SÃO PAULO, SP, E BOA VISTA, RR (FOLHAPRESS) – Secretário-geral do Itamaraty cargo inferior apenas ao de chanceler na carreira diplomática nos primeiros mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães morreu na manhã desta segunda-feira (29), aos 84 anos. A informação foi confirmada pela própria pasta.
Em nota, o órgão afirma que o diplomata, que serviu como secretário-geral entre 2003 e 2009, foi “protagonista na formulação e execução da política externa brasileira”. Também destacou-se na formulação de políticas de integração regional, sobretudo o Mercosul em 2011, ele assumiu a representação brasileira no bloco.
Colegas de profissão exaltaram a contribuição de Guimarães para a diplomacia brasileira. “Um patriota como poucos. O melhor e mais devotado servidor público que conheci. Um idealista de grande rigor intelectual e de imensa capacidade de trabalho. Perco um grande amigo”, disse Celso Amorim, assessor especial da Presidência para política externa e chanceler quando Guimarães foi secretário-geral do Itamaraty, em nota enviada à Folha de S.Paulo.
O diplomata ainda era reconhecido pela defesa firme do interesse nacional e do próprio Itamaraty, para o qual conseguiu recursos considerados importantes quando foi secretário-geral segundo seus pares. Ao mesmo tempo, mesmo colegas que divergiam ideologicamente do diplomata não deixam de descrevê-lo como uma pessoa correta, honesta e de forte personalidade.
“Embora sempre muito enfático ao defender seus pontos de vista, possuía uma cordialidade natural aliada a um apurado sentido de humor que cativava com facilidade seus interlocutores”, escreveu à Folha o ex-chanceler Antonio Patriota, que substituiu Guimarães na secretaria-geral em 2009.
“Ele tinha muito clara a noção de que éramos servidores públicos e que tínhamos uma missão a cumprir em favor do Brasil. E que precisávamos de condições para isso”, afirma Alexandre Vidal Porto, diplomata e escritor.
Ainda no âmbito do ministério, Vidal Porto ressalta a atuação de Guimarães para aprovação do passaporte para cônjuges do mesmo sexo, antes mesmo da aprovação da legislação sobre o assunto. “Ele já havia patrocinado regulamentação interna do Itamaraty, foi algo que fez a diferença na vida de muita gente”, diz.
O período de Guimarães na secretaria-geral não se deu sem polêmicas, contudo. Um diplomata contemporâneo dele lembra que, sob a sua gestão, um funcionário do ministério com ideias conflitantes com a do governo petista, consideradas demasiadamente liberais, foi deixado sem função durante todo o governo petista. Outras pessoas que falaram com a Folha indicaram não saber sobre casos semelhantes.
Guimarães ainda chefiou o departamento econômico do Itamaraty, no fim dos anos 1980. Ele foi também ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos, que teve status de ministério até 2015, quando foi extinta.
Suas opiniões eram por vezes consideradas muito radicais, e sua produção intelectual e trabalho na cúpula do ministério o posicionava sempre contrário aos Estados Unidos.
Um exemplo desse posicionamento resultou em um grande sobressalto na carreira do diplomata antes que ele assumisse a secretaria-geral. Guimarães havia sido um crítico aberto da tentativa de ingresso do Brasil na Alca (Área de Livre Comércio das Américas) durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, que negociava a entrada no bloco.
Em 2001, nos últimos anos da gestão tucana, Guimarães foi demitido da presidência do Ipri (Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais) depois da publicação de um texto crítico à iniciativa comercial, chamado “A Alca é o fim do Mercosul”.
À época, uma nova diretriz do ministério que ficou conhecida como “lei da mordaça” proibiu diplomatas de se manifestarem publicamente sem autorização e com comentários destoantes da cúpula da pasta. A circular interna instituindo a censura era, segundo o Itamaraty afirmou naquele momento, uma versão que abrandava diretriz anterior mais restritiva.
Samuel Pinheiro Guimarães Neto nasceu em 1939, no Rio de Janeiro, e graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direita da Universidade do Brasil, hoje UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), em 1963, ano em que ingressou no Itamaraty.
Durante a carreira, escreveu e organizou uma série de publicações, entre elas “Quinhentos Anos de Periferia” (1999), “Alca e o Mercosul: Riscos e Oportunidades para o Brasil” (1999) e “Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes” (2006).
“Era um pensador visionário, sempre preocupado em analisar como o Brasil tinha de atuar para levar a bom termo seu processo de desenvolvimento nacional”, diz Ary Quintella, embaixador brasileiro na Malásia, que teve convivência próxima com Guimarães nos últimos 20 anos.
O presidente Lula também lamentou a morte de Guimarães em publicação no X, lembrando de quando o diplomata foi demitido da extinta Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes) durante o governo Figueiredo após o lançamento do filme “Pra Frente Brasil”, crítico da ditadura militar à época, a empresa pública era chefiada por Amorim.
“Ao longo da vida defendeu o desenvolvimento, a democracia e as causas populares, resistindo a diversas tentativas de interferência externa no nosso país e atuando para uma política externa ativa e altiva”, afirmou Lula.
Redação / Folhapress