BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), teve a liberdade novamente concedida nesta sexta-feira (3) por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
O ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) estava preso desde 22 de março, um dia após a revista Veja revelar áudios em que ele atacava Moraes e colocava em xeque a lisura do seu acordo de colaboração premiada e a investigação da Polícia Federal.
Além de soltar Cid, o ministro também manteve integralmente o acordo de colaboração do tenente-coronel. Segundo ele, “foram reafirmadas a regularidade, legalidade, adequação dos benefícios pactuados e dos resultados da colaboração à exigência legal e a voluntariedade da manifestação de vontade”.
Moraes acatou pedido da defesa do militar após a PF analisar material apreendido durante a prisão e ouvir o próprio Cid. A Procuradoria-Geral da República foi favorável à soltura e à manutenção do acordo.
Cid chegou a sua casa, no Setor Militar Urbano de Brasília, por volta de 17h30, num carro preto. Ele foi recebido por familiares.
O ministro concedeu a liberdade provisória mediante a manutenção das medidas cautelares anteriormente decretadas, entre elas o impedimento de manter contato com outros investigados.
Cid havia sido preso por “descumprimento das medidas cautelares e por obstrução à Justiça”.
“Você pode falar o que quiser. Eles não aceitavam e discutiam. E discutiam que a minha versão não era a verdadeira, que não podia ter sido assim, que eu estava mentindo”, disse no áudio o ex-ajudante de ordens.
Ele também fez nesses áudios duras críticas a Moraes. “O Alexandre de Moraes é a lei. Ele prende, ele solta, quando ele quiser, como ele quiser. Com Ministério Público, sem Ministério Público, com acusação, sem acusação”, afirmou.
O tenente-coronel ainda dizia que teria havido um encontro do magistrado com Bolsonaro, sem dar maiores detalhes. “Eu falei daquele encontro do Alexandre de Moraes com o presidente, eles ficaram desconcertados, desconcertados. Eu falei: Quer que eu fale?.”
Questionado em depoimento se confirmava o conteúdo dos áudios, Cid disse que sim, mas que não se lembra quando e com quem falou. Ele alegou estar com problemas financeiros e familiares.
“Não tem ideia de quando aconteceu. Está sofrendo exposição midiática muito grande que prejudica as relações. Está com problemas financeiros e familiares. Está prestes a ser promovido. Esse mês de março, por causa da promoção, está mais sensível”, afirmou, de acordo com a transcrição.
“Tudo que falou foi um desabafo. Não sabe se os áudios estão em ordem correta. Que perdeu tudo que tinha. Foi apenas um desabafo. Uma forma de expressar.”
Nos áudios, Cid também acusou Alexandre de Moraes de já ter uma sentença pronta sobre os casos de Bolsonaro e do próprio Cid. “Ele já tem a sentença pronta. Só tá esperando passar um tempo. O momento que ele achar conveniente, denuncia todo mundo, o PGR [procurador-geral da República] acata, aceita e ele prende todo mundo.”
Após ser preso, Cid disse à PF que a afirmação também foi um desabafo por causa dos seus problemas atuais e da exposição midiática.
“É um desabafo, quer chutar a porta e acaba falando besteira. Genérico, todo mundo, acaba dizendo coisas que não eram para serem ditas. Em razão da situação que está vivendo, foi um desabafo”, afirmou.
Uma das perguntas feitas a Cid após a prisão foi sobre a quem ele se referia quando disse em um dos áudios que todos se deram bem e ficaram milionários. Segundo ele, a referência era a Bolsonaro e aos generais envolvidos.
“Estava falando do presidente Bolsonaro que ganhou Pix, aos generais que estão envolvidos na investigação e estão na reserva. E no caso próprio perdeu tudo. A carreira está desabando. Os amigos o tratam como um leproso, com medo de se prejudicar”, disse.
Como mostrou a Folha, dados do Coaf mostram que Bolsonaro arrecadou ao menos R$ 17 milhões em uma vaquinha para doações via Pix.
A decisão pela soltura também cita trecho do depoimento em que Cid afirma querer manter a colaboração premiada e diz que o acordo foi realizado “de forma espontânea e voluntária”.
“O colaborador Mauro César Barbosa Cid, devidamente acompanhado por seus advogados constituídos e na presença da representante da Procuradoria-Geral da República, reafirmou a total higidez da colaboração premiada realizada pela Polícia Federal e homologada pelo Supremo”, diz Moraes.
Na decisão, o ministro citou manifestação da Procuradoria na qual foi dito que Cid compareceu à PF “por mais de uma vez, onde assinou novos termos de declaração e prestou informações complementares sobre os áudios divulgados.”
“Os elementos trazidos aos autos indicam que o investigado segue contribuindo com as investigações e que permanecem hígidos os requisitos legais do acordo”, disse a Procuradoria.
Moraes afirmou que no último dia 26 foram feitas diligências complementares requeridas pelos policiais com a presença do militar na PF.
Segundo o magistrado, “não se verifica a existência de qualquer óbice à manutenção do acordo de colaboração”. “Apesar da gravidade das condutas, nessa exato momento, não estão mais presentes os requisitos ensejadores da manutenção da prisão.”
Cid confirmou em sua delação, por exemplo, que aliados de Bolsonaro monitoravam em 2022 os passos de Moraes para eventualmente prendê-lo caso o ex-presidente decidisse levar adiante medidas para impedir a posse de Lula. Havia entre as minutas golpistas a previsão de detenção do ministro, que é presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Ele confirmou ainda que ocorreram reuniões entre Bolsonaro e os chefes militares para tratar de estratégias jurídicas para dar o golpe. Os mesmos fatos foram confirmados posteriormente pelos comandantes do Exército e da Aeronáutica.
Essas informações são hoje o ponto central da investigação sobre a tentativa de golpe que a PF desenvolve dentro do inquérito das milícias digitais.
A delação de Cid foi acertada enquanto a PF avançava sobre suspeitas de que o militar e seu pai, o general Mauro Lourena Cid, teriam vendido joias recebidas por Bolsonaro como presentes de Estado para o ex-presidente ficar com o dinheiro.
Para fechar a delação, Mauro Cid se comprometeu também a colaborar a investigação da PF sobre a fraude no cartão de vacinação que o militar teria feito para permitir que familiares e Bolsonaro pudessem viajar aos Estados Unidos mesmo sem terem sido imunizados contra a Covid-19.
FABIO SERAPIÃO / Folhapress