SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Moradores e comerciantes das ruas Prates, João Kopke e Afonso Pena, todas no Bom Retiro, no centro de São Paulo, temem a possível transferência da cracolândia para a região. O plano foi anunciado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A intenção de Freitas é que os dependentes químicos fiquem concentrados nas imediações do Complexo Prates, que reúne um Caps (Centro de Atenção Psicossocial) para viciados em álcool e outras drogas, dois abrigos (um para crianças e adolescentes, outro para homens adultos), uma AMA (Assistência Médica Ambulatorial) e um centro de convivência.
A ideia do governador já enfrenta grande resistência de quem vive ou transita pela região. Um abaixo-assinado virtual criado nesta quarta-feira (19) já contava com mais de 3.600 assinaturas por volta das 18 horas. O documento, elaborado pelo Conseg Bom Retiro, tem como título “Não à transferência da Cracolândia para o Bom Retiro”.
Entre a manhã e a tarde desta quarta, a reportagem percorreu a rua Prates, onde fica o complexo. Há escolas, hotéis, restaurantes, templos religiosos e bazares nas proximidades do complexo. Perto dali, na rua Afonso Pena, fica um grande conjunto de edifícios residenciais.
Nas calçadas que margeiam o abrigo, foi possível visualizar cerca 30 sem-teto. Nenhum deles consumia crack. Um outro vizinho do complexo é a sede do Denarc (delegacia de narcóticos).
A possível chegada da cracolândia assusta os funcionários de uma escola localizada a três quadras do abrigo. A unidade tem 600 alunos.
A diretora da Luminova Bom Retiro, Luciana Monte, 38, teme que haja mudança no trajeto a ser feito por pais e alunos até o colégio, que iniciou as suas atividades em 2019. “Vai ser complicado. Os pais não vão ter a segurança de deixar os filhos. Se torna um tanto perigoso, mais do que já é.”
Antes das férias de julho, ao menos dois jovens do ensino médio foram atacados com faca e golpe de mata-leão enquanto caminhavam da estação da Luz até o estabelecimento de ensino, afirmou a diretora.
O engenheiro Felipe Santos, 36, é síndico de um condomínio na rua Afonso Pena que reúne 270 apartamentos. Seu principal temor é que o bairro sofra com a desvalorização e com os mesmos problemas dos vistos na região da praça Princesa Isabel, que viu comércios fecharem com a dispersão dos usuários de drogas. “Não queremos que o Bom Retiro vire os Campos Elíseos.”
Para a funcionária de um hotel, que preferiu não ser identificada, a migração para a rua Prates deve provocar a falência do estabelecimento, que recebe turistas de diversos estados atraídos pela grande variedade de lojas de roupas, principalmente nas ruas José Paulino e da Graça.
Moradora há 40 da rua João Kopke, uma mulher afirmou que a cracolândia ali será um caos.
As pessoas que conversaram com a reportagem se mostraram traumatizadas com a primeira tentativa de concentrar os dependentes na região.
Há cerca de dez dias, usuários de drogas foram levados, sob escolta da polícia e de guardas-civis metropolitanos, da Santa Efigênia para o espaço embaixo do viaduto Orestes Quércia, também no Bom Retiro. Eles voltaram para a área que ocupavam antes horas depois.
A gestão Tarcísio de Freitas está fazendo um “censo” dos frequentadores da cracolândia para separar moradores de rua, dependentes químicos e traficantes e, depois, levar os usuários de drogas para o novo endereço.
O governador afirmou que ainda não há uma estratégia pronta para fazer a migração do chamado fluxo de usuários, muito menos certeza de que a ideia terá sucesso.
O prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse na manhã desta quarta-feira que não foi informado do plano de migração para o Complexo Prates. Ele ressaltou que a concentração de dependentes químicos tem uma dinâmica própria e que cabe ao poder público oferecer tratamento aos usuários.
PAULO EDUARDO DIAS / Folhapress