SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A exposição “Acepipes”, que entra em cartaz na Quina Mobília, surgiu um pouco por acaso. O pintor Ivo Lage viu seu amigo, o fluminense Arthur Palhano, participar de uma exposição independente com outro colega no começo do ano e sugeriu que preparassem uma mostra.
Mas com pouco material à disposição, graças a uma exposição em Nova York marcada para setembro, Palhano e Lage decidiram convidar outros artistas, amigos que se encaixam no tema que guia a curadoria –a conversa entre o desenho e a pintura.
João Montanaro e Estela May, ambos cartunistas da Folha, e a artista Zoé Passos se juntaram, então, ao projeto, no qual as obras se alternam entre os móveis da loja na zona oeste de São Paulo.
Montanaro foi o primeiro nome que veio à cabeça de Palhano para o time dessa “Acepipes”. “Vi um potencial enorme nele. Em menos de um ano, estava com as pinturas tecnicamente impecáveis.”
O chargista deste jornal faz a maior parte de suas artes no computador e diz que já sentia vontade de voltar a pintar, mas que o contexto atual da sua rotina foi decisivo para se debruçar sobre a pintura tradicional a óleo. “Eu me mudei para a Barra Funda, e está rolando toda essa efervescência cultural maluca lá”, afirma. “Sempre considerei um trunfo não procurar um estilo pessoal e fazer um estilo diferente de acordo com o trabalho.”
Para a exposição, ele leva três pinturas num estilo mais realista que o de seu traço estilizado mais conhecido. Em um deles, apresenta uma boca, em close, misturando tons rosados em pinceladas mais definidas para os lábios. Noutro, pinta os rostos de um homem e de uma mulher, um pouco borrados, evocando a textura de um filme ou programa de TV em baixa definição.
May, por sua vez, já havia exposto tirinhas, mas nunca outros desenhos. “Quando recebi esse convite, eu não sabia exatamente quais desenhos escolher. Mas quando eu os trouxe para o espaço e vi tudo junto, as minhas coisas e as da galera, fez sentido.” Sua seleção inclui o desenho de um bombom Sonho de Valsa e de uma pin-up invertendo os papéis e retratando um cowboy nu, traduzindo o interesse da artista por temas banais da cultura pop.
Já Palhano traz duas pinturas com motivos que remetem a tatuagens e a elementos corriqueiros. “Opero nesse lugar, da carteira de escola riscada, do bilhete para namorada, do coração desenhado, esses desenhos que todo mundo sabe fazer.”
Nascido na zona norte do Rio de Janeiro, seu primeiro contato com as artes foi dentro de casa. Ele brinca que sua mãe fez uma boa curadoria, já que seu pai desenhava bem, e seu padrasto, com quem ela depois se casou, era pintor. Estimulado por esse envolvimento inicial com o desenho, Palhano buscou estudo na Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
Na época, quando tinha pouco mais de 20 anos, ele gostava de terror e transpunha cenas de filmes para a tela. Já aí, ao replicar detalhes escabrosos de monstros, ele acenava para o que seria uma das suas marcas registradas, a preocupação com a textura.
O copia e cola, com o tempo o desgastou. Para fugir da mesmice, ele produziu uma série de pinturas abstratas, mas não gostou de nenhuma delas. Sem grana, ele começou a cobrir essas telas com novas camadas de tinta, para tentar reaproveitá-las.
Em certo dia, após meses dessa reciclagem, ele tentou escrever em uma das telas a palavra “dogma”. Outra vez incomodado com o resultado, riscou a palavra, cavucando a tinta e revelando resquícios de todas as pinturas que havia feito antes naquela superfície. Sem querer, havia criado sua técnica.
Numa mostra independente, como a que organiza, ele recebeu o convite de Eduarda Freire, filha da galerista Luciana Caravello, para expor na abertura da galeria que ela estava então inaugurando. O espaço acabou não indo para frente, mas seu trabalho chamou a atenção da Portas Vilaseca, que hoje o representa.
O artista é pragmático sobre os anos que investiu na cena alternativa da arte antes de seu recente sucesso internacional.
“Eu não tinha nada a perder, né, cara? Eu sou de Del Castilho [bairro na zona norte do Rio de Janeiro]. Fui às duras custas acreditando e fazendo. Eu estou ali há tanto tempo, mas foi uma única coisa que mudou tudo, que foi entrar para essa galeria. Senão, eu estaria até hoje tendo que fazer exposição independente para conseguir pagar as minhas contas.”
Acepipes
Quando: Seg. a qui., das 10h às 18h. Sáb., das 10h às 14h. 24 a 29 de agosto
Onde: Quina Mobília – r. Anhanguera, 739, São Paulo
Preço: Grátis
DIOGO BACHEGA / Folhapress