Modi não é de extrema direita, é um socialista com agenda de desenvolvimento social, diz ministro da Índia

NOVA DÉLI, ÍNDIA (FOLHAPRESS) – Na véspera da última fase de votação na Índia, o ministro Hardeep Puri, um dos mais poderosos do gabinete do primeiro-ministro Narendra Modi, mostra-se confiante: ele aposta que seu partido, o BJP, vai conquistar pelo menos 10% mais assentos do que no último pleito.

Foram 303 em 2019, e ele acredita que os resultados do dia 4 de junho revelarão a conquista de 333. Ele rejeita as previsões de que o desemprego em alta possa encolher a margem do partido no Parlamento, e rechaça acusações de que Modi seja de extrema direita e tenha adotado medidas autoritárias.

“Modi fez o desenvolvimento chegar aos mais pobres. Ele é um dos caras mais ‘socialistas’ com quem já cruzei, nesse sentido. Ele assumiu em 2014 e, em 2015, já implementou inúmeros programas sociais. E essa é a marca de seu governo, isso não é uma agenda de direita”, diz Puri, que acumula duas pastas, Habitação e Assuntos Urbanos e Petróleo e Gás Natural, ministérios que concentram alguns dos programas sociais responsáveis pela alta popularidade do premiê indiano, que governa o país desde 2014.

O ministro recebeu a reportagem da Folha de S.Paulo em seu gabinete na Akbar Road –antes de se juntar ao governo Modi em 2014, ele foi diplomata por mais de três décadas e serviu como embaixador no Brasil e representante da Índia junto à ONU.

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Pergunta – Qual é a sua expectativa para a eleição?

Hardeep Puri – Conquistamos 303 assentos da última vez [2019], acho que agora teremos 10% mais, cerca de 333 [de um total de 543, sendo necessários 272 para garantir uma maioria]. Não acredito em todas essas bobagens [que a oposição, o partido Congresso] está falando. Eles já previram que Modi ia perder em 2014, em 2019, então agora é o fim da linha para eles.

P. – A que se deve a popularidade de Modi?

H. P – Os benefícios do desenvolvimento estão chegando até a ponta, quando viajamos pela Índia, nós vemos, havia 74 aeroportos no país, agora há 150, as estradas, a eletricidade. Em 2019, havia 220 milhões de indianos beneficiados por algum dos programas sociais do governo. Agora, mais de 330 milhões. Modi conseguiu unir o desenvolvimento social.

P. – Alguns analistas temem que, caso o BJP conquiste uma maioria muito ampla, será uma carta branca para Modi adotar medidas autoritárias e mudar a Constituição.

H. P – Sim, essa narrativa de que, com 340, ele vai se tornar um ditador. Olha, precisamos de uma maioria confortável, não importa se vão ser 293 ou 330 assentos, já será suficiente para não gerar preocupações.

P. – Mas uma margem muito grande não pode funcionar como um enfraquecimento dos freios e contrapesos, dos limites para o poder do primeiro-ministro?

H. P – A democracia está arraigada na Índia. Os indianos nunca aceitarão imposições. A única vez em que a democracia esteve ameaçada na Índia foi quando a primeira-ministra Indira Gandhi [do partido Congresso, hoje oposição] impôs o período de emergência em 1975, que restringiu as liberdades civis. Hoje, temos um primeiro-ministro eleito democraticamente, e ficam lançando ataques contra ele.

P. – Modi não é um extremista de direita?

H. P – Não! Quais são as marcas registradas da extrema direita? Modi fez o desenvolvimento chegar aos mais pobres. Ele é um dos caras mais ‘socialistas’ com quem já cruzei, nesse sentido. Ele assumiu em 2014 e, em 2015, já implementou inúmeros programas sociais. E essa é a marca de seu governo, isso não é uma agenda de direita. Também dizem que ele é focado em promover a agenda do hinduísmo…

P. – Não é?

H. P – O hinduísmo é mais um modo de vida do que uma religião no sentido formal de proselitismo, de querer converter os outros. Mas tínhamos um problema –os hindus se sentiam como uma minoria perseguida em seu próprio país [são 80% da população]. Então uma das grandes qualidades de Modi é que ele acredita em recuperar o caminho de uma grande civilização, isso traz confiança para lidar com o presente. O Japão é um exemplo. Modi é pragmático.

P. – Dos 283 atuais membros do parlamento (Lok Sabha) do BJP, apenas um é muçulmano. Não é um sinal?

H. P – Nossos membros do parlamento não são escolhidos dessa maneira. Eu sou o único Sikh do gabinete [membro da religião Sikh]. Tivemos um muçulmano [Mukhtar Abbas Naqvi] que foi Ministro dos Assuntos das Minorias por muito tempo [5 anos]. Grande parte dos porta-vozes do governo são muçulmanos.

P. – E a retirada da autonomia relativa da Caxemira, o único estado de maioria muçulmana na Índia [mudança do artigo 370 da constituição, em 2019]?

H. P – O estado está bombando, a economia está indo muito bem, e os muçulmanos de lá apoiam Modi. Aliás, há também muitas mulheres muçulmanas que vão votar no BJP, afinal, Modi acabou com o triplo talaq [lei religiosa que permitia ao muçulmanos se divorciarem de suas mulheres simplesmente repetindo três vezes a palavra talaq].

P. – A proposta de reforma do Código Civil, que iria se aplicar a todos e não mais permitiria especificidades religiosas, é criticado por muçulmanos.

H. P – Você consegue imaginar uma coisa dessas no Brasil? Se você é muçulmano, pode ter quantas esposas quiser, se não é, não pode…a lei deve ser aplicada a todo mundo…e essa decisão está vindo dos estados, não do governo central.

P. – E se a oposição estiver correta e o BJP tiver um resultado pior que em 2019, a que se deverá isso?

Isso não vai acontecer. As pesquisas de boca de urna [das seis fases anteriores de votações] não podem ser divulgadas, mas sabemos os resultados e eles apontam para uma situação confortável.

H. P – A Índia sofreu críticas por aumentar as importações de petróleo da Rússia, diante de pressões dos EUA e UE para que países impusessem sanções contra o regime de [Vladimir] Putin. Quem disse que não podemos comprar da Rússia? Não tem nenhuma sanção [multilateral] contra a Rússia. Eles ofereceram os melhores preços. O primeiro-ministro só deve satisfações aos eleitores. E, durante seu governo, não deixamos que houvesse falta de combustível e mantivemos os preços sob controle.

P. – O Brics se tornou um foro dominado pela China após esse aumento no número de membros patrocinado pelos chineses?

H. P – Não quero comentar um assunto que é do meu colega, Ministro das Relações Exteriores [S. Jaishankar]. Mas tenho uma sensação que teremos de lidar com muitos desses desafios que estão surgindo.

P. – Analistas dizem que o Brasil deveria emular a índia, porque o melhor posicionamento a se ter em meio à guerra fria entre China e EUA é o do país, que consegue se manter não alinhado.

H. P – É difícil julgar. Quando eu servi no Brasil, costumava dizer que muitas das preocupações mais urgentes de um país são determinadas por seus vizinhos. Os vizinhos da Índia são a China e o Paquistão. Os do Brasil são Argentina, Paraguai… Nós temos disputas territoriais e um dos países vizinhos, o Paquistão, usa o terrorismo como política de estado.

RAIO-X | HARDEEP SINGH PURI, 72

É ministro da Habitação e Assuntos Urbanos e do Petróleo e Gás Natural. Antes, foi ministro da Aviação Civil e do Comércio e Indústria. Também é membro da Câmara Alta da Índia, a Rajya Sabha, eleito em 2020. Antes de entrar para a política, foi diplomata por 40 anos, e serviu como embaixador no Brasil e representante permanente da Índia junto à ONU. Ele fez mestrado em História na Universidade de Delhi.

PATRÍCIA CAMPOS MELLO / Folhapress

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