SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A maestria artística da atriz Jéssica Teixeira foi lapidada em anos de aulas de música, canto, dança e pesquisas teatrais até chegar ao espetáculo “Monga”, criado, interpretado e dirigido por ela com dois objetivos principais: brilhar em cena e questionar padrões.
Habitante de um corpo estranho, como costuma descrever, Jéssica usa essa condição como matéria bruta para a construção da dramaturgia que tem como “nó poético” a história da mexicana Julia Pastrana (1834-1860), uma cantora e bailarina poliglota mundialmente conhecida como “mulher macaco” devido a uma condição genética rara, a hipertricose terminal, que deixava seu rosto e corpo cobertos de pelos.
Pastrana viveu apenas 26 anos, porém, o seu corpo mumificado seguiu sendo explorado durante 153 anos após a morte, exibido em uma cabine de vidro ao lado do filho que ela perdeu horas após o nascimento. Foi sepultada apenas em 2013, no México, após uma mobilização de artistas locais.
“Eu não tenho a intenção de apresentar uma biografia dessa importante multiartista e nem reconstruir o número que a deixou famosa e foi adotado em tantos circos. Meu maior objetivo é aumentar as chances de futuros mais dignos para corpos como os nossos na sociedade, no mercado de trabalho, na arte e na indústria cultural”, afirma a atriz.
Jéssica não reproduz o número de “freak show” que teve origem nas apresentações de Pastrana e optou por deixar tudo à mostra na performance solo de uma hora e meia.
Ela descreve o cenário, semelhante a um estúdio de fotografia com luzes e tripés, apresenta a equipe que manipula os aparatos à vista do público e oferece shots de cachaça. “Vocês vão precisar”, avisa.
Com o corpo nu e uma máscara de gorila que ora cobre o seu rosto, ora é manipulada de outras formas, a atriz dança, canta, lembra a história da mexicana e faz questionamentos à plateia, que reage com fascínio, perturbação, doses de risadas e, às vezes, constrangimento.
“Quem nunca se sentiu estranho?”, pergunta. A artista ironiza a boa vontade das políticas inclusivas e afronta os olhares piedosos ou compreensivos.
Um globo de boate e um chão coberto de material cenográfico que simula espelhos quebrados intensificam a noção de espetáculo da performance. E a canção “O Real Resiste”, de Arnaldo Antunes, tocada nos primeiros minutos da apresentação, é uma espécie de abre-alas para o que virá.
“Não sou um animal selvagem para que você, escondido, tire foto minha sem autorização prévia. Também não sou um animal doméstico para que você venha falar comigo, querendo tocar em mim”, diz trecho da dramaturgia.
“Monga”, que estreou na 7ª edição do Mirada – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas em Santos e está em cartaz no Sesc Avenida Paulista, em São Paulo, é o segundo solo de Jéssica.
No primeiro, “E.L.A.”, de 2019, ela investigou cenicamente o próprio corpo e a interação dele com o mundo. A performance ainda circula por festivais nacionais e internacionais.
A atriz começou a estudar artes cênicas aos sete anos, é graduada em teatro pela Universidade Federal do Ceará e mestre em artes pela mesma universidade, com a dissertação “Um corpo em estado de demolição”.
Integrou grupos cearenses como os Comedores de Abacaxi S/A, a Trupe Motim e a banda Casa de Velho antes de começar a trajetória como artista solo, movida pela inquietude que a levou a transformar o corpo em manifesto político.
MONGA
– Quando Quinta a sábado, às 20h. Domingos, às 18h. Não haverá apresentação no dia 6/10. Sessões extras nos dias 16 e 23/10, às 20h
– Onde Sesc Avenida Paulista
– Preço R$ 60 (inteira), R$ 30 (meia-entrada) e R$ 18 (credencial plena)
– Autoria Jéssica Teixeira
– Elenco Jéssica Teixeira
– Direção Jéssica Teixeira
CRISTINA CAMARGO / Folhapress