Morador de rua que obteve maioria no STF passou 11 meses preso pelo 8/1 e brigou com bolsonaristas

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O primeiro réu dos ataques golpistas de 8 de janeiro que teve sua absolvição defendida pelo ministro Alexandre de Moraes e pela maioria do STF (Supremo Tribunal Federal) ficou preso durante quase 11 meses no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília.

Pessoa em situação de rua, Geraldo Filipe da Silva, 27, foi detido junto ao grupo que depredou as sedes dos três Poderes e sempre disse ter chegado aos atos daquele dia por curiosidade, devido aos helicópteros que sobrevoavam a praça.

O STF formou maioria nesta quinta-feira (14) para absolvê-lo. O julgamento no plenário virtual da corte será concluído nesta sexta-feira (15).

O placar na noite desta quinta estava em 6 a 0 a favor da absolvição de Geraldo —com os votos de Moraes, relator do processo, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Flávio Dino, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso. Ainda faltam votar cinco ministros.

Até a conclusão da sessão virtual, o julgamento pode ser interrompido por pedido de vista (mais tempo para análise) ou de destaque (transferência para o plenário da corte).

Até este mês, 116 pessoas já foram condenadas pelos ataques, com penas que vão de 3 a 17 anos. A PGR (Procuradoria-Geral da República) apresentou ao menos 1.400 denúncias contra acusados.

Geraldo foi denunciado pela Procuradoria sob a acusação de crimes como tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado democrático de Direito e associação criminosa armada.

Tornou-se réu após o Supremo aceitar a denúncia e ficou preso até a última semana de novembro na Papuda. Na penitenciária, teve atritos com militantes bolsonaristas por dizer que não era apoiador do ex-presidente.

A própria PGR voltou atrás e pediu que ele fosse absolvido, após uma advogada que assumiu a defesa de Geraldo de forma voluntária apontar que não há provas de que ele era parte do grupo que defendeu golpe de Estado e destruiu bens públicos.

Geraldo foi preso no dia dos ataques sob a suspeita de ter depredado uma viatura policial em frente ao Congresso Nacional. Quem o apontou aos policiais como autor da depredação, porém, foram outras pessoas que participavam dos ataques.

Ao ser preso, contou que havia se alimentado naquele dia em um centro de assistência social na Asa Sul (bairro de Brasília) e que se aproximou da multidão por acaso. Relatou que vivia havia três anos no Distrito Federal e que tinha saído de Pernambuco após conseguir um empréstimo do Auxílio Brasil.

Disse ainda, em depoimento à Polícia Federal, que inicialmente chegou a Brasília porque fugia de uma facção criminosa. Sua defesa nega que isso seja verdade e afirma que ele sofre de transtornos mentais, alegando ser perseguido também por outras pessoas.

Ao chegar em meio à multidão em frente às sedes dos três Poderes, foi chamado pelos manifestantes de infiltrado e petista. Ele também foi ameaçado de espancamento.

Geraldo não levava consigo facas ou outras armas. Foi preso quando tentou fugir da praça dos Três Poderes, naquele momento já palco de enfrentamento entre forças de segurança e manifestantes.

Dois policiais militares ouvidos como testemunha confirmaram que Geraldo foi detido após “um grupo de pessoas cercá-lo e agredi-lo”.

A advogada que assumiu o seu caso, Tanieli Telles de Camargo Padoan, apontou que Geraldo não aparece no vídeo que mostra a depredação da viatura policial em frente ao Congresso e que isso foi fundamental para a PGR mudar de opinião.

“Não há elementos probatórios suficientes que permitam afirmar que o denunciado uniu-se à massa, aderindo dolosamente aos seus objetivos, com intento de tomada do poder e destruição do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo”, disse Moraes em seu voto.

A advogada afirma ter conhecido Geraldo no fim de abril do ano passado, na Papuda. Ela é de Santa Catarina e foi a Brasília defender outras pessoas da sua região que foram presas no 8 de janeiro.

Tanieli diz que se “deparou com um cenário de horror” na ocasião, com outras pessoas pedindo para serem representadas. A defensora diz atuar em aproximadamente 140 casos do 8 de janeiro.

Após assumir a defesa de Geraldo, ela buscou o contato com a família dele e conseguiu localizar a mãe, que mora em Fortaleza. Em novembro, Geraldo foi solto mediante a imposição de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica.

“Ele vive na rua. Onde vai cumprir a prisão domiciliar? Onde vai carregar a tornozeleira?”, diz a advogada, relatando questionamentos que foram levantados à época.

Tanieli montou uma vaquinha para que ele conseguisse viver em uma quitinete, mas afirma que Geraldo mesmo assim teve problemas para cumprir as medidas.

Quando ele deixou a prisão, a advogada também organizou uma pequena comitiva para recebê-lo, porque os outros presos costumam ser recepcionados por suas famílias. “Na saída dos bolsonaristas, todo mundo fazendo festa. E para o Geraldo? Ninguém, apenas nós”, conta.

Ela critica as fundamentações que levaram a Procuradoria-Geral da República a denunciar quem estava nos atos do 8 de janeiro, e também para deixar pessoas como o seu cliente na prisão.

“Ele foi preso porque estava passando pela Esplanada [dos Ministérios] e estava de roupa preta. Não tinha celular, não tinha nada. Estava descalço, com o pé todo arrebentado”, diz. “Geraldo nunca entendeu o que foi a manifestação do dia 8. Nunca descobriu, ainda apanhou e foi preso.”

Tanieli ainda critica o que considera o caráter genérico das denúncias. “Só mudam os nomes [dos acusados] e a qualificação. São genéricas para todos eles. Não existe individualização nessas denúncias.”

JOSÉ MARQUES / Folhapress

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