SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dos maiores pensadores do jornalismo do final do século 20, Philip Meyer, professor emérito da Universidade da Carolina do Norte (EUA), partiu no início do mês, aos 93 anos, sem que o Brasil conhecesse profundamente sua obra.
Para se ter uma ideia, o seu livro clássico, “Precision Journalism” (“jornalismo de precisão”), nunca saiu em português. Publicado em 1973, praticamente inaugurou o conceito de jornalismo de dados como entendemos hoje em dia.
Na obra, Meyer aborda -de maneira até então inédita- os métodos das ciências sociais aplicados ao jornalismo a partir da perspectiva de um repórter (sim, antes de ser acadêmico, ele foi repórter). Ensina a usar dados para contar histórias no jornal -coisa que se faz diariamente hoje nas redações. A quarta edição americana saiu em 2002.
Tampouco chegou por aqui “The New Precision Journalism” (“o novo jornalismo de precisão”), de 1991, que manteve os princípios levantados por Meyer quase duas décadas antes, com o adicional de abordar o uso de tecnologia para analisar os dados.
Ele conta na sua autobiografia “Paper Route: Finding My Way to Precision Journalism” (algo como “entregando jornais: encontrando meu caminho para o jornalismo de precisão”), de 2012, que sabia que o termo “jornalismo de precisão” iria pegar (e, consequentemente, vender). Era forte. Era simples.
Esse é justamente o pulo do gato da obra de Meyer: ele combinava sua própria experiência com suas pesquisas posteriores em comunicação. Como comunicador profissional, sabia falar de maneira ampla sobre suas teorias e pensamentos –que, aliás, foram bem além do jornalismo de dados.
“Meyer entrou para a academia depois de uma longa e variada carreira no jornalismo impresso”, diz o jornalista de dados Marcelo Soares, um dos maiores conhecedores de sua obra no Brasil.
“Ao se tornar pesquisador, após os 50 anos, tinha clareza dos principais desafios que o ramo enfrentava, especialmente o de manter a qualidade e a credibilidade num cenário em que a cada ano aumentava vertiginosamente a concorrência pelo mercado de informação.”
O autor ainda debateu ética no jornalismo e publicou um guia para estudantes, profissionais e leitores –esse, sim, publicado no Brasil (ufa) como “A Ética no Jornalismo”, pela editora Forense Universitária em 1989.
Hoje em dia, há alguns exemplares em sebos. Nos currículos dos cursos de jornalismo, a obra tende a passar batido.
Também chegou por aqui “Os Jornais Podem Desaparecer?”, em 2007, pela editora Contexto. Foi apenas alguns anos depois da publicação do livro original, que tinha um título mais assertivo, “The Vanishing Newspaper” (na afirmativa mesmo, sem ponto de interrogação).
Quanto a isso, ele deu até uma data: considerando as quedas de leitura anuais, os jornais impressos parariam de circular até 2043. Essa data o deixou famoso, mas ele detestava a menção excessiva a esse trecho da obra.
“Os Jornais Podem Desaparecer?” não é sobre isso. Meyer analisa caminhos que poderiam “salvar o jornalismo na era da informação”, como define o subtítulo da obra na versão em português e em inglês.
Ele mostra que há uma correlação entre qualidade da informação, sucesso comercial e influência dos jornais. Assim, em tese, anunciantes e leitores pagam mais por melhores conteúdos -que, assim, ficam ainda melhores.
Nesse sentido, investir em qualidade -e não cortar recursos- seria o caminho de sobrevivência dos jornais. Não estamos fazendo justamente o oposto?
As obras de Meyer, mesmo as editadas em português, circularam pouco por aqui. Não, claro, nas estantes de Soares, jornalista que promoveu um evento comemorativo dos 50 anos da publicação de “The Precision Journalism”, trouxe uma das filhas de Meyer para o evento e ganhou dela uma gravata-borboleta do seu pai –outra de suas marcas registradas.
Antes de Meyer partir, Soares já traduzira “Precision Journalism” por conta própria e, agora, pretende publicá-lo, finalmente, em português. Está em tempo: nunca é tarde para debater qualidade e sobrevivência do bom jornalismo. E as ideias de Meyer, sempre visionárias, valem até hoje.
SABINE RIGHETTI / Folhapress