Morre Jean-Marie Le Pen, líder histórico da ultradireita na França, aos 96

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Jean-Marie Le Pen, figura histórica da ultradireita da França, morreu aos 96 anos nesta terça-feira (7). A informação foi confirmada por familiares do político à agência de notícias AFP.

O líder ajudou a fundar um partido que se tornou central na política francesa nos últimos anos, o Frente Nacional (FN), depois rebatizado de Reunião Nacional (RN). Na época da criação da legenda, em 1972, ele aglutinou uma direita extremista fragmentada desde o fim do regime de Vichy.

Jean-Marie seguiria chamando a atenção da opinião pública francesa com declarações ofensivas e polarizadoras pelos 50 anos seguintes, uma postura confrontadora que em certa medida prenunciou aquela dos líderes de ultradireita populistas que ascenderam nos anos 2010.

O radical conservador acabou sendo expulso da FN pela própria filha, Marine Le Pen, em 2015. Ela, que hoje lidera as pesquisas de intenção de voto para as próximas eleições presidenciais, operou um bem-sucedido processo de suavização de imagem da legenda ao assumir a sua liderança em 2011, atenuando a retórica extremista da sigla e expulsando dela membros mais propícios a provocar controvérsia.

Pai e filha compartilhavam de um mesmo objetivo, no entanto: a Presidência da França. Enquanto Marine concorreu três vezes ao Eliseu, nas duas últimas perdendo para o atual presidente, Emmanuel Macron, Jean-Marie o fez em cinco ocasiões ao longo de sua duradoura carreira política.

A última delas foi em 2007, quando terminou em quarto lugar, em uma amostra de sua diminuída influência. Já a eleição em que ele chegou mais perto de ganhar foi a de 2002. Naquele ano, o então candidato surpreendeu ao desbancar o socialista Lionel Jospin e avançar para o segundo turno contra Jacques Chirac.

Dezenas de milhares de pessoas foram às ruas protestar contra Jean-Marie, e ele acabou perdendo para Chirac por uma grande margem, obtendo apenas cerca de 18% dos votos, contra 82% do presidente reeleito.

A plataforma política do ultradireitista, que nos últimos anos envolvia uma forte aversão à migração, ao islamismo e à União Europeia (UE), nem sempre foi consistente. Mas sua retórica inflamada se manteve ao longo de suas décadas na política, que incluiu passagens pela Assembleia Nacional e pelo Parlamento Europeu.

Suas declarações antissemitas, racistas, xenófobas e racistas o fizeram ser condenado pela Justiça diversas vezes. Negacionista do Holocausto, ele disse que as câmaras de gás nazistas eram “um detalhe” da Segunda Guerra Mundial e minimizou a ocupação nazista da França, sugeriu que o vírus ebola era uma solução para controlar o crescimento populacional e afirmou que ambientalistas eram comunistas disfarçados, entre outros.

Jean-Marie nasceu na cidade portuária de La Trinité sur Mer, no oeste da França, em 1928. Ele lutou por seu país na guerra colonial da Indochina, que terminou com a independência de Vietnã, Camboja e Laos, e na tentativa frustrada da tomada do Canal de Suez antes de ganhar suas primeiras eleições legislativas, aos 27 anos.

Ele interrompeu o mandato para participar da guerra de independência da Argélia. Uma declaração dele em defesa da tortura dos argelinos pelo Exército francês levantou suspeitas de que ele teria participado de atos do tipo, o que ele nega.

O político enfrentava problemas de saúde pelo menos desde abril de 2023, quando sofreu um infarto. Em 2024, sua ausência em um julgamento do RN por suspeitas de desvio de fundos públicos do Parlamento Europeu foi justificada pela “profunda deterioração” de seu estado físico e psicológico.

O presidente Emmanuel Macron ofereceu suas condolências à família do ultradireitista. “Cabe à história julgar” o papel de Jean-Marie na história da França, afirmou ele em um comunicado.

Enquanto isso, figuras centrais da ultradireita francesa lamentaram a morte do líder. Jordan Bardella, que assumiu a presidência do RN depois que Marine deixou o cargo, em 2022, escreveu que seus pensamentos estavam com “sua família, seus entes queridos, e com Marine, é claro, cujo luto deve ser respeitado”.

“Ele esteve sempre ao serviço da França e defendeu a sua identidade e soberania”, acrescentou na publicação no X.

Eric Zemmour, ultradireitista que concorreu contra Marine em 2022, afirmou na mesma rede social que o legado de Jean-Marie “será sua visão e sua coragem em um momento em que os corajosos eram poucos”. “Para além das controvérsias, o que lembraremos dele nas próximas décadas será que ele foi um dos primeiros a alertar a França sobre as ameaças existenciais que a aguardavam.”

Já o radical de esquerda Jean-Luc Melénchon afirmou que a batalha contra o ultradireitista acabou, mas “a luta contra o ódio, o racismo, a islamofobia e o antissemitismo […] continua”.

LINHA DO TEMPO

1928 Nasce em La Trinité sur Mer, cidade portuária no oeste da França

1956 É eleito para a Assembleia Nacional e inicia carreira política

1972 Ajuda a fundar partido de ultradireita Frente Nacional (FN)

1974 Concorre à Presidência pela primeira vez; fica em quarto lugar, com 0,74% dos votos

1984 Vence eleições para o Parlamento Europeu e inicia período de 35 anos como eurodeputado

2002 Disputa segundo turno das eleições contra o então presidente, Jacques Chirac, sob intensos protestos; perde por grande margem

2011 Marine Le Pen, sua filha, o substitui na liderança da Frente Nacional (FN)

2015 É expulso da Frente Nacional (FN) em meio à suavização de imagem do partido

2018 Frente Nacional (FN) se torna Reunião Nacional (RN)

2023 Sofre ‘infarto leve’

2024 Ausenta-se de julgamento por suspeitas de desvio de fundos públicos devido à condições de saúde

CLARA BALBI / Folhapress

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