BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – “O coração da gente dói quando vamos visitar as vovozinhas, e elas pedem para a gente ligar para a Usiminas e pedir que diminuam o pó”. É assim que Maria das Graças Ribeiro, 72, funcionária pública aposentada, resume os relatos que ouve ao fazer trabalho voluntário na área de assistência social no bairro Bela Vista, em Ipatinga, região leste de Minas Gerais.
O bairro da cidade no Vale do Aço é o mesmo em que mora há 45 anos. A reclamação das “vovozinhas” com as quais conversa durante sua jornada como voluntária é também a sua própria.
A queixa é feita por moradores de pelo menos quatro bairros do entorno da Usiminas, uma das principais siderúrgicas de Minas Gerais, inaugurada em Ipatinga há 67 anos.
A empresa afirma que vem seguindo todos os compromissos assumidos com o Ministério Público de Minas Gerais e com a comunidade de Ipatinga para a redução das emissões de partículas sedimentáveis.
O material a que os moradores se referem -e a empresa chama de partículas sedimentáveis- é mais conhecido na cidade como “pó preto”. Ele sai da siderúrgica durante o processo de produção de aço. Habitantes de bairros próximos associam as emissões a câncer no pulmão, alergias e rinites.
O marido de Maria das Graças morreu de câncer de pulmão. Há ainda reclamações sobre a impossibilidade de manter as casas abertas e os gastos excessivos com limpeza.
Depois de 45 anos, há ainda, no caso de Maria da Graças, como relata, a sensação de que nada vai mudar. Também pensa assim o vice-presidente da Associação de Moradores do bairro Iguaçu, Adílson Marcelino da Cunha, 56.
“O povo não acredita mais que vai melhorar. Tem uma sensação de ‘jogar a toalha'”, afirma.
As declarações dos moradores, dadas ao promotor Rafael Pureza, constam em ação aberta pelo MP-MG (Ministério Público de Minas Gerais) contra a Usiminas em março deste ano com pedido de pagamento de indenização por quase sete décadas de lançamento de poluentes no ar de Ipatinga.
A ação do Ministério Público não faz parte de negociações entre a Promotoria e a Usiminas para redução da poluição, que são realizadas concomitantemente.
Em setembro de 2023, dentro da ação, a Justiça em Minas Gerais determinou o bloqueio de R$ 346 milhões da Usiminas, posicionamento que foi revertido depois de recurso da empresa.
Nas negociações para a redução da poluição na cidade ficou acertado, segundo o promotor Rafael Pureza, a contratação, com processo já iniciado, de consultoria independente para mostrar a relação do chamado “pó preto” com doenças.
“O impacto na qualidade de vida e no bem-estar já está comprovado. Saúde é um estado de completo bem-estar físico e mental. O ‘pó preto’ altera o bem-estar das pessoas, tanto físico como mental, e até mesmo a forma com a qual as pessoas se relacionam socialmente”, diz o promotor.
Fotos anexadas à ação do Ministério Público mostram, por exemplo, mãos e pés sujos de moradores e uma pá repleta de pó retirado após varrição de casa.
Maria Inês da Silva Oliveira, 56, viúva, administradora de imóveis, mora no bairro Cariru há 15 anos. Ela afirma que, quando se mudou para lá, o problema não era como agora.
“É possível deslizar no pó que se acumula na garagem”, diz. “Uma vez voltei de um passeio e, ao entrar em casa, tinha tanto pó que comecei a chorar”, conta. “A comunidade tem um sentimento de revolta, tristeza e decepção.”
A administradora de imóveis afirma que a comunidade tem medo e insegurança por causa da possível correlação do pó com problemas de saúde.
A professora Maristania de Sousa Resende Soares, 63, moradora do bairro Cariru desde 1981, em seu depoimento ao Ministério Público, diz que problemas alérgicos de seus filhos só desapareceram depois que ambos se mudaram. “As pessoas vivem para limpar ‘pó preto'”, afirma.
A Prefeitura de Ipatinga não respondeu a questionamento da reportagem sobre efeitos do “pó preto” especificamente na saúde da população.
Em nota, disse que trabalha para reduzir os impactos causados pela atividade exercida pela empresa Usiminas, sobretudo no que diz respeito à poluição atmosférica.
“Isso tem sido feito por meio de ações de planejamento urbano, com ênfase na arborização e preservação de áreas verdes”, diz.
“O Executivo tem realizado amplo plantio de árvores em áreas urbanas, criando cinturões verdes. Estes cinturões desempenham papel fundamental na absorção de poluentes gasosos e na filtragem de material particulado pelas árvores”, afirma também a prefeitura.
Também em nota, a Usiminas, além de dizer que cumpre compromissos assumidos com o Ministério Público, instalou uma central de monitoramento e uma rede automática de monitoramento de partículas lançadas na atmosfera.
A Usiminas cita ainda aportes financeiros feitos na cidade. “Só neste ano de 2023, a empresa está investindo R$ 500 milhões em projetos para melhorar o desempenho ambiental”, diz a siderúrgica.
LEONARDO AUGUSTO / Folhapress