BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Fora da lista de prioridades do Ministério da Fazenda, o modelo de meta contínua de inflação segue indefinido mais de três meses após o anúncio da mudança do sistema que estava vigente há 24 anos.
A decisão foi tomada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) em junho, mas até agora não foi publicado o decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) formalizando o novo desenho. O mecanismo servirá de bússola para atuação do Banco Central no combate à inflação nos próximos anos.
A partir de 2025, a autoridade monetária deverá buscar o alvo de 3% com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos sem se vincular ao chamado ano-calendário, ou seja, o período de janeiro a dezembro, como é hoje.
O tema aguarda análise do ministro Fernando Haddad (Fazenda) para avançar.
Para dar subsídio à decisão da pasta, a SPE (Secretaria de Políticas Econômicas), comandada por Guilherme Mello, elaborou um comparativo internacional entre países que adotam o modelo de meta contínua de inflação, destrinchando as diferentes metodologias, as particularidades institucionais e as variadas formas de prestação de contas.
Segundo Mello, a avaliação de Haddad ocorrerá “no momento mais adequado”. “Assim que o ministro avaliar, a gente vai definir um formato, dialogar com outros atores da economia e levar [a proposta] para o presidente [Lula]”, disse.
Ainda não há um modelo fechado, mas um membro da equipe econômica, ouvido pela Folha de S.Paulo sob reserva, defende que o horizonte de atingimento da meta não seja fixado em decreto e fique a cargo do BC, por ser o responsável pela execução da política.
Ao longo do último ano, a autoridade monetária trabalhou com um horizonte mais alongado para a convergência da inflação em direção às metas, sem seguir necessariamente o ano-calendário.
Em uma tentativa de suavizar o choque de juros no último ciclo de alta, o Copom (Comitê de Política Monetária) passou a olhar projeções de inflação para 18 meses à frente.
O prazo para cumprimento do objetivo não é o mesmo para todos os países que adotam o modelo de meta contínua, podendo variar de 12 a 24 meses.
Para esse interlocutor do governo, é preciso dar mais flexibilidade à norma para a construção de um sistema perene porque as necessidades podem mudar com o passar do tempo. Ele também sustenta que haja um número “razoável” de prestações de contas.
Logo após a decisão do CMN, Haddad disse que a tendência era que os esclarecimentos dados pelo BC se tornassem mais frequentes no novo sistema, embora o formato exato de prestação de contas ainda não estivesse fechado.
Hoje, quando a inflação anual fica fora do intervalo de tolerância, o presidente do BC precisa escrever uma carta ao ministro da Fazenda explicando as razões para o descumprimento.
Desde a criação do sistema de metas para a inflação no Brasil, em 1999, já foram escritas sete cartas duas de autoria de Roberto Campos Neto.
A lei de autonomia do BC, em vigor desde 2021, também determina que o chefe da autoridade monetária tenha de ir ao Congresso Nacional prestar esclarecimentos ao menos duas vezes ao ano.
No BC, quem está envolvido no debate é Diogo Guillen, diretor de Política Econômica. “A gente está em conversa com o Ministério da Fazenda e tem enfatizado que, com a autonomia, vem a prestação de contas. Tem vários modelos que você observa em outros países, seja através da apresentação de um relatório, seja o representante do Banco Central indo ao Congresso para explicar [suas decisões]”, disse.
“O objetivo aqui é não só explicar o que ocorreu e por que ocorreu, mas também o que fará diferente. É esse espírito também prospectivo de indicar se houver, por exemplo, uma violação da meta, qual é o caminho para retomar e atingir o centro da meta”, acrescentou.
As declarações foram dadas por Guillen após a apresentação do relatório trimestral de inflação, na semana passada, na sede do BC em Brasília.
Apesar de as discussões sobre o sistema de metas de inflação estarem em andamento, ainda não há previsão de quando o tema ganhará contorno definitivo. Isso porque, desde junho, o Ministério da Fazenda tem priorizado outros assuntos.
Até agosto, a equipe econômica tinha como foco a elaboração do PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual). Temas tributários e ambientais também ocuparam a agenda dos membros do governo nos últimos meses. Há duas semanas, a Fazenda anunciou o lançamento da consulta pública para uma taxonomia sustentável brasileira as regras para definir e caracterizar atividades sustentáveis. Agora, o governo tenta resolver o impasse em torno dos precatórios.
As projeções de inflação para prazos mais longos encontram-se estacionadas depois de uma melhora parcial nas estimativas.
As previsões para 2025 e 2026 atingiram 4% no primeiro semestre deste ano depois de ganhar força uma possível elevação da meta de inflação em meio a declarações contundentes do presidente Lula. Quando o CMN manteve o percentual em 3% como alvo no longo prazo, as projeções caíram para 3,5% ainda acima do centro da meta.
A mudança promovida no sistema de metas de inflação do Brasil foi elogiada pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) em seu mais recente relatório “World Economic Outlook”, que fala sobre perspectivas econômicas globais.
“A recente decisão do Brasil de adotar uma meta contínua de inflação de 3% a partir de 2025 é um exemplo concreto de uma melhoria na eficácia operacional e na estratégia de comunicação, ajudando a reduzir a incerteza e a aumentar a eficácia da política monetária”, afirmou o texto.
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ENTENDA O QUE MUDOU NO SISTEMA DE METAS DE INFLAÇÃO
Como funciona o sistema de metas de inflação?
O CMN (Conselho Monetário Nacional) formado pelos ministros da Fazenda, do Planejamento e pelo presidente do Banco Central, define uma meta de inflação a ser perseguida pela autoridade monetária por meio da política de juros. Até 2024, o cumprimento desse objetivo será verificado com base na variação de preços entre janeiro e dezembro de cada ano ou seja, segue o ano-calendário.
O que mudou no modelo?
A partir de 2025, o BC terá de perseguir uma meta contínua para inflação, ao longo de um horizonte de tempo, sem se vincular a um ano-calendário fechado. Na prática, ele pode definir um período mais amplo de tempo para buscar a convergência dos preços às metas. Um decreto presidencial ainda precisa ser editado para formalizar a mudança.
Qual será a meta de inflação de 2026?
O colegiado definiu que, em 2026, a meta será de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos (de 1,5% a 4,5%, na prática). Quando a mudança for formalizada, o objetivo será de 3% de forma contínua, sem necessidade de confirmações anuais.
Como ficam as metas de inflação de 2024 e 2025?
Não haverá alteração nas metas de inflação definidas anteriormente. Ou seja, o centro da meta para 2024 e 2025 será de 3%, também com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
Quem vai determinar o horizonte de cumprimento da meta?
De acordo com o ministro Fernando Haddad (Fazenda), em declaração após a decisão do CMN, o BC irá definir em qual espaço de tempo buscará a convergência da inflação à meta de 3%. Mas o titular da pasta ponderou na ocasião que o horizonte de 24 meses é o prazo adotado por outros países.
Quando o BC terá que se explicar por um eventual descumprimento da meta?
O formato ainda não está fechado e será formalizado por meio de decreto presidencial. Hoje, quando a inflação termina o ano fora do intervalo determinado, o presidente do BC precisa endereçar uma carta ao ministro da Fazenda no mês de janeiro subsequente para justificar o estouro da meta e detalhar medidas para resolver o problema. Segundo Haddad, a prestação de contas “tende a ser mais frequente”.
NATHALIA GARCIA / Folhapress