SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O risco de que bairros exclusivamente residenciais deem lugar a comércios e prédios de até 40 andares acendeu alerta entre moradores de Guarujá, no litoral paulista. A mudança foi incluída em uma minuta para a revisão do Plano Diretor do município, apresentada pela prefeitura em maio.
Associações de bairro argumentam que a ilha não tem infraestrutura de abastecimento de água, tratamento de esgoto, transporte coletivo e espaço viário para dar conta do crescimento populacional que a mudança pode provocar.
Enquanto isso, o Ministério Público estadual recomendou que a prefeitura suspenda o cronograma da revisão e mostre estudos técnicos que justifiquem as propostas –a gestão do prefeito Válter Suman (PSDB) disse à Promotoria que esses estudos estão sendo feitos.
Os planos para as praias de Guaiúba e Pernambuco, onde as casas de alto padrão são maioria, despertaram as maiores reclamações. Hoje, os dois bairros estão entre os poucos em que a lei proíbe a construção de edifícios e qualquer atividade que não seja residencial.
A minuta da prefeitura sugere que eles se tornem zonas mistas, ou seja, permitam atividade comercial em meio às residências. Na praia de Pernambuco, a altura máxima dos prédios chegaria a 125 metros. O tamanho aumentaria de acordo com a distância para a praia, deixando a orla com gabarito máximo de oito metros.
O receio dos moradores é com as sombras que seriam projetadas nas casas do entorno e com a capacidade da cidade para suportar um influxo de novos moradores. Durante o inverno, até os coqueiros da praia já fazem sombra que chega à água do mar a partir das 15h.
“Geograficamente, a praia do Pernambuco é um lugar que realmente vai ter problema em qualquer construção: lá não existe esgoto, as casas até hoje têm fossa. Vai fazer prédio como?”, questiona o historiador Enrique Dias, presidente do Centro de Documentação e Memória de Guarujá.
Dias classifica a revisão do Plano Diretor como o tema “mais importante da história da cidade de Guarujá”. Ele argumenta que as mudanças são insustentáveis, principalmente por considerar que a densidade populacional na ilha já está saturada. O município tem mais de 50 favelas, segundo dados da prefeitura.
“A praia de Pernambuco já tem estudos de que em dez anos ou mais não haverá mais faixa de areia”, conta a presidente da Sociedade Amigos do Bairro Praia Pernambuco, Tatiana Castellani. “E eles ainda querem fazer prédios”, reclama.
Um desses indicadores de que o nível do mar subirá muito ali é o mapa de risco à erosão costeira do litoral paulista, mantido pelo governo estadual de São Paulo. A praia de Pernambuco é classificada com risco muito alto de erosão, quando se calcula que mais de 60% da faixa de areia deve desaparecer.
MORROS AO REDOR DE GUAIÚBA SÃO TOMBADOS
No caso da Guaiúba, há outro agravante ambiental. O bairro é cercado por morros que são tombados pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico), o que deveria restringir grandes mudanças urbanísticas ao seu redor. A prefeitura, no entanto, prevê uma permissão para construções mais altas numa avenida que passa pelo centro do bairro.
O órgão estadual está analisando a regulamentação da área em volta dos morros, segundo a prefeitura. “Caso o Condephaat mantenha o entendimento atual, o gabarito máximo das edificações na Praia do Guaiúba deve ficar em torno de 12,5 metros, condizente com o zoneamento de baixa densidade mantido na região”, diz administração.
O Ministério Público diz que a população da cidade ainda não conhece qualquer estudo que demonstre qual é a base para a proposta. “Até o momento a sociedade teve acesso ao diagnóstico e prognóstico, mas não aos estudos que os embasaram”, disse o promotor Osmair Chamma Junior, por meio de nota.
A previsão é que as audiências públicas sobre o Plano Diretor comecem em agosto. A prefeitura ainda não divulgou o cronograma de encontros com a população, que pode fazer sugestões à minuta até o fim do mês. A intenção é aprovar a mudança na lei urbanística até o fim do ano
PROPOSTA SERÁ DISCUTIDA EM AUDIÊNCIAS, DIZ PREFEITURA
A Prefeitura de Guarujá disse, por meio de nota, que concluiu em março de 2021 um estudo diagnóstico sobre problemas e possíveis soluções para a cidade. A gestão municipal diz que essa análise está sendo usado como base para a proposta da minuta, que será discutida em audiências públicas.
Sobre o Jardim Guaiúba, a prefeitura diz que a altura máxima na orla não deve mudar, e citou a regulamentação em estudo pelo Condephaat. “No caso do Pernambuco, ainda que haja a intenção de subir o gabarito, será necessário obedecer ao gabarito de sombreamento”, disse a gestão Válter Suman.
“Referente ao saneamento básico, a Prefeitura acompanha de perto o Plano de Aplicação e Investimentos da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) no Município. De acordo com um relatório apresentado pela concessionária, a cobertura de coleta de esgoto atualmente atende 86% da Cidade.”
TULIO KRUSE / Folhapress