Moradores da Vila Mariana fazem protesto e reclamam de pressão de construtora por venda de casas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Moradores da Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, dizem estar sendo incomodados e alvos de pressão da incorporadora Madala, em nome da construtora You,Inc, para que vendam suas casas. Há seis meses, mesmo após diversas negativas, os corretores estariam insistindo em propostas, contatando parentes dos proprietários e espalhando boatos de que o bairro já estaria todo vendido e a demolição começaria em breve.

“Esta casa não está à venda” é a frase de várias placas fixadas em casas que ficam na quadra formada pela rua Hildebrando Thomáz de Carvalho, travessa Humberto I e rua Octávio de Moraes Dantas. O protesto é resposta direta ao suposto assédio e a placas instaladas pela construtora anunciando que ali haveria um lançamento.

A divulgação da empresa é feita nas poucas casas que aceitaram a venda —5 das mais de 30 que ocupam o local, dizem os moradores. As placas, contudo, foram retiradas dali logo após a reportagem questionar a construtora.

“Estão adoecendo as pessoas”, diz Maria Luiza Araujo, 70, jornalista aposentada que mora na região desde que nasceu. Ela afirma que, após bloquear os corretores que faziam propostas, ligaram para sua filha, que mora no interior do estado, dizendo que não conseguiam contatar a proprietária.

“Eles são péssimos, vieram até nosso portão dizer que naquela semana iam colocar tapumes até a esquina e demolir tudo, como forma de nos intimidar.”

Procurada por emails, ligações e mensagens, a Madala não respondeu à reportagem.

Já a You,Inc, em um primeiro momento, pediu desculpas e disse que investigaria se os corretores eram associados à empresa. Na manhã seguinte, junto à retirada das placas, a You,Inc enviou uma segunda nota afirmando que valoriza “a construção de relacionamentos harmoniosos com nossos clientes, além de manter um compromisso contínuo com a qualidade de nossos serviços”, sem assumir a autoria do contato com os moradores.

Em relação aos imóveis com placas de “breve lançamento” (veja abaixo), a construtora disse não ser proprietária. “No entanto, estamos em fase de negociação e já firmamos contratos de compra e venda com alguns deles”, acrescentou.

A You,Inc não explicou a razão de ter colocado ou retirado as placas, nem se prosseguiu com as investigações, como mencionado inicialmente.

Procurada, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento afirmou que não consta, até o momento, pedido de Alvará de Aprovação ou Execução de Obra Nova nas três ruas mencionadas. Também não foi localizado pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente pedido de manejo arbóreo.

A Subprefeitura Vila Mariana disse que enviará uma equipe ao local para realizar uma vistoria. Caso sejam encontradas irregularidades, a construtora poderá ser multada, afirmou a pasta.

ABORDAGEM INDESEJADA

Ocorrências como essa se tornam mais comuns com o mercado imobiliário aquecido, afirma a advogada Viviane Chu Porcel, integrante da Ibradim (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário).

“Proprietários vêm reclamando muito de ligações indesejadas quando seus imóveis nunca estiveram à venda. Isso infringe questões como sigilo de dados e [configura] até assédio, mesmo”, diz.

No caso da Vila Mariana, Porcel diz que, diante da insistência, por ter parentes contatados sem a permissão e devido aos boatos espalhados, tudo isso pode ensejar uma “ação por danos morais, com pedido liminar de suspensão de contatos dos corretores sob pena de multa diária”.

O uso da placa, na avaliação da advogada, pode ser considerado propaganda enganosa. “Isso é informação falsa, pois não há empreendimento sem que a maioria feche contrato. Não podem anunciar.”

O Secovi-SP (sindicato da habitação), o SindusCon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil de Grandes Estruturas) e a Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) afirmam que não oferecem qualquer cartilha ou código de ética para orientar seus representados sobre como corretores devem lidar com proprietários de imóveis.

CÓRREGO SUBTERRÂNEO PREOCUPA

Uma eventual construção sobre córregos subterrâneos também preocupa a vizinhança.

“Desde que subiram três torres aqui, a rua Octávio de Moraes Dantas recebe ininterruptamente uma água limpa, que alaga a rua e corrói sarjetas e asfalto, tamanha a quantidade”, diz trecho de carta aberta escrita pelos moradores.

Tanto a prefeitura como a construtora não comentarem este ponto.

De acordo com a plataforma GeoSampa, da prefeitura, o terreno é cortado pelo córrego Caaguaçu, afluente do Boa Vista que alimenta o lago do Ibirapuera.

Os moradores já contrataram um engenheiro que possa comprovar, em laudo, o impacto ambiental relativo à construção de prédios nessa área, na qual o lençol freático é raso. Eles se baseiam no caso da Chácara das Jabuticabeiras, um subdistrito da Vila Mariana próximo ao local.

Em seu processo de tombamento, emitido em 2022, consideram-se as “características locais […] que observa as nascentes e drenagem das águas pluviais, determinando um modelo de planejamento urbano com atributos especiais na cidade de São Paulo”.

ÁREA VALORIZADA

A casa em que Maria Luiza mora fica a poucos metros da estação Ana Rosa do metrô. Trata-se de uma região que integra os chamados Eixos de Estruturação da Transformação Urbana, criados pelo Plano Diretor, revisado no ano passado.

A revisão aumentou de 600 para 700 metros as áreas de ZEUs (Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana). São áreas que acompanham eixos de transporte e em cujos terrenos é permitido construir mais que no restante da cidade, em edificações sem limite de altura.

Tamanho potencial supervalorizou os terrenos desses locais.

DIEGO ALEJANDRO / Folhapress

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