Mortes de PMs no litoral de SP tiveram desde indício de vingança a guerra de versões

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um ano depois da morte do soldado Patrick Bastos Reis, 30, que motivou a primeira fase da Operação Escudo, a polícia já prendeu ao menos 10 suspeitos de envolvimento nas mortes de cinco PMs na Baixada Santista.

Esses assassinatos ocorreram de julho de 2023 a fevereiro deste ano, e serviram de justificativa para sucessivas operações policiais na região.

Na morte de um sargento aposentado em setembro, a Polícia Civil chegou a um indício de vingança de um suspeito. O policial já tinha prendido o homem em flagrante, dez anos antes do crime.

Já no caso de Reis, três homens são réus por homicídio e tentativa de homicídio (contra os outros PMs na viatura), além de tráfico de drogas. A Polícia Civil diz que dois suspeitos chegaram a acusar um ao outro da autoria do crime, depois mudaram suas versões

O caso já está em fase de alegações finais na Justiça, e tanto acusação quanto defesa já se pronunciaram. O próximo passo é uma sentença do juiz para que os réus sejam levados ou não a um tribunal do júri —que é o padrão para homicídios.

A morte que deu origem à primeira operação ocorreu por volta das 22h30 de 27 de agosto do ano passado. Reis e outros três PMs da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) estavam numa viatura, patrulhando o entorno do morro da Vila Júlia, em Guarujá, quando foram surpreendidos por vários tiros.

Um deles acertou o carro, atravessou a mão do soldado Fabiano Alfaya e atingiu a parte de trás do ombro esquerdo de Reis. A bala rasgou seu tórax por dentro, alojando-se no lado direito do corpo.

Os três suspeitos foram identificados após investigadores irem à comunidade e conversarem com moradores, inclusive homens que faziam a guarda de um ponto de venda de drogas. O primeiro a ser preso foi Marco Antônio de Assis Silva, 26, o Mazaropi.

Segundo a Polícia Civil, ele teria admitido que estava vendendo drogas na Vila Júlia na noite do crime quando um comparsa atirou contra uma viatura da PM. Ele apontou Erickson David da Silva, 29, o Deivinho, como autor dos disparos.

Em poucos dias, Erickson e seu irmão Kauã Jazon da Silva, 20, entregaram-se à polícia. Na delegacia, confirmaram que estavam junto a Mazaropi no ponto de venda de drogas, mas disseram que foi ele quem atirou. Uma pistola chegou a ser apreendida numa viela da VIla Júlia, após uma denúncia anônima apontar seu paradeiro, mas uma perícia apontou que não era a arma do crime.

Quando foram ouvidos novamente, já na condição de réus, os três negaram ter participado do crime. Mazaropi afirmou que não reconhecia a assinatura no termo de depoimento prestado na delegacia em Guarujá, e que nunca apontou Erickson como o assassino.

A defesa de Erickson e Kauã afirmou que não há provas de que eles estivessem no local e que testemunhas teriam assinado seus depoimentos sem ler. Sobre Kauã, a defesa admite que ele mudou sua versão, mas diz que isso ocorreu por orientação de um advogado. Eles não apresentaram provas de que estivessem em outro lugar que poderia servir de álibi.

“Nenhum dos corréus explicou a gigantesca mudança de versões, notadamente o fato de, inicialmente, afirmarem que se encontravam na ‘biqueira da Seringueira’ no momento dos disparos, inclusive apontando um ao outro como autor”, escreveram o promotor Victor Conrad de Freitas e o analista jurídico Gabriel Eugênio Simão Grande, representantes da 5ª Promotoria de Justiça de Guarujá no caso.

CELULAR, CHINELO E BERMUDA IDENTIFICARAM SUSPEITO

Outro caso que está mais próximo de uma sentença é o que investiga a morte do soldado Samuel Wesley Cosmo, 35, também da Rota. Ele foi morto no dia 2 de fevereiro, quando já havia operações em andamento na Baixada Santista em resposta à morte de outro soldado da PM.

Sua morte causou grande comoção. O ex-presidente Jair Bolsonaro, o delegado-geral da Polícia Civil, Arthur Dian e o subsecretário da Segurança Pública, Osvaldo Nico Gonçalves, foram a seu enterro.

No dia seguinte, sete pessoas foram mortas pela polícia em Santos, São Vicente e Guarujá. Os dados oficiais da SSP mostram que aquele foi o dia com maior número de mortes provocadas pela PM na Baixada Santista em toda a série histórica, que teve início em janeiro de 2013.

O homem que atirou em Cosmo foi filmado pela câmera corporal que ele usava no uniforme. A gravação mostra que um homem sai de um barraco com uma arma na mão, dá de frente com o soldado e dispara. Além das imagens, a apreensão de um celular próximo à cena do crime foi essencial para identificar o suspeito.

A perícia identificou Kaíque Coutinho do Nascimento, 22, como o dono do celular. Encontraram fotos do suspeito usando uma bermuda e um par de chinelos do mesmo modelo que aparecem nas gravações da câmera —o chinelo foi encontrado próximo ao celular. Um morador do bairro também o apontou como o autor do disparo.

Nascimento foi preso 12 dias após a morte de Cosmo, em Uberlândia (MG). Em depoimento, negou ter matado o policial. Afirmou que estava trabalhando na feira no momento do crime, e que fugiu do litoral por sentir medo, ao saber que a polícia estava o procurando. Ele já foi denunciado, e a Justiça realizou a primeira audiência de instrução do processo.

SUSPEITOS DE MATAREM SARGENTO APOSENTADO RESPONDEM EM LIBERDADE

Quatro dias após o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciar o fim da Escudo, que havia deixado um saldo oficial de 28 mortos, o sargento aposentado Gerson Antunes Lima foi morto a tiros na frente de casa, em São Vicente.

O vídeo de uma câmera de segurança mostra que ele foi abordado por quatro pessoas em duas motocicletas, que chegaram enquanto ele varria a calçada. Três suspeitos foram presos e denunciados, mas a identidade do quarto integrante do grupo não foi confirmada.

Uma denúncia anônima levou os policiais aos primeiro suspeitos, Gabriel Antuniolo Silva Nunes, 20 e Kevin Morais Cambuí Macedo, 19. Na casa da mãe de Gabriel, encontraram uma Honda Biz do mesmo modelo que aquela usada no crime. A moto estava com a placa clonada.

Num depoimento inicial, a mãe afirmou que os dois eram amigos e que haviam chegado juntos com a moto no dia do crime. Outra denúncia anônima levou os policiais a Edson Pereira dos Santos Reis, 30. Ele já tinha sido preso pelo próprio sargento Lima num flagrante por roubo em 2013.

Policiais encontraram uma bermuda em sua casa semelhante à peça que um dos homens que mataram o sargento usava, como se vê nas imagens da câmera de segurança. Os três ficaram presos preventivamente ao menos seis meses.

No início deste mês, no entanto, o Ministério Público pediu que eles fossem liberados para responder em liberdade, mas estão proibidos de deixar São Vicente e ficar fora de casa durante a noite. O motivo é que várias provas solicitadas no processo ainda não foram produzidas, e os suspeitos já estão presos preventivamente há muito tempo.

Outros dois PMs foram mortos na Baixada Santista desde julho do ano passado: o soldado Marcelo Augusto da Silva e o cabo José Silveira dos Santos. Dois suspeitos da morte de Silva, que são irmãos gêmeos, foram presos sob acusação de latrocínio.

Já no caso do cabo Silveira, o suspeito de ter disparado contra o PM, segundo o registro policial, morreu durante o confronto após cair do quarto andar de um prédio. A polícia chegou a prender outro suspeito no caso, mas ele foi liberado.

TULIO KRUSE / Folhapress

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