SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O gasto dos bets dos mais pobres, com renda familiar de até R$ 5.648 por mês, é o quádruplo, na proporção do orçamento comprometido, da fatia gasta com apostas das pessoas pela classe A (os que recebem mensalmente mais de R$ 28.240).
A mordida deixada pelas bets no bolso das pessoas das classes D e E passou de 0,27% do orçamento em 2018 para 1,38% em 2023. Nas mais ricas, subiu de 0,15% para 0,36%. Na média de todos os lares, a subida foi de 0,2% para 0,7% no mesmo período, segundo relatório do Santander.
Esse número se refere à renda total das famílias, o que aumenta o prejuízo efetivo para os domicílios em que há apostadores, uma vez que, hoje, apenas uma minoria joga. Estudo do Banco Central mostrou que um quarto dos 20 milhões de beneficiários do programa Bolsa Família fizeram apostas em agosto.
Os economistas fizeram a projeção com base na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2018 do IBGE e no crescimento do mercado de apostas no período, a partir de dados do Banco Central. A metodologia foi elaborada pela consultoria PwC e reproduzida pelo banco.
Diferentemente de estudo publicado pelo Santander em junho, o novo relatório aponta que as bets não levaram a números piores no comércio e no endividamento, em um resultado alinhado ao prognóstico do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços do governo Lula (PT). A inclusão dos prêmios pagos pelos sites de apostas nas contas determinou o resultado distinto.
Ainda assim, os autores argumentam que o gasto com apostas se tornou um vetor a mais de concentração de renda no país, uma vez que alguns ganham e outros perdem, às vezes tudo.
O economista da corretora do Santander Ítalo Franca afirma que os números de varejo, lazer e crédito deveriam estar melhores do que o cenário atual de estagnação, considerando as seguidas altas na massa salarial no país para este ano, a estimativa da casa é de crescimento entre 6,5% e 7%, em um cenário de inflação baixa.
“Esse dinheiro todo tenderia a ir ao consumo, mas o setor que cresceu expressivamente foi o das apostas”, diz Franca.
Os rendimentos das classes C, D e E destinados a apostas antes tinham como destino a poupança para 52% dos apostadores, para bares, restaurantes e delivery, em 48% dos casos, e a compra de roupas e acessórios, para 43% dos respondentes, segundo levantamento do Instituto Locomotiva.
A análise do Santander traz como paralelo um estudo sobre o mercado regulado de apostas dos Estados Unidos entre 2018, quando a atividade começou a ser liberada em alguns estados, e 2023. Assinado por pesquisadores das universidades de Kansas, Northwestern e Brigham Young, o artigo indica que as famílias diminuíram em 14% os recursos destinados à poupança e aos investimentos de longo prazo.
“Nos Estados Unidos, o mercado é mais desenvolvido, as pessoas podem recorrer primeiro às economias”, diz a analista da corretora do Santander Maria Paula Cantusio. “No Brasil, em que a população mal tem poupança, a primeira coisa que ocorre é deixar de consumir e recorrer a empréstimo”, acrescenta.
O relatório do Santander ainda mostra que o gasto per capita do brasileiro com apostas deve dobrar até 2029 e atingir os US$ 18 (R$ 102). A cifra local ainda está abaixo da média global US$ 9 (R$ 51) contra US$ 12 (R$ 68), de acordo com dados da plataforma Statista ponderados por parâmetros populacionais do Banco Mundial.
No Reino Unido, o valor alcança US$ 201 (R$ 1.145), enquanto nos Estados Unidos chega a US$ 74,2 (R$ 422,81). O artigo acadêmico sobre as apostas em território americano indica que as despesas médias com apostas por família passaram de US$ 0 para US$ 280 (R$ 1.595) por trimestre, entre 2018 e 2023.
A análise mostrou ainda que os americanos diminuíram as movimentações de recursos para plataformas de investimento amigáveis ao grande público no período e começaram a associar as apostas às ações de alto risco que compravam anteriormente.
Esse padrão se repete no Brasil, de acordo com o economista do Santander, visto que a maioria dos jogadores afirma apostar “para ganhar dinheiro”, segundo levantamento do Instituto Locomotiva.
“O governo não pode olhar as apostas como uma questão fiscal ou de arrecadação, a discussão passa por saúde mental, política pública e educação financeira”, disse.
PEDRO S. TEIXEIRA / Folhapress