NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) – Morreu nesta terça-feira Paul Auster, um dos mais conhecidos escritores do nosso tempo, aos 77 anos, de complicações de um câncer de pulmão.
Auster tinha um estilo que seus leitores conseguiam identificar com grande facilidade. A forma de seus livros era simples, direta, envolvente, e seus temas variavam dentro de um mesmo universo.
Ele costumava falar da força do acaso, das fatalidades e das coincidências; também do fracasso e da sombra de desastres iminentes; da vida de escritor, dos acontecimentos banais e extraordinários, da ausência da figura paterna e de Nova York especificamente do distrito do Brooklyn, onde morou durante décadas com a escritora Siri Hustvedt, em seu segundo casamento.
Tudo com um estilo límpido, incrementado pelo suspense característico dos romances policiais e pelas influências de outros escritores como Franz Kafka, Edgar Allan Poe e Samuel Beckett.
O autor nasceu em Newark, a cidade mais populosa de Nova Jersey, no dia 3 de fevereiro de 1947. Seus pais eram judeus de classe média, de origem austríaca. O pai, Samuel, era uma figura enigmática, que Auster perseguiria em sua literatura, em particular no memorialístico “A Invenção da Solidão”, de 1982, obra que o consagraria e também conteria seus principais temas.
Dividido em duas partes, “Retrato de um Homem Invisível” e “O Livro da Memória”, “A Invenção da Solidão” parte da morte súbita do pai, aos 66 anos, para investigar seu passado misterioso e também as aflições da própria paternidade.
Casado com a escritora Lydia Davis no início dos anos 1970, Auster viveu alguns anos com ela na França. Lá, o casal escreveu seus primeiros livros e traduziu poetas e intelectuais locais. De volta aos Estados Unidos, tiveram um filho, Daniel, em 1977. Separado de Davis no final da década, Auster se casaria com Hustvedt em 1982.
A carreira do escritor progrediu ao longo de décadas com altos e baixos em termos de público e crítica, mas foi a “Trilogia de Nova York”, composta por três livros lançados em 1985 e 1986, que consolidou as qualidades e os atrativos que se repetiriam nos anos seguintes. Seus originais, no entanto, foram rejeitados por 17 editoras antes da publicação.
“No País das Últimas Coisas”, “A Música do Acaso”, “Palácio da Lua” e “Mr. Vertigo”, lançados nos anos 1990, fariam de Auster um dos nomes mais reconhecidos da literatura contemporânea.
Em 1995, o escritor dirigiu, com Wayne Wang, o filme independente “Cortina de Fumaça”, inspirado num conto de Natal que ele havia publicado na revista The New Yorker. O filme acompanha múltiplos personagens gravitando em torno de uma tabacaria no Brooklyn, com William Hurt no papel de Paul Benjamin, um escritor que usa o nome do meio de Auster.
“Cortina de Fumaça” conseguiu transferir para o cinema, com humor e humanidade, seu estilo narrativo. Outros três filmes vieram, mas eles não se sairiam tão bem quanto o primeiro.
Auster contaria a vida de um cachorro em “Timbuktu” e a história da própria máquina de escrever, ilustrada com desenhos do pintor Sam Messer. Falaria do cinema mudo em “O Livro das Ilusões”, encararia o desastre financeiro de 2008 em “Sunset Park”, publicaria poemas enigmáticos escritos em sua temporada europeia e ainda emplacaria, em 2017, uma obra-prima tardia, o caudaloso “4 3 2 1”, indicado ao prêmio Booker daquele ano.
O romance destrincha a existência de Archie Ferguson em quatro versões, e muitos de seus acontecimentos têm fundo autobiográfico. Também percorre os anos conturbados da história americana que Auster testemunhara ao vivo. Está entre os melhores livros do escritor.
Depois de publicar uma alentada biografia de um colega do século 19, Stephen Crane, Auster ainda escreveria um último romance, “Baumgartner”, em que o personagem septuagenário do título contempla a mortalidade e se vê assombrado pela memória da mulher morta.
“Baumgartner” continuou ecoando a prosa límpida e as qualidades da ficção de Auster, bem como os defeitos que a repetição costuma trazer.
Em dezembro de 2022, o escritor recebeu o diagnóstico de um câncer, que depois seria divulgado ao público, nas redes sociais, por sua mulher. Apesar da exposição, os detalhes eram discretos, e Auster simplesmente mergulhou no tratamento da doença.
Sua última aparição se deu em agosto daquele ano, nas escadarias da Biblioteca Pública de Nova York, ao lado de outros escritores, durante o ato público em homenagem a Salman Rushdie, o amigo que sofrera um atentado quase mortal.
Mas dois outros grandes desastres já haviam acontecido naquele ano. Em abril, Daniel Auster foi condenado pela morte da filha de apenas dez meses de idade, por overdose acidental. O bebê dormia ao seu lado, depois que ele consumiu as drogas.
Horas depois da condenação, seu filho Daniel foi encontrado morto nas escadas da estação de metrô próxima de sua casa no Brooklyn, não muito distante do endereço do pai. Ele tinha 44 anos.
Daniel tinha sido um garoto problema. Aos 18, se viu envolvido num crime que sacudiu Nova York. Ele estava presente no assassinato de um traficante por um casal de clubbers, que esquartejaram o corpo e jogaram o tronco no rio Hudson.
O filho de Auster ficou com o dinheiro do homem assassinado, mas a influência do pai junto ao promotor do caso e a colaboração com a polícia conseguiram livrar o herdeiro da cadeia. O menino desapareceu de vista, mas o vício e os problemas continuaram até o fim.
Ele deixa a mulher, a autora Siri Hustvedt, e a filha Sophie, atriz e cantora.
CADÃO VOLPATO / Folhapress