Morre Leny Andrade, diva das boates de Copacabana nos anos 1960, aos 80

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A cantora Leny Andrade, diva das boates de Copacabana nos anos 1960, e importante intérprete da fatia mais jazzística da bossa nova, morreu na madrugada desta segunda-feira (24), aos 80 anos. Seu corpo será velado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, na noite de terça (25).

A informação foi divulgada na página da artista no Instagram. “A diva do jazz brasileiro, Leny Andrade, foi improvisar no palco eterno. Leny faleceu nessa manhã, cercada de muito amor”, diz o texto. “A voz de Leny Andrade é eterna!”

Leny Andrade ficou como conhecida pelo canto refinado entre o jazz, o samba e a bossa nova em uma carreira de mais de seis de décadas. Ao todo, a partir de 1961, ela lançou 34 álbuns.

Nascida no Rio de Janeiro em 1943, ela aprendeu piano clássico com a mãe, que era professora de música, e cantava desde criança. Aos 9 anos, cantou “Risque”, de Ary Barroso, no programa Clube do Guri, momento que ela lembrou em postagem recente no Instagram.

“O violonista e o apresentador do programa levaram um grande susto quando pedi essa música, afinal eu era uma criança”, escreveu.

Adolescente, começou a cantar em orquestras e programas de calouros. A princípio influenciada pelas cantoras da era de ouro do rádio, Leny se destacou cantando na noite carioca.

Nos anos 1960, se tornou uma das divas das boates do Beco das Garrafas, um espaço em Copacabana que concentrava diversas casas noturnas com apresentações de samba-jazz e bossa nova. Segundo Ruy Castro, na época de Leny, o beco era o feudo de “cobras do samba-jazz”, entre eles Johnny Alf, Sergio Mendes e Wilson Simonal.

Tendo Dolores Duran como referência, Leny tinha uma voz grave e aveludada, e um canto empostado e poderoso, mais próximo do jazz do que dos vocais suaves e econômicos da bossa nova. Com o microfone nas mãos, a artista encaixava um suingue brasileiro em seu refino técnico.

É um estilo encapsulado em seu primeiro disco, “A Sensação”, de 1961. O álbum também traz uma das principais características que marcaram Leny ao longo dos anos –o scat singing, com solos e improvisos vocais.

Em 1963, ela gravou “Batida Diferente”, compacto cuja faixa-título se tornou uma das mais conhecidas na voz da cantora. A música é uma composição do violonista Durval Ferreira com o gaitista Mauricio Einhorn.

No álbum, ela também canta “Mania de Esnobismo”, outra composição de Ferreira, esta com Newton Chaves, em que pede para ouvinte deixar o estrangeirismo de lado, em defesa da música brasileira. “Mesmo porque o samba também veste fraque, pergunte ao Tom”, ela canta.

Leny foi uma das artistas que vestiu o samba de fraque e, em 1965, lançou “Estamos Aí”, disco que está entre suas obras mais conhecidas. A música que dá nome ao álbum também foi escrita pela dupla Ferreira/Einhorn, desta vez com letra de Regina Werneck, e se tornou um carro-chefe da carreira de Leny.

Também em 1965, Leny fez sucesso com o show “Gemini V”, apresentado na boate carioca Porão 73. Lançada em disco, a apresentação trazia a cantora ao lado do Bossa Três –então com Luiz Carlos Vinhas no piano, Bailly no baixo e Ronnie Mesquita na bateria– e do cantor Pery Ribeiro.

Foi com o “Gemini V” que ela passou a ser conhecida fora do Brasil, quando o show foi levado até o México –uma das apresentações no país também rendeu um álbum. Leny acabou morando no país durante quase seis anos, entre 1966 e 1972.

Nesse período, ela disse ao UOL, namorou homens de “todas as raças e nacionalidades”. Uma das histórias curiosas da época é sua noite de amor com Jairzinho –atacante da seleção brasileira que venceu a Copa do Mundo no México, em 1970–, em que chegaram a quebrar uma cama. “Era cama das boas”, ela disse ao site.

Nos anos 1980 e 1990, expandiu sua fama para outros lugares do mundo, incluindo os Estados Unidos, Europa e a Argentina. A estreia da cantora em Nova York aconteceu no Blue Note, lendária casa de jazz, em 1983.

Ela fez uma temporada de terça a sábado, em setembro, acompanhada por Portinho na bateria, Cláudio Roditi no trompete, Aluizio Milanês no piano e Lincoln Goynes no baixo. Uma crítica do show no New York Times dizia que Leny fazia o “scat singing com uma agilidade que remete a Ella Fitzgerald”.

Em 1992, Leny cantou por quatro noites no clube Ballroom, em Nova York, e uma crítica do jornal americano dizia que ela tinha “uma incrível semelhança vocal com Sarah Vaughan”.

Foi lá que ela conheceu Tony Bennett, cantor mestre dos standards americanos e do jazz que morreu na semana passada. O artista costumava frequentar os shows da brasileira nos Estados Unidos, eles se tornaram amigos, e o americano chegou a desenhá-la algumas vezes.

“Ele sempre senta na primeira mesa”, disse Leny no programa Conversa com Bial, da Globo, em 2019. “Tem um caderno na minha casa só com desenhos dele.”

Sua carreira fonográfica inclui uma faceta mais próxima da MPB nos anos 1970, em álbuns como “Alvorço”, de 1973, e “Leny Andrade”, de 1975. Há também discos dedicados ao samba, como “Cartola 80 Anos”, de 1988, e “Luz negra – Nelson Cavaquinho por Leny Andrade”, de 1995, além de obras para celebrar a bossa nova (“Bossa Nova”, de 1991), Tom Jobim (“Antonio Carlos Jobim, Letra e Música”, de 1995) e o bolero (“Alma Mia”, de 2010).

Entre 2018 e 2019, já com a saúde debilitada, ela foi morar num apartamento no Retiro dos Artistas, em Jacarepaguá, no Rio. Leny morreu solteira, e não teve filhos.

A última gravação que ela deixou foi “Por Causa de Você”, de Tom Jobim e Dolores Duran, lançado com single no começo deste ano, nas celebrações de seus 80 anos. A música integraria um álbum da cantora ao lado do pianista Gilson Peranzetta, mas o projeto não chegou a ser concluído.

LUCAS BRÊDA / Folhapress

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