Morre aos 94 anos a economista Maria da Conceição Tavares

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Morreu neste sábado (8), aos 94 anos, a economista Maria da Conceição Tavares, economista desenvolvimentista que se tornou uma das maiores influências da esquerda não marxista no Brasil

De acordo com amigos e familiares, ela estava em casa, e morreu dormindo, durante a madrugada. A morte foi confirmada pelo reitor da UFRJ, Roberto Medronho. As informações sobre velório e sepultamento ainda não foram divulgadas.

Em redes sociais, o presidente Luiz Inacio Lula da Silva homenageou a economista.

Ao deixar para trás os rigores da ditadura salazarista e do inverno português, no início de 1954, Maria da Conceição Tavares dava, aos 23 anos, uma guinada definitiva em sua vida.

Acostumada aos tristes fados lisboetas, essa “europeiazinha quadrada”, como se autodefiniria mais tarde, desembarcou no Rio de Janeiro em pleno Carnaval, ao som da marchinha “Saca-rolha”, o grande sucesso daquele verão. O contraste cultural se estendia ao ambiente político: o Brasil, sob Getúlio Vargas, era uma democracia.

Essas mudanças todas marcavam o início de sua aventura no país adotado: participar da construção de uma civilização nos trópicos. O entusiasmo com que se dedicou à ambiciosa tarefa foi despertado durante a ebulição intelectual que caracterizou o governo de Juscelino Kubitschek, iniciado em 1956. Não por acaso, no ano seguinte, ela adotaria a cidadania brasileira.

O terreno em que Conceição Tavares se movimentaria já estava definido desde os tempos de Portugal. Por vocação, continuaria no meio acadêmico. Recém-formada em matemática, voltou aos bancos escolares para estudar economia. Formou-se em 1960, pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e em seguida foi treinada na Cepal (Comissão Econômica para a América Latina).

Na UFRJ, teve como professor Octavio Gouvêa de Bulhões, um expoente da corrente liberal, cuja ênfase era o equilíbrio fiscal. Na Cepal, porém, deixou-se facilmente convencer pela teoria que privilegia o desenvolvimento. “Fui formada dentro de duas escolas de tradições antagônicas”, afirmou certa vez. “É por isso que até hoje consigo falar com os dois lados, quando tenho paciência.”

Com frequência, ela não tinha. Suas explosões em público a tornaram mais conhecida do que suas teses. Se a elite brasileira a aborrecia com seu conservadorismo, ela dizia que essa classe privilegiada era um “lixo”; se o presidente FHC se revelava diferente do intelectual que ela conhecera, tachava-o de “traidor”. Assumia-se uma “portuguesa dramática”.

Foi por seus argumentos, porém, e não pela estridência com que os expunha, que Conceição Tavares se tornou uma das maiores influências da esquerda não-marxista no Brasil. A economista desancava o imperialismo, mas não se tratava apenas de retórica inflamada. Ela apontava a assimetria entre economias centrais e periféricas como um obstáculo concreto a ser superado. E mostrava seu roteiro.

O ponto de partida se encontrava na própria escola cepalina: a ideia de que o desenvolvimento deve ter por base a industrialização voltada para o mercado interno. Mas como colocar isso em prática num país atrasado como o Brasil? É aí que entra o conceito da “industrialização retardatária”, que Conceição Tavares ajudou a elaborar. Em resumo, é a defesa da participação do Estado no processo de atrair investimento e tecnologia para viabilizar a produção de bens de capital, sem o que a industrialização não reduz a dependência externa.

Dos anos 1960 a 1980, ainda longe da atenção do grande público, Conceição Tavares ocupou espaços em que era possível aplicar sua visão heterodoxa da economia –o avesso do enfoque monetarista, dominante nos centros do poder. Entre outras atividades, foi assessora do governo socialista de Salvador Allende no Chile e, de volta ao Brasil, em 1973, ajudou a disseminar o pensamento cepalino na UFRJ e na Unicamp, onde lecionou.

O prestígio profissional e o reconhecimento de seus méritos acadêmicos, até por parte de adversários, ajudaram a empurrar Conceição Tavares para o front da política partidária. Economista do PMDB desde os tempos de oposição ao regime militar, ela se tornaria figura pública em março de 1986, quando, emocionada, chorou diante das câmeras de TV ao apoiar o Plano Cruzado, anunciado dias antes, em meio à expectativa de que combateria desigualdades sociais, a maior bandeira de sua vida.

O plano anti-inflacionário –obra dos “meus meninos”, como ela se referia aos ex-alunos que estavam no governo Sarney– congelou preços, elevou salários e teve vida curta. O fracasso do Cruzado levou Conceição Tavares a um período de silêncio.

A economista só se desligaria do PMDB depois da eleição presidencial de 1989, por considerar que o candidato que assessorava, Ulysses Guimarães, tivera votação inexpressiva devido a um boicote da legenda.

As novas gerações a conheceram mais pela militância petista, iniciada em 1994, quando foi eleita deputada federal pelo Rio de Janeiro. O mandato coincidiu com o início do Plano Real, do qual ela foi crítica de primeira hora, ao chamar atenção para a inconsistência da valorização cambial como âncora para os preços. Em 1996, quando a crise ainda não havia estourado, comparou: “O Cruzado foi para o espaço, mas não quebrou o país. Já o Real pode quebrar o país, mas o plano continuará bem”.

Em 1998, quando várias de suas previsões se concretizaram, Conceição Tavares não tentou se reeleger. De outras tribunas, inclusive no artigo mensal que escrevia na Folha de S.Paulo, manteve elevado o tom da crítica a FHC.

Com a ascensão do PT ao poder em 2003, a economista se veria, pela primeira vez, na posição de madrinha de funcionários do primeiro escalão, como Carlos Lessa, na época presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) –o banco de fomento onde, quase meio século atrás, com o sotaque carregado de recém-chegada, ela começou a trabalhar como analista matemática.

Seis meses após a posse de Lula, porém, ela já não poupava a equipe econômica. Considerava politicamente inaceitável que o Estado brasileiro fosse destruído a pretexto de um ajuste fiscal impossível de ser mantido devido aos juros elevados. O apoio inicial começava a dar lugar ao “fogo amigo”.

Mais tarde, chamou de “imbecil” a política de juros de Lula, mas sem negar apoio ao presidente. A economista também elogiou Dilma Rousseff, classificando-a como “essa menina competente”, desde os tempos em que ela era responsável pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

OSCAR PILAGALLO / Folhapress

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