Montadoras chinesas aproveitam brigas na Anfavea para se aproximar do governo

FOLHAPRESS – Às vésperas da publicação de um novo programa de incentivo para o setor automotivo, as fabricantes de veículos têm feito movimentos desarticulados. As divisões dentro da Anfavea (associação das montadoras) abriram espaço para as fabricantes chinesas, que não fazem parte da entidade, apresentarem suas propostas ao governo.

A falta de consenso pode atrasar a divulgação do novo plano –que, mais uma vez, deve se pautar em benefícios tributários para estimular a fabricação local. A eficiência energética será a base, com ênfase no uso do etanol e na eletrificação.

A Anfavea espera que a segunda etapa do programa Rota 2030 –que deve se chamar Mobilidade Verde– inclua o retorno gradual do Imposto de Importação.

Em sua última apresentação de dados sobre produção e vendas, o presidente da associação, Márcio de Lima Leite, defendeu o retorno da cobrança do imposto de importação (35%) sobre veículos eletrificados e o estabelecimento de cotas para a chegada desses carros ao país. O principal alvo são as marcas chinesas.

Outro ponto levantado é uma nova taxa com base em regras ambientais. Essa questão, que não passou por votação na entidade, busca limitar a entrada de manufaturados vindos de países que têm legislações ambientais mais permissivas que as normas brasileiras.

A entidade diz que o Brasil deixou de arrecadar neste ano cerca de R$ 2 bilhões por conta da isenção do Imposto de Importação sobre elétricos. Desse total, R$ 1,1 bilhão é relativo a veículos importados da China.

O engenheiro Cassio Pagliarini, que é sócio da consultoria Bright, acredita que o possível retorno do imposto de importação terá uma progressão lenta. “Ninguém vai conseguir se instalar aqui se houver uma taxa alta.”

Pagliarini lembra que não é possível apresentar um carro elétrico nacional no curto prazo, por isso as importações devem continuar viáveis para que haja a massificação da tecnologia e a melhoria da infraestrutura de recarga.

A ideia agrada a montadoras que trazem poucos veículos “verdes” para o Brasil e planejam investir na produção nacional de modelos híbridos flex ou mesmo alimentados apenas por eletricidade. Entre essas estão a Volkswagen e o grupo Stellantis, que reúne as marcas Fiat, Jeep, Citroën, Peugeot e RAM.

Mas essas empresas não dividem a mesma mesa. Devido à disputa que envolve a manutenção dos benefícios fiscais na região Nordeste, GM, Volks e Toyota iniciaram uma cruzada que incluiu dossiês e visitas frequentes aos ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento.

O alvo das queixas é o grupo Stellantis –que produz veículos Fiat Jeep e RAM na cidade de Goiana (PE)–, e aí os temas se misturam. Além de presidente da Anfavea, Marcio de Lima Leite é vice-presidente Sênior de relações institucionais e jurídico da montadora na América do Sul.

Na última coletiva de imprensa da associação, no dia 5 de setembro, Leite apontou para as fotos dos ex-presidentes e se defendeu das afirmações feitas nos bastidores por algumas das associadas da entidade.

“Naquela galeria há 19 presidentes da Anfavea, e eu sou o vigésimo. Nunca se discutiu aqui benefícios regionais, Sudam, Sudene, nenhum tipo de incentivo. Temos pilares básicos na associação, e um deles é produzir no Brasil. Mas onde se vai produzir no Brasil, não é competência da Anfavea.

“Nenhum desses presidentes se posicionou sobre questões regionais, e agora, igualmente, eu faço o mesmo.”

As rusgas públicas que dificultaram as negociações com o governo são inéditas. “Nunca houve uma cisão como essa, até a ABVE [Associação Brasileira do Veículo Elétrico] se entende melhor”, diz Cassio Pagliarini, que trabalha no setor automotivo desde 1980.

Enquanto as associadas da Anfavea se desentendem, as montadoras chinesas procuram se aproximar do governo. Há cerca de dez dias, representantes da GWM se reuniram com Geraldo Alckmin, vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Os executivos apresentaram propostas para o novo programa de incentivo à indústria.

O encontro, portanto, aconteceu uma semana antes das agendas de GM, Toyota e Volkswagen com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

A ida a um ou outro ministério também é sinal de desencontro. Montadoras têm se queixado da falta de articulação entre as pastas desde o anúncio do programa que reduziu temporariamente o preço de veículos novos à venda no mercado nacional.

Um exemplo é o que ocorre com as discussões sobre transição energética, tema central do novo programa. Embora a indústria esteja sob a responsabilidade de Alckmin, é a Fazenda que cuida do tema mais importante quando o assunto é viabilidade dos carros elétricos.

Um executivo do setor definiu a situação como um emaranhado de iniciativas que não se conversam. Nesse aspecto, as disputas dentro da Anfavea não têm ajudado a unir as pontas, pois falta consenso entre as associadas. Enquanto isso, os chineses avançam.

Em nota, a GWM disse “apoiar a estratégia do governo de não se limitar apenas a discutir a alteração ou não da alíquota de importação para veículos elétricos”. “Acreditamos que o governo vai apresentar um programa robusto, capaz de promover uma verdadeira reindustrialização do setor automotivo brasileiro”, disse Ricardo Bastos, diretor de Assuntos Institucionais da GWM. Embora o plano não seja tão robusto assim, a fala busca estreitar o relacionamento com Brasília.

“A GWM entende que ainda não chegou o momento de discutir a revisão das alíquotas de imposto de importação, pois esses volumes ainda são muito baixos”, diz a nota enviada pela montadora chinesa. “Para que os consumidores brasileiros tenham acesso a novas tecnologias, é importante não desestimular o crescimento do mercado de veículos eletrificados.”

A empresa tem investido em temas que agradam tanto ao governo federal como ao de São Paulo. A fábrica de Iracemápolis (interior de SP) está recebendo um investimento de R$ 10 bilhões e, além da produção de carros de passeio e comerciais leves, há a estratégia voltada para a produção de veículos pesados abastecidos com hidrogênio verde.

A BYD é ainda mais agressiva em sua estratégia de se aproximar das diferentes esferas do poder. Não por acaso, criou um posto de conselheiro para Alexandre Baldy, que foi ministro das Cidades na gestão de Michel Temer.

Antes de Baldy, a montadora teve Eduardo Paes, atual prefeito do Rio, entre seus executivos.

Espera-se que, no próximo mês, a empresa chinesa anuncie seus planos definitivos para a produção na Bahia. A Ford reverteu a propriedade de seu complexo industrial em Camaçari para o estado, afirmando que o processo ocorrerá mediante o ressarcimento de investimentos realizados na área. Espera-se que o espaço abrigue a fábrica chinesa.

Embora haja um empenho conjunto para conseguir segurar a volta do imposto de importação, BYD e GWM tem uma briga direta no segmento de veículos compactos elétricos. Os modelos Dolphin e Ora 3, que custam R$ 150 mil, querem o posto de mais vendido da categoria. Mas é disputa à moda antiga, sem as intrigas registradas entre as associadas da Anfavea.

EDUARDO SODRÉ / Folhapress

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