Morre Paulo César Pereio, ícone rebelde do cinema nacional, aos 83 anos

SÃO PAULO, SP, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Paulo César Pereio, ator ícone do cinema brasileiro e que atuou em mais de 60 filmes, morreu na tarde deste domingo, no Rio de Janeiro, aos 83 anos. A informação foi confirmada por seu amigo, o ator Stepan Nercessian.

Pereio estava internado no Hospital Casa São Bernardo, na Barra da Tijuca, para onde foi levado de madrugada, já em estado grave, para tratar uma doença hepática avançada.

Ele vivia no Retiro dos Artistas desde 2020 —organização presidida por Nercessian—, depois de sair sua cobertura no bairro da Bela Vista, em São Paulo, onde morava sozinho.

Essa é uma instituição centenária em Jacarepaguá, na zona oeste da capital fluminense, que acolhe artistas sem família ou em dificuldades e lhes garante uma melhor qualidade de vida. Lá, Pereio se dedicava a leituras de Machado de Assis e a caminhadas silenciosas.

“Adeus Pereio. Te Amo. Sempre”, publicou Nercerssian em uma rede social, numa foto onde aparece junto com o amigo. “Perdemos um ícone do nosso cinema. Descansa, meu amado Pereio”, disse a atriz Zezé Motta no X, o antigo Twitter.

“Pereio odiaria odes sentimentaloides nessa hora. Tava ruim pra ele e ele saiu de cena. Timing perfeito. Coisa de grande ator. Triste aqui, e ao mesmo tempo feliz por ter tido a oportunidade de conviver e aprender com ele. O último de uma espécie”, afirmou o quadrinista Allan Sieber em um post no Instagram.

Pereio nasceu em Alegrete, pequena cidade no Rio Grande do Sul, em 1940, e em sua carreira se tornou uma espécie de “galã-terrible” do cinema brasileiro. Seus papéis de cafajeste —às vezes com coração, muitas vezes não— e frases inesquecíveis como “eu te amo, porra” lhe garantiram uma aura mítica, principalmente em filmes dos décadas de 1970 e 1980.

Com seu vozeirão rouco e a projeção que trouxe do vigoroso trabalho no teatro, encarnou a transgressão nas telas, do cinema novo à pornochanchada, passando pelas tragédias e comédias tipicamente cariocas. É uma grandeza que se via desde seu papel em “Os Fuzis”, de Ruy Guerra, passando pelo personagem de “Bang Bang”, de Andréa Tonacci, cantando Carlos Galhardo, de máscara de macaco, em frente a um espelho.

Ou ainda na improvisação selvagem como o caminheiro Tião de “Iracema, uma Transa Amazônica”, ou na interpretação canalha dos personagem de Nelson Rodrigues em “A Dama do Lotação” e “Toda Nudez Será Castigada”.

Mestre do bom mau humor, Pereio cristalizou uma figura de homem grosseiro, sem modos. Mas seu trabalho em mais de 60 anos de atuação mostra um perfil delicado e dedicado em traduzir as rudezas do homem brasileiro.

Nas últimas décadas, com um trabalho mais tímido como ator, emprestou sua voz e imagem para narrar documentários e comandar programas de TV, como o de entrevistas que teve no Canal Brasil ao longo dos anos 2000. Muito dessa lenda se vê em “Pereio Eu te Odeio”, de Allan Sieber e Tasso Dourado, homenagem produzida ao longo de 23 anos, e lançada no último Festival do Rio.

Os relatos de amigos não deixam de dimensionar as contribuições do ator de estilo ultrapessoal para o cinema brasileiro. O documentário ficou parado mais de dez anos e encontrou sua linguagem no próprio embaraço de Sieber em capturar o personagem.

“O senhor Godot mandou dizer que não virá hoje à tarde, mas virá amanhã com certeza.” O aviso do menino mensageiro de “Esperando Godot”, de Samuel Beckett, marcou sua estreia nos palcos em dezembro de 1958, com o Teatro de Equipe, em Porto Alegre, ao lado de Paulo José e dirigido por Luiz Carlos Maciel.

O jovem gaúcho era inspirado pelo ator americano Humphrey Bogart. Assim como o ídolo machão, Pereio jamais resistia a um impulso, especialmente se fosse terrível.

Sua carreira ganhou visibilidade com o movimento do cinema novo. Ele se destacou em “Os Fuzis” (1964), de Ruy Guerra, e “O Bravo Guerreiro” (1968), de Gustavo Dahl. Seu rosto belo e rude aparece em “Terra em Transe” (1967), de Glauber Rocha, na cena traumática em que o operário Jerônimo tem a boca tapada pelo poeta Paulo Martins.

“Eu me formei a mim mesmo, me construí”, Pereio afirmou em seu quarto no retiro, recusando a filiação a métodos. Nunca assumiu a briga de nenhuma patota do cinema e resguardou a personalidade flutuante e inadequada.

A diversidade de escolas estéticas compõe sua filmografia suprapartidária. Ele colaborou ainda com Hector Babenco em “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia” (1977), Neville d’Almeida em “A Dama do Lotação” (1978) e Sergio Bianchi em “Jogo das Decapitações” (2013). Pereio não rejeitou a pornochanchada. Em “As Loucuras de um Sedutor” (1975), de Alcino Diniz, seu personagem diz que “a mandioca tem razões que a própria razão desconhece”.

Entre os últimos projetos nos quais trabalhou, teve uma participação no último longa rodado por Ruy Guerra, o mesmo diretor com quem começou nas telonas. Ainda em finalização, o filme, que também terá Lima Duarte no elenco, foi centro de uma polêmica em 2022, quando uma foto da produção vazou, sugerindo uma cena em que um presidente da República aparecia morto no chão, sobre uma moto —especulou-se uma sátira de Jair Bolsonaro. Na época, o cineasta disse que a cena foi tirada do contexto.

JOÃO PERASSOLO, HENRIQUE ARTUNI E CLAUDIO LEAL / Folhapress

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