RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O Rio de Janeiro atingiu em 2023 a menor número de ocorrências de letalidade violenta desde o início da série histórica do ISP (Instituto de Segurança Pública), que começou em 1991, conforme dados divulgados nesta sexta-feira (19). O indicador, que engloba homicídios dolosos, lesão corporal seguida de morte, latrocínio e morte por intervenção policial, registrou 4.257 casos entre janeiro e dezembro do ano passado -uma redução de 5,1% em comparação com o ano anterior e a menor em 32 anos.
Apesar da queda no indicador geral, no entanto, os homicídios dolosos aumentaram 7,3%: foram 3.283 no ano passado, ante 3.059 em 2022. O número equivale a quase nove mortos por dia.
Os homicídios no estado se concentraram principalmente na zona oeste da capital, onde há a predominância da milícia. Foram 726 assassinatos na região, um aumento de 43,2% em comparação ao ano passado.
A área com mais ocorrência de homicídios em números absolutos é a Baixada Fluminense, onde há também forte presença de grupos paramilitares e do tráfico. Lá, 902 pessoas foram assassinadas no último ano. Apesar do número alto, houve uma queda de 1,4% comparado ao ano anterior.
Houve aumento de assassinatos no restante da região metropolitana. Na RISP (Região Integrada de Segurança Pública) 1, onde fica o centro do Rio, a zona sul e a zona norte, a alta foi de 10,6%, com 286 homicídios registrados. Já em Niterói, São Gonçalo e arredores, o aumento foi de 5,7%, com 521 mortes intencionais.
Com os homicídios em alta, o que puxa a queda no indicador de letalidade violenta é o número de mortes por intervenção de agentes do Estado. Em 2023, foram 869 casos -uma redução de 34,7% em comparação ao ano anterior, quando 1.330 pessoas morreram dessa forma.
A zona oeste, porém, também registrou um aumento nesse índice, de 13,7%, chegando ao patamar de 257 mortos em interposição à polícia. Já as demais áreas da região metropolitana registraram queda nesses números: 51,8% em Niterói e São Gonçalo, com 136 casos; 46,3% no centro, zona sul e zona norte da capital, com 117, e 44,5% na Baixada Fluminense, com 264.
“Há uma concentração de aumento dos homicídios nas áreas que a gente identificou conflitos entre os grupos armados e entre as forças policiais”, afirma sociólogo Daniel Hirata, coordenador do Geni/UFF (Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense). Ele completa:
“E apesar da queda da letalidade violenta, se observamos os dados por região, ela também cresceu onde mais houve esses conflitos”.
Em nota, o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), comemorou a redução no indicador de letalidade violenta. Ele atribuiu a queda aos investimentos na área de segurança pública e a recriação de uma secretaria específica para a área.
“A segurança pública do Rio de Janeiro vem alcançando nos últimos anos reduções históricas na Letalidade Violenta e isso precisa sempre ser destacado, pois não é um fato trivial. Já investimos mais de R$ 2,5 bilhões em tecnologia, reformas de batalhões e delegacias e equipamentos de proteção para os policiais. Além disso, criamos uma nova secretaria de Segurança Pública, enxuta, para promover uma integração maior entre as polícias Civil e Militar”, disse.
Apesar da recriação da pasta de Segurança Pública, que estava extinta desde 2019, as polícias continuam com status e autonomia de secretaria.
Por fim, o ISP também indicou um aumento de 27,5% no número de fuzis apreendidos em 2023. Ao todo, foram 610. Já o total de apreensão de armas caiu 27,6% em comparação ao ano anterior: enquanto em 2022 foram 6.795 armas apreendidas, agora esse número foi de 6.281.
Além disso, o instituto também apontou que as polícias Civil e Militar realizaram 36.952 prisões em flagrante no ano e recuperaram 14.675 veículos roubados.
PRÁTICAS DE GRUPOS CRIMINOSOS
O ISP também indicou um aumento no número de desaparecidos e de extorsão. No primeiro, o índice subiu 10,7% em 2023, com 5.815 casos, enquanto o segundo teve um crescimento de 41,7%, com 3.264.
Embora esses dois índices não se restrinjam à prática de grupos criminosos, já que podem ocorrer por outros motivos e serem cometidos por diversos autores, eles mostram o retrato de como as facções e paramilitares atuam ao analisar os números por região.
O instituto não diferencia os tipos de desaparecimento, por isso não há um dado específico para aqueles que são desaparecidos forçados. Essa prática é comum à milícia, que a tem usado para aumentar seu domínio territorial.
A Baixada e a zona oeste concentram o maior número total de desaparecidos. No primeiro, foram 1.625, com uma alta de 7,5% em comparação ao ano anterior. No segundo, o número foi de 1.385, sendo um crescimento de 18%.
O maior aumento de desaparecidos, porém, se deu na região de Niterói e São Gonçalo, onde há predominância do tráfico. Em 2023, o número de pessoas que sumiram subiu 24,3%, registrando 792 casos. Houve também aumento no centro, zona sul e zona norte da capital: 22,4%, o que equivale a 1.171 desaparecidos no ano.
Já a extorsão também passou a ser praticada por traficantes. Para garantir o domínio sob uma comunidade ou um bairro, facções e grupos paramilitares costumam extorquir moradores e comerciantes, além de obrigá-los a utilizar somente os serviços oferecidos por eles.
As extorsões aumentaram em toda a região metropolitana: 56,9% na Baixada Fluminense, com 590 casos; 56,6% em Niterói e São Gonçalo, com 534; 33,3% na zona oeste da capital, 861, e 28,3% no Centro, zona sul e zona norte, com 793.
“São práticas bastante típicas da milícia e que agora passaram a ser do tráfico também. Mesmo que nem todos os desaparecimentos sejam forçados, pesquisas passadas já nos indicaram que cerca de 24% dos casos se enquadram nesse perfil de desaparecidos forçados. É necessário uma atenção das autoridades e da pesquisa social para termos uma ideia melhor desse universo”, afirma Hirata.
CAMILA ZARUR / Folhapress