GUAYAQUIL, EQUADOR (FOLHAPRESS) – Uma dezena de cabras e um extenso matagal cercam o maior complexo penitenciário do Equador, onde, de longe, é possível ouvir os gritos dos presos. Um mistério ronda os enormes pavilhões que habitam o terreno na cidade de Guayaquil, palco da fuga do líder de uma das maiores facções criminosas do país.
No último domingo (7), autoridades foram até a cela de Adolfo Macías, 44, conhecido como Fito, para transferi-lo a uma unidade de segurança máxima, mas ele não estava. O clima nas prisões esquentou mais uma vez, e o presidente Daniel Noboa decretou um novo estado de exceção, com toque de recolher das 23h às 5h por dois meses.
A reação foi uma onda de atentados terroristas que incluíram carros incendiados, explosivos e sequestros de policiais e agentes penitenciários entre a noite de segunda (8) e a tarde de terça (9), quando imagens da invasão por criminosos encapuzados de um canal de TV ao vivo rodaram o mundo. Naquele dia também fugiu Fabricio Colón Pico, um dos líderes da facção rival Los Lobos.
O clima de pânico que se espalhou pelo país deu um motivo para que o presidente declarasse “conflito armado interno” e classificasse 22 grupos de terroristas, concedendo mais poderes para as Forças Armadas atuarem junto à Polícia Nacional nas ruas. Na prática, eles têm feito operações e revistas pontuais.
Ao longo da semana, então, a tensão passou a se concentrar em sete presídios, onde 178 agentes e funcionários administrativos foram feitos reféns pelos detentos. Neste sábado (13), milhares de militares e policiais entraram, retomaram o controle das unidades, liberaram todos os que ainda estavam sequestrados e fizeram presos cantarem o hino nacional.
A fuga de Fito que foi o gatilho para toda essa crise, porém, ainda não foi explicada e está sendo investigada pelo Ministério Público. Nem sequer se sabe em que dia ela aconteceu.
Quando o sumiço veio a público, o secretário de Comunicação, Roberto Izurieta, disse a uma TV local que era “muito provável” que o criminoso tivesse escapado poucas horas antes da tentativa de transferência, após “infiltrações”.
Um ex-ministro do Interior, no entanto, tem colocado essa versão em dúvida. “A informação exata que recebi de vários oficiais é de que no dia 25 de dezembro, às 14h, Fito saiu pelo portão da prisão para uma consulta médica –só isso já é um absurdo. Ele voltou às 23h28, dez horas depois, com o rosto coberto. Esse fato foi comunicado, e ninguém falou nada. Silêncio total”, afirmou José Serrano, integrante do governo do ex-presidente Guillermo Lasso, a diferentes meios locais.
A cadeia onde Fito estava preso fica a 30 minutos do centro de Guayaquil, cidade mais populosa do Equador e um dos epicentros da crise de segurança que o país vive há cerca de três anos. Trata-se da chamada Regional, uma das cinco unidades do complexo penitenciário Guayas, que abriga mais de um terço da população carcerária do país (12 mil presos em 9.500 vagas).
Foi ali que, vestindo chapéu e lendo um livro, o líder da facção Choneros gravou o videoclipe de um “narcocorrido”, subgênero musical mexicano, que o retrata como “um homem de muita honra”. A gravação em alta qualidade e protagonizada por sua filha foi lançada em setembro passado, em episódio que até hoje as autoridades não conseguiram explicar.
Desde o último fatídico domingo, dezenas de militares montam guarda na frente do complexo, entrando com frequência. Mas foi pelo muro de trás, segundo eles, que outros presos fugiram da cadeia ao lado na noite de sexta (12), reacendendo os alertas. A Polícia Nacional falou em seis fugitivos, e o Snai (órgão responsável pelo sistema prisional), em dois, ambos recapturados.
A reportagem esteve no complexo Guayas no sábado. Um ex-detento que saía pelo portão, preso após não ter pago pensão alimentícia, contou ter ouvido bombas naquela madrugada, apesar de os soldados na portaria afirmarem que a fuga foi silenciosa.
As visitas estão suspensas em todas as unidades “porque os presos não estão se comportando bem”, disse um dos militares com o rosto coberto, ao lado de montinhos de lixo e tendas de comida que rodeiam um dos portões da prisão, que estão desertas na última semana.
Já os fundos do complexo, com longos muros cobertos por arames farpados, dão de frente para um dos rios que permeiam a cidade de Guayaquil e para uma enorme mata, onde um outro grupo de militares parecia fazer uma busca no sábado. Nas esquinas de cada pavilhão despontam guaritas, todas sempre vazias, dizem moradores.
Do lado de dentro, presos já relataram que Fito instalava piscinas, organizava festas e introduzia armas com drones, cobrando taxas semanais e obrigando-os a comprar coisas. No último fim de semana, em um pátio, os detentos escreveram “papa Fito” (papai Fito) com pedras brancas. Em uma quadra esportiva, era possível ler “com Fito semeamos paz”.
O complexo está na lista das unidades em que seguidas rebeliões e massacres de presos começaram a aparecer em 2021. A atomização das facções transformou os presídios em fortalezas e escolas do crime. Foram ao menos 15 episódios e 460 mortos desde então, segundo o jornal local Primicias, que terminaram transbordando para as ruas.
Ali, o líder dos chamados Los Choneros cumpria uma sentença de 34 anos desde 2011, acusado por homicídio, roubo e posse de arma. Ele também foi um dos principais nomes apontados nas investigações, ainda inconclusas, do assassinato do candidato à Presidência Fernando Villavicencio, em agosto passado.
O cartel de Fito, ligado ao Sinaloa do México, disputa rotas do tráfico de drogas com outros grupos que também têm conexões com organizações mexicanas e colombianas. Agora, é possível que ele tenha atravessado a fronteira, indicou o comandante das Forças Militares da Colômbia.
Fito foi visto fora da cadeia pela última vez em setembro, quando foi transferido temporariamente para outra prisão de segurança máxima em Guayaquil após o homicídio do candidato. Milhares de agentes o vigiavam, em uma das maiores operações realizadas pela gestão de Lasso.
O atual presidente, Daniel Noboa, agora quer extraditar os detentos estrangeiros, principalmente colombianos, venezuelanos e peruanos, e construir duas prisões de segurança máxima para 1.500 presos no total. Falta explicar, porém, como e até quando ele fará isso.
JÚLIA BARBON / Folhapress