Morre Lanny Gordin, mítico guitarrista que tocou com Gil e Gal Costa, aos 72 anos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Alexander Gordin, conhecido como Lanny Gordin, considerado um dos mais influentes guitarristas brasileiros, morreu nesta terça-feira, aos 72 anos, após um mês de internação devido a uma pneumonia. A morte foi confirmada pela esposa do artista, Cristina Zucchi.

Gordin morreu no dia em que faria aniversário. Inspirado no lendário guitarrista Jimi Hendrix, ele foi figura central da tropicália e de um momento de inserção da guitarra elétrica na música brasileira.

Em 1967, quando a tropicália estava em formação, houve uma marcha contra o instrumento no centro de São Paulo. A passeata teve participação de gente como Elis Regina, Jair Rodrigues, Geraldo Vandré, Edu Lobo e até do próprio Gilberto Gil. Àquela altura, a ideia era de que a utilização do instrumento significaria uma rendição à cultura anglófona, marcando uma espécie de invasão estrangeira na música brasileira.

Era uma crença reforçada pelo sucesso da jovem guarda, de nomes como Wanderléa, Roberto e Erasmo Carlos, com uma sonoridade muito próxima à de fenômenos como os Beatles. Nesse sentido, a tropicália representou uma quebra tanto em relação à música popular brasileira de violão quanto à jovem guarda. Gordin, ao lado de guitarristas como Sérgio Dias, dos Mutantes, foi fundamental nesse processo, forjando uma expressão na guitarra que não soasse como uma importação barata do que se fazia no exterior.

Empunhando o instrumento mais representativo desse movimento, Gordin se destacou com arranjos e solos agressivos, fazendo a guitarra ter sentido em bases de bossa nova ou baião —no contexto da música brasileira. Também usou e abusou da distorção, técnica depois consagrada no rock e que era rara no Brasil, ao lado de produtores ousados como Manoel Barenbein.

O marco máximo dessa expressão é o álbum “Tropicália ou Panis et Circencis”, de 1968, que reuniu a nata da tropicália sob a batuta de Barenbein e do maestro Rogério Duprat. Gordin tocou no disco e, a partir dali, espalhou sua guitarra de maneira definitiva pela música brasileira.

Em 1969, participou dos álbuns de Gilberto Gil e Caetano Veloso, além do “Brazilian Octopus”, com Hermeto Pascoal, velho parceiro nas noites da Stardust, a boate de seu pai, Alan Gordin. Foi figura importante para Gal Costa enquanto os parceiros baianos estavam exilados em Londres, tocando em seu álbum tropicalista de 1968, no psicodélico “Gal”, de 1969, e em “Legal”, de 1970.

Também tocou no mítico “Fa-Tal – Gal a Todo Vapor”, de 1971, álbum que registra o show que marcou o auge da primeira fase de Gal. Mas no meio da temporada de apresentações, precisou se despedir da banda para fazer uma turnê com Jair Rodrigues na Europa. “A presença da guitarra do Lanny era fundamental, importantíssima. Ele era um grande guitarrista, maravilhoso”, chegou a dizer Gal Costa, que citou Gordin na famosa lista de pessoas que admira de “Meu Nome é Gal”.

No álbum branco de Caetano Veloso, lançado em 1969, Gordin recebeu “carta-branca” do maestro Rogério Duprat para compor, após receber uma fita apenas com a voz-guia. “Fique à vontade, Lanny. Faça como quiser.”

A partir daquele momento, Gordin passou a colecionar marcos em sua discografia. Foi o responsável pela guitarra de “Build Up”, de Rita Lee, em 1970, e “Carlos, Erasmo”, de 1971, além dos reencontros com Caetano em “Araçá Azul” e Gil em “Expresso 2222”, em 1972 —mesmo ano em que também participou do clássico “Jards Macalé”. Com Tim Maia, o guitarrista fez o hit “Chocolate”.

“Como eu não tenho consciência política, me preocupo mais com a música. Não tenho cultura pra entender o movimento tropicalista ou qualquer tipo de movimento”, disse, ainda em entrevista para a Folha, ao jornalista Claudio Leal.

Foi na década de 1960 que Gordin experimentou LSD para mergulhar na psicodelia. Depois do sétimo ácido, porém, precisou procurar ajuda psiquiátrica. Foi diagnosticado com esquizofrenia e se internou no sanatório Bela Vista.

Nas décadas seguintes, Gordin não ficou mais sob os holofotes do mundo da música, mas também não deixou de tocar. Participou da Banda Performática do pintor José Roberto Aguilar e, na década de 1990, gravou o disco “Aos Vivos” do Chico César.

“Sabe aquele disco que o Lanny toca?/ Qual?/ Aquele do Caetano?/ Não/ Aquele do Gil?/ Não/ Aquele da Gal?/ Não/ Aquele do Macalé?/ É/ Sabe aquele Lanny?”, diz a letra de “Lanny Qual?”, música composta por Vange Milliet e cantada por Chico César.

Em 2001, lançou o álbum “Lanny Gordin”, com 11 faixas e produzido por Luiz Calado, dono da tradicional loja de discos Baratos Afins em São Paulo. Em 2002, se reuniu com jovens músicos, entre eles o guitarrista Guilherme Held, e fundou a banda Projeto Alfa.

Dessa união nasceu o álbum “Lanny Duos”, em 2007, que contou com participação dos companheiros de tropicália, como Gil, Caetano e Gal, e também dos músicos que se tornaram amigos do guitarrista ao longo de sua trajetória, como Adriana Calcanhotto, Arnaldo Antunes e o próprio Chico César.

Em 2017, o guitarrista mítico foi para a frente das câmeras falar sobre sua trajetória, no documentário “Inaudito”, dirigido por Gregório Gananian, que mais parece um poema visual sobre o “Hendrix do Brasil”, como já foi venerado.

Nos últimos anos, o guitarrista enfrentou o tratamento contra a síndrome de Guillain-Barré e uma espondilite anquilosante, inflamação nas articulações da coluna que o deixou de cama. Foi quando disse, a este jornal, que não tinha preocupações.

“Tenho muita fé em Deus. Então, eu acho que Deus é tão maravilhoso que ele criou o homem para ser exatamente o que ele é. Deus, para mim, está além do bem e do mal. Está além de tudo. Ele está além do amor. Ele está além da vida e da morte, além do tudo e do nada. E ele está além de mim mesmo.”

ALESSANDRA MONTERASTELLI E LUCAS BRÊDA / Folhapress

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