Mostra das Serigrafistas Queer no Masp questiona gênero e sexualidade

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Repleta de cartazes com palavras de ordem em letras bastão, cores neon, pedidos por direitos como o aborto e o fim da fome, além de alusões a leis e presidentes, a sala ocupada pelo coletivo Serigrafistas Queer no Masp, o Museu de Arte de São Paulo, mais se parece com o célebre vão da instituição, ponto de encontro dos inconformados em dias de protesto.

De fato, a primeira vez que o grupo argentino formado em 2007 veio ao Brasil, em 2018, fez uma oficina no célebre vão do Masp. O momento era tenso -elas vieram pouco depois da polêmica do Queermuseu, a exposição sobre diversidade sexual em Porto Alegre que foi acusada de pedofilia e zoofilia por políticos de extrema direita, quando o bolsonarismo se consolidava institucionalmente.

A curadora Amanda Carneiro diz ter sido marcante que integrantes do coletivo não tenham se acanhado daquele debate e tenham se apropriado das questões em suas obras e discussões. “No momento de polarização, você tem um coletivo ativista que conseguia falar com o público de uma maneira aberta o suficiente para trocar em relação a seus sentimentos e sensações”, diz.

Essa ideia de reparação é o mote da mostra “Serigrafistas Queer: Liberdade para as Sensibilidades”, primeira individual do coletivo no Masp, depois de o museu flertar com o trabalho do grupo desde essa primeira visita de 2018 e adquirir mais de 50 obras.

São cartazes em papel, retalhos de tecido, toalhas de mesa e toalhinhas estampadas e trabalhadas com dizeres variados -críticas ao ex-presidente da Argentina Mauricio Macri, acusação de golpe de estado por parte do ex-presidente brasileiro Michel Temer, protestos contra a fome e palavras de ordem em favor do aborto e das identidades de gênero.

“Aborto para cuerpos gestantes”, diz uma toalha de mesa grande. “Beso no transmite”, afirma um pequeno papel, em referência a transmissão do HIV. “Esta panza es re gay”, brinca um retalho. “Cuceta decolonial”, brada um pequeno cartaz

Num contexto social ainda conservador, permeado por retrocessos que questionam até o direito a mulheres que foram estupradas de acessar um aborto depois de 22 semanas de gestação, ler as palavras “cuceta decolonial” impressas numa ilustração de calcinha ainda pode chocar.

Segundo Carneiro, “o choque é positivo, porque desloca a pessoa do lugar em que ela está”. A ideia da exposição, ela diz, é também produzir, com as poucas palavras típicas das artes gráficas, boas perguntas para o público.

Mas a escolha pelo coletivo não se dá só por esse fator. Carneiro lembra que há uma tradição histórica de artes gráficas na América Latina desde o início do século 20 -lastro que foi recuperado na 35ª Bienal de São Paulo, no ano passado, com os coletivos Taller 4 Rojo, da Colômbia, e Taller NN, do Peru.

As Serigrafistas Queer também têm lastro próprio. Estiveram na última edição da Documenta, em Kassel, na Alemanha, e teceram uma rede de contatos no mundo das artes gráficas que tem impacto. Parte da mostra no Masp inclui oficinas -ou “talleres”, em espanhol- com grupos brasileiros como Fudida Silk, Jamac e Parquinho Gráfico.

O coletivo oferece uma zine com algumas técnicas de serigrafia diferentes, para que cada um possa escolher o que convém. O passo a passo da serigrafia oferece opções com uso de sala escura para a revelação da imagem impressa. Há, ainda, uma opção com o emprego de tinta à base de látex. A técnica está ali, disponível sem segredo.

A mesa em que isso vai ocorrer, instalada no espaço expositivo, é na forma de um roedor argentino chamado “cuis”. O grupo explica que adotou o mascote pela similaridade que a palavra tem com queer e acabou usando o nome também no coletivo, que pode ser Serigrafistas Cuis, ou Cuises. É, dizem eles, mais latino-americano.

É da experiência de ensino de técnica que nasce a possibilidade de encontros e reparação sobre a qual se apoia o coletivo. Um projeto desafiador para instituições museológicas que, em sua essência, se consagram nas ideias de autoria e de exclusividade.

Com as Serigrafistas Queer, esses valores caem por terra. Para o coletivo, o fato de uma obra que está na parede do museu também estampar uma camiseta, ou um cartaz, ou sabe-se lá onde, é transgressor. “O museu também pode ser uma caixa de ressonância a ser ‘hackeada em alguns momentos”, diz Guille Mongan, integrante do grupo.

SERIGRAFISTAS QUEER: LIBERDADE PARA AS SENSIBILIDADES

Quando Qua. a dom, das 10h às 18h; ter., das 10h às 18h. Até 16 de março

Onde Masp – av. Paulista, 1.578, São Paulo

Preço R$ 70; grátis às terças

BÁRBARA BLUM / Folhapress

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