José Gregori, ministro da Justiça no governo FHC e uma referência na defesa da democracia, morreu neste domingo (3), aos 92 anos, em São Paulo. Ele estava internado havia mais de dois meses e teve complicações por causa de uma pneumonia.
Filiado ao PSDB, Gregori foi secretário nacional de Direitos Humanos (1997-2000) e ministro da Justiça (2000-2001) na gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O advogado também foi membro fundador da Comissão Arns, grupo criado em 2019 para monitorar violações de direitos humanos.
O velório ocorrerá nesta segunda-feira (4), das 8h às 14h, na Funeral Home, no bairro da Bela Vista (região central). Segundo a família, Gregori estava consciente até poucas horas antes da morte.
“Meu pai foi uma pessoa pública que defendeu a democracia até o fim. Sempre defendeu a dignidade da pessoa humana, lutando por um Brasil democrático, justo e solidário”, disse Maria Stella Gregori, uma das três filhas do advogado.
O paulistano foi uma voz influente no enfrentamento à ditadura militar (1964-1985), traço lembrado por personalidades ao lamentar sua morte neste domingo, bem como sua história na defesa da cidadania, dos direitos humanos e da democracia.
O advogado defendeu presos durante o regime militar e também integrou a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, que nos anos 1970 foi uma referência para familiares de torturados e presos políticos.
Gregori, que se formou na Faculdade de Direito da USP, estava no prédio em 1977 e fez o discurso que precedeu o de Goffredo da Silva Telles Jr. na famosa “Carta aos Brasileiros”, documento que entrou para a história como um dos marcos na luta pela redemocratização.
No ano passado, em meio às ameaças golpistas de Jair Bolsonaro (PL), assinou a “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito” e, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, afirmou: “Para as novas gerações eu digo: o Estado democrático de Direito é como se fosse o 5G”.
Gregori foi um dos tucanos de relevo que declararam apoio à eleição do presidente Lula (PT) em 2022. Na época, ele divulgou uma carta afirmando que ajudou a “derrotar a ditadura brasileira” e que a recondução do então presidente seria “muito negativa”.
Ao longo do governo Bolsonaro, o ex-ministro participou de uma série de manifestos e iniciativas contra ações de Bolsonaro contrárias aos pilares democráticos e reafirmando a defesa dos direitos humanos. Sua atuação nessa área sempre foi intensa, independentemente do governo de turno.
A morte de Gregori foi recebida com tristeza por personalidades de vários matizes ideológicos, dos universos político e jurídico e da sociedade civil.
Lula divulgou nota de pesar, afirmando que o advogado “sempre foi um grande defensor dos direitos humanos e do Estado democrático de Direito no Brasil, principalmente nos momentos mais desafiadores para nossa democracia”.
O presidente afirmou ainda que Gregori “defendeu sempre seus ideais, mesmo nos momentos mais difíceis da nossa história recente” e expressou condolências aos familiares, amigos, companheiros de militância política e admiradores.
A Fundação FHC emitiu nota em que afirmou lamentar profundamente o falecimento de Gregori, que, além de ex-auxiliar, também era amigo de Fernando Henrique. “Ele foi um democrata e um defensor dos direitos humanos em mais de 60 anos de vida pública”, ressaltou o texto.
O presidente estadual do PSDB, Marco Vinholi, disse que em nome do diretório paulista do partido expressa profundos sentimentos pela perda do ex-ministro, a quem se referiu como “uma das mais importantes referências da luta pelos direitos humanos e pelo Estado democrático de Direito”.
“Gigante que deixa uma trajetória brilhante de legado ao Brasil”, afirmou Vinholi.
O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, disse que a vida do advogado “foi marcada por um firme compromisso com os direitos humanos e com a consolidação da democracia”.
“Muito obrigado, José Gregori. Seu legado jamais será esquecido”, afirmou. Gregori foi um dos responsáveis pela criação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que ocupou no governo FHC e originou o ministério hoje ocupado por Silvio Almeida. Ele também deu apoio à instalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.
O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que foi filiado ao PSDB por 33 anos, disse estar consternado com a morte de Gregori, com quem conviveu como colega na Assembleia Legislativa de São Paulo na década de 1980, e lembrou o apoio dele à chapa presidencial no ano passado.
“O ministro Gregori é símbolo da luta pela democracia, pela legalidade e pelos direitos humanos no Brasil, ajudou a fincar as bases dessa luta. Lula e eu tivemos a alegria e o prestígio do seu apoio durante a campanha. Que Deus conforte a família e os amigos”, afirmou Alckmin.
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, disse que o advogado foi “um homem fabuloso, que se dedicou a vida toda ao povo brasileiro”. O auxiliar de Lula afirmou ainda que o ex-ministro “sempre teve lado na defesa da democracia brasileira”.
O também petista Humberto Costa, senador por Pernambuco, disse que Gregori “foi um grande homem público, sempre compromissado com as pautas mais justas dos direitos humanos”, e “deixa um enorme trabalho, que temos a missão de continuar”.
Secretário-executivo de Mudanças Climáticas na capital paulista, Gilberto Natalini se referiu a ele como “um brasileiro de grande valor, democrata e ético”. Na mesma linha, a ex-ministra e ex-secretária Claudia Costin afirmou que Gregori foi “um grande homem, defensor intransigente dos direitos humanos”.
Taís Gasparian, cofundadora do Instituto Tornavoz, disse que Gregori “é um dos maiores nomes na defesa dos direitos humanos”.
“Sua retidão de caráter e tino político lhe permitiram transitar, como conciliador, entre pessoas de diferentes partidos e convicções. Com isso, conseguiu que o país avançasse em pontos muito delicados. Perdemos um ícone da democracia”, afirmou.
“Foi um dos nossos decanos da luta pela defesa dos direitos humanos”, disse o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. “Trabalhei, mesmo que brevemente, com ele no Ministério da Justiça e sou testemunha da fé e da luta dele por justiça e por democracia. Meus sentimentos à família e à Comissão Arns.”
A Comissão Arns afirmou, em comunicado, que a notícia foi recebida com enorme tristeza, mas que “seu legado em defesa dos direitos humanos não será esquecido”. Ele atuou, entre outros momentos decisivos, na campanha das Diretas Já, que pedia o voto direto para presidente da República.
O presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, chamou o advogado de “grande democrata brasileiro” e salientou seus “inestimáveis serviços prestados ao Brasil”, como lutador pelos direitos humanos.
O presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, recordou o engajamento do ex-ministro nas eleições de 2022 em defesa das instituições e dos pilares democráticos. “No ano passado, na batalha que travamos para derrotar Bolsonaro, Gregori apoiou a eleição do presidente Lula e reafirmou seu compromisso com a democracia”, disse.
O deputado estadual Eduardo Suplicy (PT-SP), ao lamentar a morte, qualificou o ex-ministro como “árduo e incansável defensor da democracia”, disse que ele “deixa uma história rica de empenho em favor dos direitos humanos” e ressaltou que “seu legado jamais será esquecido”.
O jornalista, professor e escritor Ricardo Viveiros relembrou uma lição recebida do ex-ministro. “Ainda um jovem repórter, na cobertura de conflitos na periferia paulistana, aprendi com José Gregori que ‘não pode haver Estado democrático de Direito que não respeite os direitos humanos'”, afirmou.
Viveiros ressaltou ainda que “Gregori passou sua longa vida sendo, muito além de um brilhante e ativo intelectual, uma pessoa íntegra” e foi “um guerreiro da paz, do respeito e sempre preocupado com a dignidade do próximo”.
“Ficamos todos um pouco órfãos com a morte de José Gregori, referência essencial há mais de meio século na luta cotidiana pelos direitos humanos no Brasil, encontro sempre efusivo e carinhoso”, afirmou o diretor do festival É Tudo Verdade, Amir Labaki. “Ele lutou a luta justa, com o humanismo como pele.”
Além de ter trabalhado com FHC, Gregori foi nas décadas de 1980 e 1990 deputado estadual em São Paulo e secretário do governo paulista na gestão do tucano Franco Montoro. Entre 2002 e 2004, foi embaixador do Brasil em Portugal.
Também presidiu a Comissão Municipal de Direitos Humanos de São Paulo e foi secretário especial de Direitos Humanos na gestão Gilberto Kassab (à época no DEM). Teve ainda atuação como presidente da Comissão de Direitos Humanos da USP e era membro da Academia Paulista de Letras.
Gregori era viúvo desde 2015, quando morreu sua companheira por mais de 50 anos, a ativista social Maria Helena Gregori, que ao lado do marido militou contra a ditadura, a favor da anistia e dos direitos humanos. O ex-ministro tinha três filhas, quatro netos e duas bisnetas.
JOELMIR TAVARES E MARCO RODRIGO ALMEIDA / Folhapress