SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Falta de informação sobre alimentação somada a uma baixa disponibilidade de alimentos saudáveis a preços acessíveis explicam um maior consumo de ultraprocessados em periferias brasileiras, segundo um estudo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
A pesquisa mostrou que moradores de bairros segregados têm menor consumo regular de frutas e legumes se comparado aos que vivem em regiões com maior poder de compra.
Ao serem questionados sobre o que entendiam como saudável, os entrevistados mencionaram orgânicos, vegetais, carnes, arroz e feijão como exemplos, enquanto massas e alimentos ultraprocessados foram citados quando a pergunta foi inversa.
Os participantes do estudo disseram ainda que, se fosse possível financeiramente, comeriam mais frutas, alimentos orgânicos e peixes.
Falta de tempo para preparar as refeições, poucas informações e escassez de recursos financeiros são alguns dos empecilhos mencionados pelos entrevistados que justificam a falta de uma alimentação saudável regular.
O fenômeno observado é chamado de “transição alimentar”, conforme explica Maria Laura Louzada, nutricionista e diretora do departamento de meio ambiente, sustentabilidade e cultura alimentar da Abeso (Associação Brasileira do Estudo de Obesidade e Síndrome Metabólica).
“Vemos a troca da comida tradicional, como arroz e feijão, por alimentos ultraprocessados, geralmente promovidos por publicidade”, diz.
O cenário, segundo Louzada, é o contrário de países como os EUA, onde esses produtos são acessíveis. “Aqui, no Brasil, sempre foram mais caros, mas vemos uma inversão disso. Hoje são moradores de zona rural, com menos escolaridade e menor renda que consomem esse tipo de produto.”
Doutoranda em saúde pública pela UFMG e porta-voz do estudo, Luana Lara Rocha esclarece que a pandemia ajudou a moldar o atual cenário alimentar das comunidades. Segundo ela, após a crise sanitária os alimentos processados ficaram ainda mais baratos.
“Aumentou o acesso a esses produtos e esses alimentos estão matando a fome das pessoas porque eles têm uma maior quantidade calórica, mas pouca quantidade de fibras e nutrientes. Então, tudo é muito artificial e alimenta menos”, diz.
Além da dificuldade de acesso a alimentos mais saudáveis, tanto por questão de preço, quanto por localização, os moradores de regiões periféricas também se queixaram da qualidade dos alimentos ofertados em vendas e mercadinhos locais.
“Nessas regiões, a gente tem mais estabelecimentos vendendo ultraprocessados do que alimentos saudáveis, como os que são os in natura”, informou Rocha.
A pesquisa mostrou que, no geral, até as promoções as quais os moradores de comunidade têm acesso, são de alimentos ultraprocessados ou próximos ao vencimento.
Dificuldade para circular livremente dentro de determinadas comunidades ou horário reduzido de funcionamento dos estabelecimentos em função de toque de recolher são exemplos de como a violência a qual esses moradores estão submetidos também influencia no padrão de alimentação, de acordo com a pesquisa.
O levantamento apontou ainda que parte dos entrevistados entende a alimentação saudável como aquela estabelecida por ferramentas como a pirâmide alimentar. Essa classificação, segundo a pesquisa, enfraquece aspectos culturais e sociais da alimentação.
“Esse tipo de ferramenta hoje está aposentada, pois ignorava o processamento de alimentos”, informa Louzada. Ela diz que hoje é utilizado a categorização nova de alimentos, definida pelo Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde.
A atenção a uma alimentação saudável é questão de saúde básica, segundo Rocha. Como exemplo, a pesquisadora cita as feiras de rua, em especial, as orgânicas e promovidas por órgãos públicos, como é o caso da feira municipal de Belo Horizonte.
“São espaços públicos de segurança alimentar e nutricional que deveriam estar em regiões mais vulneráveis, para que as pessoas com menor poder aquisitivo conseguissem ter acesso a um alimento saudável, seguro e sem agrotóxicos”, diz Rocha,
No caso da refeição fora de casa, o estudo constatou que a prática é rara entre esses moradores. Quando podem comer fora, optam por restaurantes e lanchonetes para consumo de sanduíches, pizzas e sorvete.
Já na questão do delivery, para eles existe uma recorrência maior aos fins de semana e uma preferência por refeições menos saudáveis.
Foram convidados para o estudo 27 moradores maiores de idade de favelas brasileiras, sendo 80% mulheres. Residiam em comunidades na região Sudeste 60% dos entrevistados.
ANDREZA DE OLIVEIRA / Folhapress