, mas citaram como armamentos ofensivos a serem empregados nela mísseis de cruzeiro Tomahawk, que, se lançados de perto de Berlim, podem chegar a Moscou. Separam as fronteiras alemãs do território russo ocidental de Kaliningrado apenas 360 km.
Sistemas hipersônicos, dos quais os americanos não dispõem de forma operacional, podem ser levados para lá. A resposta russa deverá passar por isso, dado que Putin se gaba da vantagem que possui no campo hoje, e emprega dois modelos do tipo na Guerra da Ucrânia.
Por fim, o Pentágono citou os mísseis SM-6, que nasceram para equipar os sistemas Aegis antimísseis instalados em destróieres da classe Arleigh Burke, mas recentemente foram apresentados em uma versão ar-ar, lançados por caças F/A-18 da Marinha. É incerto qual modelo iria para a Alemanha, mas seu alcance varia de 150 km a quase 500 km.
Com o anúncio, os EUA escalam uma crise potencialmente complexa. Desde que Donald Trump deixou o tratado que vetava mísseis de alcance intermediário na Europa, ambos os países se acusam de querer remilitarizar a região. Agora, a retórica de lado a lado deve se concretizar.
De seu lado, a China criticou a acusação feita no rascunho do documento final da cúpula de Washington, que marca os 75 anos da aliança criada para conter a União Soviética em 1949. “Isso não faz sentido e vem de forma maliciosa”, disse o porta-voz diplomático Lin Jian.
O texto afirma que os chineses são “facilitadores decisivos” do esforço de guerra da Rússia, e urge Pequim a parar de dar apoio material e econômico a Putin.
A crítica foi medida para ser circunscrita à crise europeia, assim como havia ocorrido no ano passado. Desde 2019, menções negativas ao papel chinês no mundo têm frequentado as cúpulas da Otan por insistência dos EUA, mas elas têm sido pontuais e diluídas.
Isso decorre da cautela dos membros da aliança na Europa, que têm fortes laços comerciais com Pequim, assim com os EUA, mas com menos instrumentos de proteção econômica do que Washington.
A menção vem num momento especialmente tenso, com militares chineses participando pela primeira vez de um exercício com seus pares da Belarus, junto à fronteira da Polônia, um dos mais beligerantes membros da Otan. Pequim afirma que as manobras no país, que é um protetorado militar de Putin na prática, estavam prevista havia muito tempo.
Depois da guerra iniciada pelo russo na Ucrânia em 2022, as sanções ocidentais levaram Moscou a reforçar laços preexistentes com a China e outros países. O comércio bilateral chegou a um recorde histórico com Pequim em 2023, mas novas sanções mirando transações com os russos têm feito cair o fluxo, dado ao temor de bancos chineses de serem punidos.
“Instamos a Otan a refletir sobre as causas profundas da crise e sobre o que fez sobre elas, e a tomar medidas concretas para reduzir a escalada, em vez de transferir culpas”, afirmou Lin.
Os chineses não condenaram na ONU a Rússia, mas dizem trabalhar em prol de uma solução pacífica para o conflito. Neste ano, o Brasil e a China se colocaram à disposição para uma mediação, rejeitada por Kiev e Washington dada a instância simpática ao Kremlin dos dois países.
IGOR GIELOW / Folhapress